O Brasil é um grande produtor de queijos artesanais com mais de 30 tipos de queijos diferentes por todo o país. O estado de Minas Gerais detém grande parte dessa produção ultrapassando 35% do total (CHAVES et al., 2021) com ênfase ao Queijo Minas Artesanal (QMA), fabricado com leite cru, a tecnologia de fabricação é passada entre gerações, além de ser fonte de renda para vários núcleos familiares do da zona rural (COSTA et al., 2022).
As regiões tradicionais produtoras de QMA estão espalhadas pelo estado e representam mais de 65% dos tipos de queijo artesanal produzidos no estado com produção estimada em 21,8 mil toneladas por ano (EMATER, 2022). São reconhecidas 10 regiões produtoras de QMA: Araxá, Campos das Vertentes, Cerrado, Diamantina, Entre Serras de Piedade ao Caraça, Serra da Canastra, Serra do Salitre, Serras da Ibitipoca, Serro e Triângulo Mineiro (Figura 1).
Figura 1. Mapa das regiões reconhecidas como produtoras de Queijo Minas Artesanal.
Fonte: EMATER (2023)
Queijo Minas Artesanal de casca florida
O QMA é um queijo fabricado com leite cru, hígido, integral, de produção própria, com utilização de soro fermento (pingo). O produto deve apresentar consistência firme, cor e sabor próprios, massa uniforme, isenta de corantes e conservantes, com ou sem olhaduras mecânicas. Além disso, a produção deve-se iniciar no máximo 90 minutos após a ordenha (IMA, 2020).
O QMA vem se destacando ao ganhar várias medalhas levando o nome do país ao pódio de diversos concursos internacionais (BRASIL, 2024).
Um dos produtos que vem ganhando notoriedade entre os consumidores é o Queijo Minas Artesanal de Casca Florida (QMACF), que foi reconhecido pela SEAPA na resolução nº 42, em 27 de dezembro de 2022. É definido como QMACF:
“o queijo elaborado a partir do leite cru, hígido, integral, de produção própria, com utilização de soro-fermento (pingo), cujo produto final apresente, cor e sabor próprios, massa uniforme, isenta de corantes e conservantes, com ou sem olhaduras mecânicas e casca de aspecto rugoso, em que é visualmente constatada a presença e a dominância de fungos filamentosos de coloração branca e aspecto aveludado” (MINAS GERAIS, 2022)
Segundo a resolução, para ser considerado casca florida o Queijo Minas Artesanal deve apresentar a presença e dominância visualmente constatada por fungos filamentosos. Também, a resolução reconhece que inicialmente os Queijos Minas Artesanal de Casca Florida serão aqueles em que houver predominância da espécie fúngica Galatomyces geotrichum, que também são conhecidos como Geotrichum candidum e Geotrichum silvicola.
A resolução afirma que outros fungos poderão ser reconhecidos no QMACF desde que seja atestada a segurança do consumo por meio de pesquisas científicas por órgãos especializados. A resolução finaliza que será publicada pelo IMA um regulamento com as normas para produção do QMACF (MINAS GERAIS, 2022). A Figura 2 apresenta alguns queijos artesanais de casca florida com a presença e a dominância visual de fungos filamentosos de coloração branca e aspecto aveludado, conforme definido na Resolução nº 42, em 27 de dezembro de 2022 (MINAS GERAIS, 2022).
Figura 2. Queijo Minas Artesanal de Casca Florida com a presença visível de Geotrichium candidum.
A.
B. C.
(A) Início do aparecimento do fungo no queijo (B) e (C) Queijo com a casca toda preenchida pelo fungo.
Fabricação de queijo Minas Artesanal de casca florida
O modo de fazer do QMA é similar em todas as regiões reconhecidas e está representado no fluxograma (Figura 3).
São utilizados somente 4 ingredientes (leite cru integral fresco, pingo, coalho e sal) mas que devem apresentar extrema qualidade para produzir um queijo com características sensoriais desejáveis. Por se tratar de um queijo de leite cru e massa crua, o leite não deve sofrer nenhum tratamento térmico e, portanto, deve ser encaminhado para a queijaria logo após a ordenha (máximo 90 minutos), aproveitando a temperatura para realizar a coagulação (IMA, 2020). Por isso comumente as queijarias de QMA são construídas ao lado do curral de modo a facilitar e minimizar as perdas de temperatura no transporte, principalmente no inverno. O leite cru é o ingrediente mais importante, pois é dele que virão os microrganismos que irão definir o potencial de maturação do queijo (ASHER, 2015).
Figura 3. Fluxograma de fabricação do queijo Minas artesanal.
Fonte: Adaptado de IMA, 2020
O pingo é o fermento endógeno que contém os microrganismos que irão dar as características especificas do queijo; esses microrganismos variam de região para região (FARIA JÚNIOR et al., 2007), entre as cidades e propriedades de uma mesma região (MARTIN et al., 2023; RAFAEL, 2017) e entre as estações do ano (MARTIN et al., 2023; COSTA JÚNIOR et al., 2014; NÓBREGA et al., 2008).
O Geotrichum candidum é um dos microrganismos nativos do leite cru, não sendo necessário sua inoculação, já que ele cresce naturalmente quando as condições do terroir, ambiente de maturação e do queijo são favoráveis (BATISTA; SANTOS; LIMA, 2023; ZHENG et al., 2018).
Como o G. candidum deve ter predominância no QMACF, alguns cuidados devem ser levados em consideração para favorecer o crescimento desse microrganismo. Logo após a enformagem do queijo Minas Artesanal é realizada a salga a seco e deve-se ter um controle sobre a quantidade de sal, já que o Geotrichum candidum é sensível a altas concentrações de sal (BENNETOT et al., 2022). Esse microrganismo sofre redução no seu desenvolvimento quando o teor de sal do queijo se encontra em torno de 1%, e a inibição completa acontece com 5-6% de sal (COSTA; SOBRAL, 2021).
Após a salga, os queijos permanecem a temperatura ambiente na bancada para que os microrganismos ainda presentes no queijo possam fermentar a lactose, que será transformada em ácido lático, com redução do pH do queijo. Essa acidificação tem importância fundamental no controle de microrganismos contaminantes, seleção de microrganismos benéficos, e também no desenvolvimento do Geotrichum candidum, que assimila o lactato gerado (BINTSIS, 2021). Além disso, a acidificação do queijo favorece a retirada do cálcio da massa que reage com o ácido lático e forma lactato de cálcio. A saída do cálcio na forma de lactato de cálcio deixa a massa mais porosa, sendo essencial para o correto dessoramento em queijos mofados (DUTRA, 2017).
Após a etapa de fermentação, o queijo passa para a sala de maturação que deve apresentar umidade relativa do ar acima de 90% para favorecer o crescimento dos mofos (FURTADO, 2013). Geralmente, essa umidade relativa é encontrada naturalmente das salas de maturação de queijos artesanais. Muitos dos produtores do QMACF possuem climatização na sala de maturação o que possibilita uma maturação em temperatura menor que a ambiente, de forma controlada. A Portaria n. 1969 de 2020 permite a maturação do QMA em ambiente climatizado com temperatura entre 12 ºC a 18 ºC (IMA, 2020).
O QMACF é um queijo de massa mais lática e mais úmida que possibilita o desenvolvimento de mofos de superfície (ARAGÃO et al., 2022). A região da casca do queijo geralmente possui maior diversidade de microrganismos que as regiões internas do queijo (CHOI et al., 2020). Durante a maturação começa a ocorrer uma sucessão de microrganismos, onde inicialmente leveduras acidófilas atuam elevando o pH da casca gradualmente e possibilitando que o Geotrichum candidum inicie o seu desenvolvimento (BATISTA; SANTOS; LIMA, 2023). Após alguns dias de maturação, já é possível observar o surgimento do mofo pela formação de uma fina película branca que começa a surgir (FURTADO, 2013).
Em queijos artesanais a casca do queijo contribui não só para a aparência, mas também com sabores e aromas que definem a escolha de compra pelo consumidor (KAMELAMELA et al., 2018). A presença do Geotrichum candidum em queijos produz características interessantes como flavour desejável proveniente da lipólise e proteólise, consistência macia, produção de compostos voláteis que remetem a notas frutadas, florais, de suor, mofo, óleo e amanteigada (SANTOS et al., 2021), aumentando assim a complexidade do produto e agregando valor (MARTIN; COTTER, 2023).
Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você.
Referências
ARAGÃO, M. O. et al. Fungal community and physicochemical profiles of ripened cheeses from the Canastra of Minas Gerais, Brazil. Journal of Food Science and Technology, v. 59, n. 12, p. 4685-4694, 2022.
ASHER, D. The art of natural cheesemaking: using traditional, non-industrial methods and raw ingredients to make the world's best cheeses. Chelsea Green Publishing, 2015.
BATISTA, L. R.; SANTOS, M. A. A.; LIMA, F. R. Queijo Minas Artesanal de Casca Florida: microbiota terroir de superfície. INFORME AGROPECUÁRIO (BELO HORIZONTE), v. 44, p. 62-69, 2023.
