O que é o creme de leite?
O creme de leite é um produto muito versátil, podendo ser utilizado como matéria-prima para a fabricação de outros produtos lácteos (como é o caso da manteiga) e para uso em diferentes receitas caseiras, tanto doces quanto salgadas. Normalmente, a utilização de creme de leite em receitas as torna mais cremosas e saborosas, o que é muito atrativo para cozinheiros amadores e profissionais.
Segundo a Portaria 146/96 – MAPA, creme de leite é definido como “[...] o produto lácteo relativamente rico em gordura retirada do leite por procedimento tecnologicamente adequados, que apresenta a forma de uma emulsão de gordura em água.[...]”.
O creme deverá ser obtido obrigatoriamente a partir do leite de vaca, possuir cor branco ou levemente amarelado, sabor e cor suaves e característicos. Pode conter sólidos lácteos não gordurosos de no máximo 2% (m/m), ou caseinatos de no máximo 0,1% (m/m), ou soro lácteo em pó de no máximo 1,0% (m/m).
Ainda de acordo com a mesma Portaria, o creme de leite pode ser classificado tanto quanto ao tratamento térmico ao qual o produto lácteo é submetido e quanto ao teor de gordura nele presente. Para o tratamento térmico, definem-se três tipos distintos: creme pasteurizado, esterilizado e UHT (ultra high temperature).
Quanto ao teor de gordura do creme, temos três definições, sendo elas: “de baixo teor de gordura” ou “leve” (10 a 19,9% (m/m)), “creme” (20 a 49,9% (m/m)) e “de alto teor de gordura” (maior que 50% (m/m)). É aceitável algumas designações distintas para o creme, para artigos comercializáveis, de maneira que creme com teor de matéria gorda superior a 40% m/m, pode-se denominar como “duplo creme”. Para creme com conteúdo de matéria gorda superior a 35%, pode-se denominar “creme para bater”. Cremes UHT podem ser designados também como “Creme Longa Vida”.
Recentemente, foi lançado no mercado o creme de leite UHT com baixo teor de gordura, classificado como “levíssimo” que possui 10% (m/m) de gordura e baixo nível de cremosidade. A redução do teor de gordura é um atrativo para um mercado consumidor que busca cada vez mais a diminuição do consumo de gordura.
Não podemos deixar de mencionar o “creme culinário”, que não pode ser classificado como creme de leite, porém está presente nas prateleiras dos supermercados junto com o creme de leite, podendo muitas vezes, levar o consumidor à confusão entre os produtos. O creme culinário é uma mistura de leite, gordura vegetal e creme de leite, cuja principal função é o preparo de molhos, doces e pratos salgados.
Normalmente, possui o teor de gordura similar ao do creme de leite “leve” com 17% (m/m) de gordura, porém o perfil lipídico é diferente, uma vez que a presença de gordura vegetal é maior do que a de creme de leite.
É importante ressaltar que os ingredientes presentes na “lista de ingredientes” aparecem em ordem decrescente de quantidade, isto é, aqueles que estão em maiores quantidades vêm primeiro. Veja na Figura 1, a tabela nutricional e a lista de um creme culinário comparadas com o creme de leite.
Como o creme de leite pode ser processado?
O tratamento térmico é uma etapa essencial para que o creme de leite seja seguro para consumo. Dependendo do tratamento térmico aplicado, o creme de leite terá características (por exemplo, sabor e cremosidade) e prazo de validade específicos. Isto pode definir a opção do consumidor por um ou outro tipo de creme de leite. Mas como os diferentes tipos de creme de leite são processados para chegarem às mesas dos consumidores?
Figura 1. Tabela nutricional e lista de ingredientes do creme culinário (a), comparadas àquelas para creme de leite leve (17%, m/m de gordura) (b).
* % Valores diários de referência com base em uma dieta de 2.000 kcal ou 8.400 kJ; ** Não estabelecido.
Fonte: as autoras.
A primeira etapa é chamada de padronização. É imprescindível padronizar o teor de gordura antes de começar o processamento térmico do creme, de acordo com a sua finalidade. Exemplificando, se o objetivo é produzir um creme de leite leve, primeiro faz-se a padronização de gordura, normalmente, para 17% e posteriormente, o tratamento térmico. Esta padronização do teor de gordura normalmente é realizada com leite desnatado.
