O uso da relação caseína/gordura (C/G) na padronização do leite para fabricação do queijo permite aumentar o rendimento e produzir um produto de qualidade uniforme em qualquer época do ano.
A padronização do leite é uma das primeiras etapas para a fabricação de queijo. Como a composição do leite varia conforme a raça do animal, alimentação, estágio de lactação, entre animais, dentre outros fatores.
Deste modo, é necessário padronizar o leite para maximizar o rendimento e obter um produto sempre com as mesmas características para atender ao mercado consumidor, assim como os padrões de identidade e qualidade que a legislação preconiza.
A maior variação na composição do leite se dá no teor de gordura, por isso, usualmente, as indústrias padronizam este constituinte do leite, que também é uma forma mais fácil de padronização.
Uma desnatadeira separa o leite desnatado do creme, que será utilizado, posteriormente, para a padronização. O leite desnatado pode ser adicionado ao leite integral para reduzir o teor de gordura ou acrescentado de creme para elevar este teor, e produzir queijos mais gordos como o Gorgonzola, por exemplo.
Existem também as desnatadeiras padronizadoras em que o leite já sai na linha de produção com o teor de gordura ajustado ou muito próximo do requerido. A padronização da matéria gorda do leite é necessária para atender as exigências da legislação quanto ao teor de gordura no extrato seco (GES) do queijo, como apresentado na Tabela 1. Cada queijo apresenta um regulamento técnico de identidade e qualidade que especifica o teor de GES exigido.
Outra forma de padronizar a composição do leite é alterar seu teor de proteína. Este processo é mais complicado e dispendioso, porque utiliza sistemas de membranas para realizar a ultrafiltração. O leite desnatado é ultrafiltrado e, posteriormente, adicionado a outro leite para aumentar o teor de proteína.
No entanto, como ocorre a variação na composição do leite, tanto da gordura como da proteína, a padronização mais recomendada seria se basear na relação proteína/gordura ou, mais especificamente, da caseína/gordura (C/G).
Como já mencionado anteriomente, nesta padronização é possível ter um produto mais uniforme e maximizar o rendimento de fabricação do queijo. Este artigo traz uma revisão sobre o emprego da relação caseína/gordura no leite, seus impactos tecnológicos nos queijos, além da forma como realizar essa padronização.
Relação caseína/gordura na fabricação de queijos
O uso da relação caseína/gordura (C/G) na padronização do leite para fabricação do queijo permite aumentar o rendimento e produzir um produto de qualidade uniforme em qualquer época do ano, diminuindo as diferenças em virtude das variações sazonais dos componentes do leite (COSTA JÚNIOR; PINHEIRO, 1999, FRANCOLINO et al., 2010).
O ajuste da relação C/G é um fator que determina o teor de gordura do queijo, influencia diretamente na sinérese da coalhada e a umidade do queijo (WALSTRA; WOUTERS; GEURTS, 2006). Maiores recuperações de gordura foram obtidas no queijo Cheddar quando utilizada a relação caseína/gordura na fabricação (GUINEE et al., 2007).
Embora a relação C/G seja muito importante para manter as características sensoriais, corpo e a textura do queijo, ainda não há um padrão estabelecido destas relações para todos os queijos (KUMAR; KANAWJIA; KUMAR, 2011). Em alguns queijos, a relação C/G ou um intervalo desta foi determinado, como no Cheddar (0,67 - 0,72), Muçarela (0,87 - 0,96) (COSTA et al., 2017), Emmental (0,76 - 0,79) (FURTADO, 2007) e Gouda (0,74 - 0,75) (HAMMOND, 1970).
Além do leite de vaca, a relação C/G foi determinada para queijos de outras espécies, como na Muçarela de leite de búfala, cuja relação 0,8 C/G apresentou melhor elasticidade, derretimento e propriedades sensoriais (SAMEEN; SATTAR; HUMA, 2016).
Para o queijo Gouda de leite de búfala, a relação C/G foi de 0,68-0,70 (SRINIVASAN; BURDE,1967). No queijo Feta, também obtido de leite de búfala, a relação de 0,7 C/G foi a que apresentou melhor característica sensorial e composição (KUMAR; KANAWJIA; KUMAR, 2011). Já o fabricado com leite de ovelha, a relação estabelecida foi de 0,72 para a composição, textura e características sensoriais do queijo (PAPPAS et al., 1994).
E no caso do queijo Feta de leite de cabra, a relação C/G reduziu para 0,67 (FONTECHA et al.1990). Observe que a relação C/G difere entre os tipos de queijos e também entre o tipo de leite (espécie) utilizado.
