A missão da Clínica do Leite é contribuir para a melhoria da qualidade do leite e da rentabilidade de fazendas e indústrias do setor. Com este intuito, publicaremos uma série de artigos para que você possa agir a partir dos resultados das análises de componentes do leite recebidos todos os meses.
Assim, você poderá saber o que fazer quando, por exemplo, o teor de gordura está abaixo ou acima do ideal. Além de apresentar exemplos, procuraremos discutir quais as possíveis causas para que esses valores estejam fora do esperado.
Neste primeiro artigo, trataremos da gordura do leite, um componente que exige monitoramento constante. Mas, afinal, por que ela é importante? Vamos às explicações: o leite é formado por componentes sólidos, misturados com água. Em termos de porcentagem, 87% do leite é composto por água e apenas 13% correspondem aos sólidos totais. Entre os sólidos do leite, destacam-se a gordura, a proteína e a lactose.
A gordura é o principal componente energético do leite e um dos principais responsáveis pelo sabor do produto. Além disso, a porcentagem de gordura é importante para o rendimento de derivados elaborados pelas indústrias, como manteiga, queijos, requeijões, sorvetes e cremes, por exemplo.
Qual o teor ideal de gordura no leite de vaca?
Em novembro de 2018, o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) por meio da Instrução Normativa N° 76, com o intuito de melhorar a qualidade do leite produzido no Brasil, estabeleceu os valores mínimos para os principais componentes do leite. Para o leite cru refrigerado, o teor mínimo de gordura é 3%.
Além da legislação, podem servir como parâmetro os programas de pagamento pela qualidade, nos quais as indústrias definem os limites para bonificação, penalização ou ambos, a depender da composição do leite entregue ao laticínio pelo produtor.
No caso da gordura, a tendência é que quanto maior o teor, maior seja a remuneração. Observe essa relação na tabela a seguir, que exemplifica a lógica de um destes programas.
Neste exemplo, o leite fornecido pelo produtor para o laticínio que aplica o programa de pagamento deveria ter no mínimo 3% de gordura para não ser penalizado (redução de R$0,029/litro). O ideal, no entanto, seria produzir leite com no mínimo 3,6% de gordura, valor perfeitamente possível de ser alcançado.
Por outro lado, se conseguir produzir com teor superior ou igual a 3,98%, o produtor poderia receber a bonificação máxima, captando R$ 0,034 por litro de leite. Ou seja, níveis adequados de gordura geram dinheiro no bolso.
Como monitorar o teor de gordura do leite?
O monitoramento da qualidade do leite produzido na fazenda é fundamental para avaliar se a gordura (e outros componentes) está presente em níveis adequados. Neste sentido, análises periódicas contribuem para definir os limites mínimos e máximos aceitáveis, de modo que possíveis problemas na composição possam ser facilmente identificados.
O Laboratório da Clínica do Leite, por exemplo, é certificado para análises dos componentes, entre eles a gordura. Após a realização das análises, são enviados laudos, com os resultados, para indústrias e produtores. A seguir, apresentamos um exemplo de extrato da análise de composição do leite de uma fazenda:
Neste exemplo, a média geométrica do produtor em questão é de 2,77%. Portanto, se considerarmos os parâmetros citados anteriormente, podemos afirmar que esta média está abaixo do que é considerado ideal. Caberia ao produtor, portanto, entender os fatores que levam a este resultado.
O que diminui o teor de gordura do leite?
A concentração de gordura do leite pode ser influenciada por diversos fatores, incluindo nutrição, manejo, época do ano, diluição pela produção dos animais, genética, estágio fisiológico e o ambiente. Dentre eles, podemos afirmar que o principal fator relacionado a alterações na gordura do leite é a nutrição.
Do ponto de vista nutricional, qualquer modificação na dieta dos animais que leve a alterações no ambiente ruminal, principalmente no pH, tem reflexo sobre a gordura do leite. Sendo assim, a relação volumoso-concentrado, a qualidade da fibra fornecida, o tamanho de partícula dos ingredientes da dieta e a taxa de degradação desses ingredientes têm papel fundamental.
Quando são oferecidas dietas para os animais com alta proporção de concentrado, fibra de alta digestibilidade, ou ainda partículas finamente moídas, o animal apresenta risco de desenvolver acidose.
A acidose é um distúrbio metabólico causado pela alta e rápida produção de ácidos no rúmen, principalmente o propiônico. Quando isso ocorre, o metabolismo da gordura no rúmen é modificado e, então, a formação de gordura do leite é afetada negativamente.
Além dessas características da dieta, a frequência de alimentação também deve ser considerada. É importante evitar que os animais sintam fome. Caso contrário, quando alimentados comerão com voracidade, podendo elevar rapidamente a concentração de ácidos no rúmen e levar a prováveis quadros de acidose.
Portanto, é importante fornecer a dieta aos animais com a maior frequência possível, pois, além de evitar a acidose, isso estimulará o consumo.
Outro fator que pode contribuir para a redução na concentração da gordura do leite é o fornecimento de grande quantidade de gordura insaturada na dieta dos animais, como, por exemplo, óleo de soja. Isso porque o fornecimento desse tipo de ingrediente pode levar à inibição da produção de gordura na glândula mamária.
Assim, cabe ao gestor da fazenda realizar as análises de componentes, monitorar os relatórios da qualidade do leite e estudar os casos em que os componentes estejam fora que é considerado normal. Somente dessa forma o produtor poderá gerenciar com eficiência a qualidade do leite produzido diariamente — e aumentar a rentabilidade do seu negócio.
Autor
João Pedro Pereira Winckler, Pesquisador da Clínica do Leite. Zootecnista graduado pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Mestre e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal e Pastagens da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP).