Sustentabilidade e bem-estar animal são dois pontos frequentemente citados quando o assunto é produção animal. Há uma busca cada vez maior pelo respeito ao meio ambiente, aos animais e aos produtores rurais no processo produtivo como um todo. A sala de ordenha móvel é uma das possibilidades quando pensamos nestas questões, principalmente quando falamos em produção de leite a pasto.
Um dos sistemas bastante utilizados pelos produtores brasileiros para atividade leiteira é a produção a pasto. Contudo, embora este sistema possua potencial benefícios para a saúde dos cascos, este é um ponto que merece atenção. O caminho percorrido pelos animais entre o pasto e a ordenha pode ser longo e a via acidentada, aumentando o risco de claudicação. Além disso, o peso do úbere, que está maior no momento anterior à ordenha, é também um fator de risco para lesões no casco.
Uma das alternativas que pode ser utilizada para minimizar estes problemas é a sala de ordenha móvel. A ideia desta instalação é poder levar a ordenhadeira até os animais, e não o contrário; sem deixar de objetivar um processo de ordenha limpo e ainda mais eficiente.
Este equipamento presente em países como Lituânia, consiste em uma sala de ordenha equipada, leve, porém firme, que pode ser facilmente transportada ao longo da propriedade, movida através de rodas próprias com pequenos tratores ou outro equipamento adequado. A instalação móvel geralmente conta com reboque, unidade de ordenha a vácuo, tanques de água que abastecem o sistema, tanque a vácuo para armazenamento provisório do leite, fossa séptica para descarte de água usada na limpeza do equipamento e teto para proteger os animais, o ordenhador e os equipamentos da chuva e dos raios solares.
Além disso, o equipamento pode contar também com outra unidade móvel com sistema a vácuo e gerador, e não depende do suprimento de energia elétrica e água a pasto. Na Lituânia a recomendação é que, com o objetivo de garantir a qualidade do leite produzido, haja resfriamento no tanque móvel quando a ordenha tem duração superior a duas horas.
Porém, é importante ressaltar que estas recomendações variam de acordo com o clima e época do ano ao qual a propriedade está submetida. No Brasil, por exemplo, para utilização desta tecnologia seria necessário que o resfriamento do tanque a pasto estivesse sempre presente devido às altas temperaturas do país.
No desenvolvimento da sala móvel a qualidade de trabalho do ordenhador também foi uma preocupação. Há algumas diferenças nos modelos existentes: um deles conta com um banco móvel com altura que garante uma posição ergonômica do trabalhador, e o outro cuja estrutura da sala é mais elevada do chão, as vacas sobem uma rampa e o ordenhador realiza a ordenha em pé, de forma similar às salas tradicionais.
Antes de dar início ao processo de ordenha à pasto, é necessário um processo de preparação ainda na sede da fazenda. Os tanques serão responsáveis por fornecer a água necessária para a ordenha à pasto, o que torna o sistema independente de suprimento de água no local a ser realizada a ordenha. Todos devem ser preenchidos com água da torneira, e, caso haja tanque de água quente, este deve ter seu aquecedor elétrico conectado à fonte de eletricidade para aquecer a água antes de ser levado ao pasto.
É importante ressaltar que a sala de ordenha fica à pasto e outro equipamento (trailer ou reboque) é utilizado para carregar demais materiais e ferramentas entre a sede da fazenda e o local de ordenha e vice-versa. Estes utensílios que não ficam a pasto, como os tanques de água, devem ser fixos no trailer para um transporte seguro até o local da ordenha. Ao chegar no pasto, o trailer é estacionado na parte de fora do piquete, ao lado da sala de ordenha, de forma que o reboque e os equipamentos fiquem fora do alcance dos animais. O sistema a vácuo e as mangueiras do leite são conectadas no tanque presente no trailer onde o leite será armazenado provisoriamente.
O processo de adaptação dos animais ao sistema é variável, mas, em geral, demora cerca de uma semana para que as vacas se acostumem e se sintam seguras na sala. A depender do modelo de sala de ordenha móvel utilizado, as vacas ficam separadas em espaços individuais durante a ordenha, o que permite que entrem e saiam individualmente, sem depender do término do processo das demais vacas. Isso diminui o tempo da vaca no local de ordenha, liberando-a para consumo de água, pastejo e descanso. Em outros sistemas, elas entram e são liberadas em conjunto. O momento da ordenha pode ser utilizado, inclusive, para mudar as vacas de piquete de acordo com o manejo de pastagem realizado na fazenda.