Até em queijos com baixo teor de gordura como no Cheddar a relação C/G já foi estudada. Neste queijo que contém em média 30% de teor de gordura, as relações C/G foram definidas para produtos com baixo teor de gordura (somente 7,15% de teor de gordura no queijo) a reduzido teor de gordura (21,9% de teor de gordura no queijo), com valores das relações C/G, respectivamente, 4,79 e 1,25 (GUINEE; AUTY; FENELON, 2000).
Também em queijos Cheddar com baixo teor de sal, foi verificado o impacto da relação C/G e da concentração de coagulante na proteólise devido à redução do teor de sódio (SHEIBANI et al., 2019). Foi verificado que um aumento na relação C/G e na concentração de coagulante apresentou proteólise similar ao queijo com teor de sal de 2,5% - 3% (SHEIBANI et al., 2019).
Há uma gama de trabalhos internacionais com definição das relações C/G, como citado anteriormente. No Brasil, alguns queijos nacionais já foram estudados. Costa Júnior; Pinheiro (1999) determinaram que a relação C/G no queijo Prato deva variar entre 0,71-0,74, com melhor rendimento, características sensoriais mais típicas e que atendam ao teor de GES exigido para este queijo.
Landin (2021) avaliou o impacto das relações C/G nas propriedades funcionais do queijo Prato, como derretimento, fatiabilidade e óleo livre. Embora não tenha encontrado diferença entre as relações no rendimento, devido ao mesmo teor de umidade nos queijos, nem na composição físico-química dos mesmos, a relação C/G 0,68 apresentou maior capacidade de derretimento e liberação de óleo livre quando comparada com a relação 0,76.
Nesse caso, a relação C/G pode ser padronizada no leite para fabricação do queijo Prato, não só para obter melhor rendimento, mas também as propriedades funcionais desejadas, com um queijo que derreta mais e libere mais óleo livre ou o contrário, de acordo com a demanda.
Outro queijo brasileiro que teve a relação C/G do leite definida foi o queijo de Coalho, em que também foi avaliada a temperatura de cozimento da massa durante a fabricação (BUZATO, 2011). A relação C/G abaixo de 0,65 foi aquela em que se obteve um alto rendimento de fabricação com boa aceitação sensorial.
Padronização da relação caseína/gordura no leite para fabricação do queijo
A técnica de padronização da caseína/gordura é precisa e eficaz nas fabricações de queijos, entretanto, necessita da estimativa do teor de caseína do leite cru (McSWEENEY, 2007).
Determinação do teor de caseínas do leite
Dois métodos são descritos para a análise de caseinas, sendo eles:
- Método de Kjeldahl
- Método do Formaldeído
Método de Kjeldahl
Das metodologias descritas para análise de caseínas método de Kjeldahl é o de referência. Porém, em se tratando de análise de rotina nos laboratórios das indústrias, ele se torna mais difícil de ser executado, pois requer equipamentos e vidrarias específicos que oneram as análises. Além do tempo muito extenso para se obter os resultados, o que inviabiliza muitas vezes uma tomada de decisão, como por exemplo, padronizar leite com base na relação C/G, que precisa de resultados em poucos minutos.
Método do Formaldeído
Para essa rotina analítica industrial, Silva et al.(1991) descreveu o método do Formaldeído, que além de prático, simples e barato, fornecem resultados com alta correlação com o método de Kjeldahl, e em poucos minutos. Também utilizam-se vidrarias e equipamentos de rotina de um laboratório, o que viabiliza a implantação em indústrias de pequeno a grande porte.
Costa Júnior (2020) estima que o método do Folmaldeído, ou simplesmente método do Formol, pode ser executado entre 30 a 40 minutos, descontado o preparo do padrão de cor e desde que o analista seja bem familiarizado com a metodologia.
O mesmo autor descreve o fundamento deste método como aquele que objetiva determinar o teor de caseínas no leite, por meio da estimativa dos prótons liberados a partir da reação do formaldeído (CH2O) com os grupos amino livres das caseínas, após separação isoelétrica e ressuspensão por elevação do pH.
No desenvolvimento da metodologia, inicialmente procede-se o preparo do padrão de cor, que será empregado para comparação do ponto final da titulação (COSTA JÚNIOR, 2020):
- Transferir 10 mL de leite para um erlenmeyer de 125 mL;
- Adicionar 10 mL de água destilada, 0,4 mL de oxalato de potássio 28% (m/v) S.R. e um mL de sulfato de cobalto hepta-hidratado 5% (m/v) S.R.; e
- Reservar para servir como comparação de cor na detecção do ponto final das titulações.
