Denis Teixeira - Analista socioeconomia, Embrapa Gado de Leite
Glauco Carvalho - Pesquisador, Embrapa Gado de Leite
Recentemente, o MilkPoint publicou o “Levantamento Top 100 2020 – Os 100 maiores produtores de leite do Brasil”. Com base nesta publicação, o Marcelo Pereira de Carvalho fez uma análise da evolução dos sistemas de produção de leite componentes dessa amostra de produtores ao longo dos últimos anos no artigo “Top100: a ponta do iceberg da transformação do leite”. A constatação foi de que esse grupo tem uma dinâmica de crescimento bem superior ao restante dos produtores brasileiros que pode ser explicada, de forma simplificada, pela profissionalização e por preços maiores recebidos pelo leite do que a média. Mas, em uma visão mais abrangente, é evidente o processo de aumento de escala que está ocorrendo em vários estratos de produção de leite no Brasil.
Entretanto, um questionamento ficou no ar: o quanto esse grupo que compõe o Top 100 representa a realidade do leite brasileiro e quantos grandes produtores existem no País?
Uma análise com dados do último Censo Agropecuário do IBGE, referentes ao ano de 2017, pode contribuir para um melhor entendimento da escala de produção no Brasil. Uma primeira informação é que, apesar de ter sido registrada redução no número total de estabelecimentos produtores de leite entre 2006 e 2017, essa queda ocorreu somente nos estratos de produção menores que 50 litros diários (Tabela 1). Acima dessa faixa de produção houve aumento no número de estabelecimentos produtores, com destaque para o grupo que produz mais de 500 litros/dia que saltou de pouco menos de 9 mil para mais de 23 mil produtores, ou seja, aumento de 163%.
Em termos de produção, enquanto o volume total produzido expandiu 47% entre os anos analisados, o grupo de produtores acima de 500 litros/dia registrou crescimento de 173% no mesmo período. Com isso, a participação deste grupo na produção total nacional saltou de 16% em 2006 para 30% em 2017, sendo responsável por mais de 9 bilhões de litros no último ano. Outro ponto que chama atenção nesse grupo é a produtividade animal, que atingiu 5.331 litros/vaca em 2017, mais que o dobro da média nacional registrada no Censo (2.621 litros/vaca).
Tabela 1. Comparativo do número de estabelecimentos com produção de leite e quantidade de leite produzido por estrato de produção diária, em 2006 e 2017 e sua variações
Esses dados demonstram que, de fato, ocorreu um processo consistente de aumento de escala de produção nas fazendas leiteiras brasileiras, o que não é exclusivo dos chamados grandes produtores, com volumes diários na casa dos milhares de litros. O aumento na produção de leite dos produtores com mais de 500 litros diários, registrado pelo Censo Agropecuário entre 2006 e 2017, foi mais que o dobro do incremento alcançado pelos Top 100, que segundo os levantamentos do Milkpoint, foi de 75% no mesmo período.
Mas como estariam distribuídos estes pouco mais de 23 mil produtores acima dos 500 litros diários? Aprofundando a análise nos estratos superiores de produção, a grande maioria desse grupo (92%) produz até 2 mil litros. Assim, em 2017 o Brasil contava com 1.824 produtores com produção acima 2 mil litros/dia. Apesar de representar um grupo muito restrito de apenas 0,16% dentro do universo de quase 1,2 milhão de produtores levantados pelo Censo, estes produtores foram responsáveis por 8,3% da produção total brasileira, o que equivale a mais de 10% da produção inspecionada naquele ano.
A análise dessa intensificação dos sistemas de produção e do consequente aumento da concentração da produção é ainda mais importante nesse momento de pandemia do Covid-19, devido aos seus potenciais reflexos negativos sobre o consumo de lácteos e sobre a cadeia produtiva como um todo nos próximos meses e anos. Desafios financeiros e tecnológicos tendem a acelerar o processo de concentração no campo, privilegiando aqueles produtores com melhores práticas de gestão e maior eficiência em temos dos fatores de produção (terra, mão de obra, animal e capital).