Outro ponto favorável para a instalação móvel está relacionado à quantidade de dejetos produzidos pelos animais na sala de ordenha. A instalação pode contar com piso com aberturas que permitem a passagem das fezes e urina para o pasto, ou, caso o piso não tenha frestas, este pode ser lavado rapidamente com mangueira de pressão. Este processo faz com que não haja acúmulo de dejetos, como nas salas de ordenha tradicionais, e os excrementos dissolvidos fertilizam naturalmente o solo ao invés de fermentarem e liberarem gases poluentes dentro das instalações.
Por isso, a mudança frequente do local da ordenha não só é facilitada como é importante para que não haja acúmulo de excrementos em uma parte do pasto, além de promover a fertilização de outras áreas. Essas características garantem a ausência de odores desagradáveis como ocorre em salas de ordenha fixas, e, em alguns sistemas, as roupas dos ordenhadores ficam mais limpas comparado ao sistema de ordenha tradicional. Estes são outros fatores que favorecem a qualidade de trabalho e o respeito ao meio ambiente e, portanto, a sustentabilidade do processo.
Todo o processo utilizando a sala de ordenha móvel é bastante facilitado: o produtor vai até o pasto, ordenha os animais e volta para sua casa ou às demais atividades da fazenda. Além de ser favorável aos trabalhadores pela facilidade e possibilidade de diminuição do tempo destinado a este manejo, o período de espera dos animais antes e durante a ordenha é menor, ou seja, o período longe do pasto é menor comparado ao sistema tradicional de ordenha, ponto positivo para a saúde dos cascos, bem-estar animal e produção de leite.
Após a finalização da ordenha, suas unidades são lavadas. A lavagem também é realizada de forma mecanizada por dispositivo à vácuo independente de energia elétrica, utilizando a água dos tanques e gerador de energia. Após a lavagem, as mangueiras são desconectadas da sala móvel, e o leite é transportado no tanque de armazenamento prévio até a base da fazenda. O leite é, então, descarregado do tanque móvel para um tanque de resfriamento fixo com o auxílio de uma bomba de leite elétrica. O tanque de armazenamento móvel também deve ser lavado.
É possível observar que a sala de ordenha móvel traz inúmeros benefícios à produção de leite, voltados ao bem-estar e saúde dos animais, qualidade de vida e trabalho do trabalhador e respeito ao meio ambiente. Além desses fatores, é importante entender que, ao imobilizar o capital (dinheiro) em uma instalação móvel, é possível que esta seja vendida a outro produtor em momento oportuno (troca de equipamento, mudança da atividade ou alteração de manejo). Ou seja, ao invés de investir em uma instalação fixa que não pode ser comercializada posteriormente, como a construção de um galpão para realização da ordenha, o investimento em uma instalação móvel para mesma finalidade que pode ser vendida posteriormente é mais vantajoso financeiramente para o produtor rural.
O que temos no Brasil
A primeira sala de ordenha móvel já chegou no Brasil há cerca de 4 anos. Com algumas diferenças dos modelos citados anteriormente e presentes no exterior, a instalação móvel brasileira é parcialmente fixa, não permitindo sua movimentação diária, por necessitar do auxílio de guindastes para locomoção. Essa não é necessariamente uma desvantagem, uma vez que pode ser colocada na área central do pasto, tendo acesso de todos os piquetes ao redor.
Além disso, caso a propriedade possua uma estrutura onde seria interessante a movimentação diária da sala, segundo Andrew Jones, idealizador da sala de ordenha móvel brasileira, é possível adicionar rodas à instalação, permitindo este manejo. Porém vale ressaltar o cuidado: essa locomoção deve ser realizada dentro da propriedade, sem acessar vias públicas, para garantir maior segurança do trabalho.
Figura 1: esquema para ilustrar uma possibilidade de adoção da sala de ordenha móvel brasileira a um sistema a pasto.
Outras vantagens bastante importantes presentes nessa sala de ordenha estão relacionadas a possibilidade de alteração de sua localização caso o manejo da propriedade seja alterado, e a possibilidade de venda caso seja de interesse do produtor adotar outro sistema de ordenha, por exemplo.
Fabrício Povh, proprietário da Chácara Nova Zelândia localizada na região de Castro/PR, que utiliza este sistema em sua propriedade, relatou que fez esta escolha pois o objetivo é que futuramente, quando atingirem cerca de 75 vacas, ele e sua esposa adotem o sistema robotizado e, por isso, não seria interessante a construção de uma sala de ordenha fixa. Por isso decidiu optar pela sala de ordenha móvel, que será vendida e trará retorno em relação ao valor residual do equipamento.