Já na análise propriamente dita, inicialmente faz-se a determinação do chamado Fator Acidez do Formol, ou simplesmente FAF, que é:
- Transferir, com auxílio de pipetador de borracha, dois mL de formaldeído 35% - 40% (v/v) para um erlenmeyer de 125 mL;
- Adicionar 10 mL de água destilada e um mL de fenolftaleína 1% (m/v) alcoólica neutralizada S.I.;
- Titular por uma solução de hidróxido de sódio 0,05 mol/L S.V. até exata coincidência com a cor padrão; e
- Anotar o volume gasto (FAF).
Após obter o FAF, a análise do teor de caseínas do leite é assim descrita:
- Transferir 10 mL de leite a 20 ºC para um tubo de ensaio com tampa plástica rosqueável, de tamanho compatível com a centrífuga de Gerber (aquela para determinar gordura do leite), capacidade mínima 25 mL e máxima 70 mL;
- Adicionar 10 mL de água destilada a 40 ºC e 1,5 mL de ácido acético (1+9) S.R.;
- Misturar de forma a garantir a precipitação das caseínas. Não utilizar o vórtex nesta etapa;
- Aguardar cinco minutos e centrifugar a 1200 rpm por cinco minutos (425 g). O precipitado deverá depositar no fundo do tubo e o sobrenadante deverá ser razoavelmente límpido, com alguma separação de gordura;
- Descartar o sobrenadante;
- Adicionar cinco mL de água destilada a 60 ºC e dispersar o precipitado com o auxílio do vórtex;
- Adicionar 0,5 mL de fenolftaleína 1% (m/v) alcoólica neutralizada S.I. e aproximadamente 6 mL de hidróxido de sódio 0,111 mol/L S.V. (Dornic), de forma lenta (gota a gota) e com o auxílio do vórtex;
- Ressuspender o precipitado com o auxílio do vórtex;
- Adicionar 0,4 mL de oxalato de potássio 28% (m/v) S.R.;
- Se necessário, resfriar o tubo para 20 ºC; esperar dois minutos e titular por uma solução de hidróxido de sódio 0,05 mol/L S.V. até ponto de exata coincidência com a cor padrão. Durante a titulação, pode ser necessário utilizar o vórtex para garantir a mistura da solução alcalina com a amostra em análise; adicionar dois mL de formaldeído 35% - 40% (v/v);
- Esperar 20 segundos e titular novamente por uma solução de hidróxido de sódio 0,05 mol/L S.V. até exata coincidência com a cor padrão; e
- Anotar o volume gasto (mL).
O cálculo do teor percentual de caseínas é feito por meio de uma fórmula:
Assim como qualquer análise, o método do Formol para determinar teor de caseínas apresenta pontos críticos, como titulações e pontos de viragem; precipitação com ácido acético; descarte do sobrenadante que deverá ser feito cuidadosamente para evitar perda de caseínas; adição do hidróxido de sódio, que deve ser lenta (gota a gota) evitando viragem rápida e consequentemente, processo irreversível (COSTA JÚNIOR, 2020).
Cálculo do teor de gordura do leite para alcançar a relação caseína/gordura desejada
A Figura 1 esquematiza como deve ser realizada a padronização da relação caseína/gordura.
A partir da determinação do teor de caseínas do leite, utiliza-se a relação específica ou o intervalo definido para o queijo, e assim calcula-se o teor de gordura no leite que será padronizado. Por exemplo, se for fabricar queijo Prato, a relação C/G para esse queijo encontra-se entre 0,71-0,74 C/G, vamos adotar um valor próximo da média, ou seja, 0,73. A partir da análise do teor de caseínas do leite encontramos o resultado de 2,1% de caseínas. Seguindo a fórmula:
Portanto, aplicando a fórmula, o teor de gordura do leite deve ser padronizado para 2,8%. O teor de caseínas não é alterado no leite, ele é apenas usado para definir o teor de gordura. A padronização do leite é sempre realizada no teor de gordura, levando em conta o teor de caseínas original do leite.
Considerações finais
A padronização da relação caseína/gordura pode ser facilmente implementada nas indústrias de laticínios de qualquer porte, para uniformizar o produto, melhorar rendimento e atender exigências da legislação. A implementação não requer grandes investimentos em equipamentos, apenas pequenas adequações e treinamento de laboratoristas para executar a metodologia do teor de caseínas adequadamente.
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Referências
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BUZATO, R. M. P. Influência da relação caseína/gordura do leite e da temperatura de cozimento da massa no rendimento de fabricação e nas propriedades físico-químicas, funcionais e sensoriais do queijo de coalho. 2011. 247 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Campinas, SP.
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