BENNETOT, B. et al. Domestication of different varieties in the cheese-making fungus Geotrichum candidum. bioRxiv, p. 2022.05. 17.492043, 2022.
BINTSIS, T. Yeasts in different types of cheese. AIMS microbiology, v. 7, n. 4, p. 447, 2021.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Queijos Artesanais Brasileiros ganham visibilidade em concurso mundial. Distrito Federal: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 20 jan. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/queijos-artesanais-brasileiros-ganham-visibilidade-em-concurso-mundial-1. Acesso em: 22 jan. 2024
CHAVES, A. C. S. D. et al. Queijos artesanais brasileiros. 2021.
CHOI, J. et al. Microbial communities of a variety of cheeses and comparison between core and rind region of cheeses. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 5, p. 4026-4042, 2020.
COSTA JÚNIOR, L. C. G. et al. Maturação do Queijo Minas Artesanal da Microrregião Campo das Vertentes e os efeitos dos períodos seco e chuvoso. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, v. 69, n. 2, p. 111-120, 2014.
COSTA, R.G.B.; SOBRAL, D. Trilogia de mofos. Profissão queijeira, Rio Doce, p. 42 - 47, 08 set. 2021.
COSTA, R. G. B. et al. Os queijos Minas artesanais–uma breve revisão. Research, Society and Development, v. 11, n. 8, p. e16911830012-e16911830012, 2022.
DUTRA, E. R. P. Fundamentos Básicos da Produção de Queijos. Juiz de Fora: Templo, v. 160, 2017.
EMATER-MG. Levantamento da EMATER-MG mostra que minas gerais tem 32 mil agroindústrias familiares. (2022) Disponível em: https://www.emater.mg.gov.br/portal.do/site-noticias/levantamento-da-emater-mg-mostra-que-minas-gerais-tem-32-mil-agroindustriasfamiliares/?flagweb=novosite_pagina_interna_noticia&id=26273.Acesso em: 22 jan. 2024
FARIA JÚNIOR, C. L. L. de et al. Identificação de bactérias lácticas presentes em amostras de pingos das regiões da serra da canastra e da serra do salitre utilizando métodos dependentes e independentes de cultivo. 2007. 64f. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte 2007.
FURTADO, M. M. Queijos Especiais. São Paulo: setembro, 2013. 275 p
IMA – Instituto Mineiro de Agropecuária. Portaria nº 1969, de 26 de março de 2020. Dispõe sobre a produção de Queijo Minas Artesanal - QMA em queijarias e entrepostos localizados dentro de microrregiões definidas e para as demais regiões do Estado, caracterizadas ou não como produtora de Queijo Minas Artesanal – QMA e revoga a Portaria IMA nº 1.305, de 30 de abril de 2013. Belo Horizontes: IMA, 2020.
KAMELAMELA, N. et al. Indigo-and indirubin-producing strains of Proteus and Psychrobacter are associated with purple rind defect in a surface-ripened cheese. Food microbiology, v. 76, p. 543-552, 2018.
MARTIN, J.G. P. et al. Seasonal variation in the Canastra cheese mycobiota. Frontiers in Microbiology, v. 13, p. 5437, 2023.
MARTIN, J. G. P.; COTTER, P. D. Filamentous fungi in artisanal cheeses: A problem to be avoided or a market opportunity?. Heliyon, 2023.
MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Resolução nº 42, 27 de dezembro de 2022. Reconhece o Queijo Minas Artesanal na variedade Casca Florida produzidos nos municípios do Estado de Minas Gerais. Minas Gerais: Diário do Executivo, Belo Horizonte, ano 130, n. 261, p.7, 28 dez. 2022.
NÓBREGA, J. E. et al. Diferenças sazonais no fermento endógeno utilizado na produção do queijo Minas artesanal, fabricado na Serra da Canastra, Minas Gerais. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, v. 63, n. 363, p. 26-30, 2008.
RAFAEL, V. da C. Fenótipos da microbiota predominante do fermento endógeno (pingo) relevantes para as características e segurança microbiológica do queijo Minas artesanal da Serra da Canastra. 2017. 138f. Tese (Doutorado em Ciência e Tecnologia de Alimentos) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa. 2017.
SANTOS, M. A. de A. Characterization of Artisanal Minas Cheese produced in the region of Serra da Canastra: fungal diversity and volatile compounds profile. 2021. 74 p. Dissertação (Mestrado em Ciência dos Alimentos) – Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2021.
ZHENG, X. I. et al. Dynamic correlations between microbiota succession and flavor development involved in the ripening of Kazak artisanal cheese. Food Research International, v. 105, p. 733-742, 2018.