O manejo dos dejetos é um fator bastante diferente entre as instalações estrangeiras e a nacional. Como a ideia desta sala de ordenha presente no Brasil é poder ser movida, porém ficar fixa no cotidiano da fazenda, os dejetos gerados precisam ser destinados corretamente. Por isso há um sistema de recolhimento de urina e fezes para manter o ambiente limpo: piniqueiras estão posicionadas logo abaixo da vulva e ânus das vacas para recolhimento e canalização dos dejetos.
Com o objetivo de se adaptar às diferentes realidades das propriedades brasileiras, esta instalação móvel conta com regulagem de altura para os diferentes portes de vaca. Isso torna, portanto, o sistema de recolhimento de esterco adaptável e efetivo, podendo canalizar todo o dejeto produzido para biodigestores ou produção de biofertilizantes.
Figura 2: imagem da piniqueira responsável pelo recolhimento de dejetos da sala de ordenha móvel brasileira.
Fonte: acervo particular Andrew Jones.
Ainda no tema adaptabilidade, além de ser ajustável quanto ao porte dos animais, ela possibilita o aumento da sala com a inclusão de novos módulos. Por exemplo: se o produtor compra um módulo onde quatro vacas podem ser ordenhadas por vez e, após algum tempo, o rebanho cresce e demanda uma sala de ordenha maior, ele pode comprar outro módulo e aumentar a sala de ordenha pré-existente, sem necessidade de reformas na propriedade.
Essa instalação também pode ser anexada junto à instalações de confinamento do gado, como compost barn, sistema cuja adoção vem crescendo no Brasil, como indica a pesquisa realizada pela MilkPoint das Top100 fazendas maiores produtoras de leite do país, mostrando um boom no crescimento deste sistema desde 2016. É o caso do Fabrício, que possui sistema de compost barn e anexou a sala de ordenha móvel brasileira ao galpão dos animais.
A sala de ordenha móvel brasileira é elevada do chão, onde as vacas sobem uma rampa para serem ordenhadas, e o ordenhador realiza a atividade em pé. Nele, as vacas de uma mesma leva entram e saem juntas, como acontece em sala de ordenha “espinha de peixe”. Além disso, este sistema depende de suprimento de água e de energia elétrica no local onde a ordenha será realizada.
Segundo Fabrício, o processo de adaptação das vacas precisa de atenção: “Como começamos do zero, tive que comprar novilha prenhe, não eram vacas acostumadas com outra rotina de fazenda, acho que essa foi uma facilidade. Então o desafio era acostumar esses animais, que nunca tinham sido ordenhados na vida, a esse sistema”. Alguns animais apresentavam maior resistência no processo, então ele os deixou com livre acesso à sala com um balde com silagem dentro, de forma que as vacas foram ficando mais adaptadas à instalação.
Fabrício também comentou sobre a relação delas hoje com a rampa da ordenha: “Subir a rampa foi uma questão. Até hoje quando chove e está molhado elas têm um pouco mais de receio de subir, mas quando está seco elas até correm.” Ele também contou que, para evitar que os animais escorreguem para fora da rampa, fecharam as laterais da com chapa de ferro, além de adaptar a rampa com borrachas para firmar mais os pés.. Porém, quando não chove, a rampa está seca e dá o horário da ordenha, elas já se direcionam para a sala.
Figura 3: vacas Jersey na rampa da sala de ordenha móvel aguardando o momento da ordenha. Fazenda do Fabrício.
Fonte: acervo particular Andrew Jones.
Nota-se no Brasil e no mundo o aumento do interesse e movimentação para produções mais sustentáveis, o que não é diferente para a cadeia do leite.
As instalações móveis podem ser uma ótima alternativa para melhorar a sustentabilidade do leite, já que possui melhorias em relação ao meio ambiente, condições de trabalho e custo de produção.
Além disso, no Brasil tem aumentado a procura e o interesse por sistemas de produção como integração lavoura pecuária (ILP) e integração lavoura pecuária floresta (ILPF), e em ambas o gado é criado solto à pasto, podendo a sala de ordenha móvel ser bastante favorável a estes sistemas.
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Referências
Sala de ordenha móvel na Lituânia (https://milkingsystem.com/dairy%20farming,%20mobile%20milking,%20mobile%20parlors)
Produtor abordando o uso da sala de ordenha móvel a pasto em fazenda na Nova Zelândia (https://www.youtube.com/watch?v=TZaNp8tsf_0)
Distância caminhada pelos animais como um desafio na produção de leite à pasto: o longo caminho para a claudicação (https://research.wur.nl/en/publications/the-long-road-to-lameness-considering-walking-distance-as-a-chall)
Influência da distância caminhada e tempo longe do pasto no comportamento de vacas e na produção de leite em vacas a pasto (https://www.mdpi.com/2076-2615/11/10/2903/htm)