O creme pasteurizado é conhecido como creme de leite “fresco”, e nele é aplicado o tratamento de pasteurização a 75 °C/15 s, com o objetivo de reduzir a carga microbiana de deterioradores e patógenos, a níveis seguros. Geralmente, esse produto é envasado em garrafas e é mantido sobre refrigeração por possuir uma baixa vida de prateleira (em torno de 40 dias).
Para o creme de leite esterilizado, é feito um aquecimento seguido de homogeneização, com o objetivo de quebrar os glóbulos de gordura em glóbulos menores e de diâmetros uniformes, evitando a separação macroscópica das fases. O creme é envasado, geralmente em latas, e é esterilizado dentro da embalagem, a 115 ºC/20 min. Esse tipo de produto possui validade de, em média, 14 meses em temperatura ambiente.
Já o creme UHT, é tratado em temperatura alta de 140 ºC/10 s seguido de homogeneização asséptica e envase asséptico, geralmente em embalagens de caixinha. Sendo esse processo um pouco diferente do anterior, visto que a homogeneização e o envase precisam ser feitos assepticamente para não haver contaminação microbiana após o tratamento térmico, o que não é necessário em creme esterilizado por ser tratado termicamente dentro da embalagem. Esse creme de leite possui uma vida de prateleira de 6 a 8 meses.
É permitido adicionar aditivos ao creme de leite?
Segundo a Portaria nº 146 do MAPA (1996), a utilização de aditivos em creme de leite é permitida apenas quando se trata de creme esterilizado e UHT. São adicionados estabilizantes e espessantes em quantidade máxima de 0,5% (m/m) assim como sais estabilizantes, no máximo de 0,2% (m/m) no produto final.
A adição de estabilizantes e espessantes contribui para o aumento da viscosidade do creme, uma vez que esses são polissacarídeos, isto é, macromoléculas que conseguem reter a água devido às interações que seus grupos funcionais realizam com as moléculas de água.
Podem-se citar como exemplos: carboximetilcelulose, goma guar, goma xantana, carragena, dentre outros. Além disso, a carragena possui a propriedade de interagir com as micelas de caseínas, formando um gel que auxilia no aumento da viscosidade.
Os sais estabilizantes, como o citrato de sódio e o fosfato dissódico, são importantes para a estabilidade do creme em relação ao tratamento térmico. O aquecimento do creme causa a precipitação do fosfato de cálcio e, de acordo com a equação 1, libera íons hidrogênio (H+), o que favorece a diminuição do pH. Isso é um problema pois desestabiliza as micelas de caseína, diminui a repulsão eletrostática e causa a coagulação das proteínas.
Esses sais sequestram o cálcio iônico presente no creme de leite e formam um complexo solúvel, evitando, assim, a precipitação das proteínas nos trocadores de calor, durante o tratamento térmico.
O creme de leite UHT é um alimento ultraprocessado?
Recentemente, com o maior acesso à internet, os consumidores têm sido bombardeados com uma série de informações acerca dos alimentos e de seus processamentos, surgindo o termo “alimentos ultraprocessados”, ou mesmo uma confusão em relação à alta durabilidade de alguns produtos e a presença de conservantes. O creme de leite é um bom exemplo de alimento que vem passando por esta “confusão de conceitos”.
Alimentos ultraprocessados são caracterizados por possuírem ingredientes como sal, açúcar, óleos e gorduras; substâncias alimentares como proteína hidrolisada, amidos modificados e óleos hidrogenados. Além de aditivos, tais como corantes, aromatizantes, adoçantes não açucarados, emulsificantes, umectantes, sequestrantes, espessantes, entre outros (GIBNEY, 2019).
É importante ressaltar que a legislação brasileira para creme de leite (Portaria 146/96) permite apenas a utilização de aditivos como estabilizantes e sais estabilizantes, exceto em creme pasteurizado, portanto nenhum creme de leite é adicionado de conservante.
As moléculas estabilizantes que podem estar presentes nos cremes de leite esterilizado e UHT atuam apenas no âmbito da viscosidade e na estabilidade térmica do produto (uma vez que os tratamentos de esterilização e UHT possuem o binômio tempo x temperatura superiores ao tratamento de pasteurização, podendo levar o produto à coagulação na embalagem ou no interior dos trocadores de calor).
A maior durabilidade destes produtos (esterilizado e UHT em relação ao pasteurizado) deve-se ao tratamento térmico destinado a eles, não tendo qualquer relação com a presença de conservantes, que não é permitida pela legislação. Veja a Tabela 1 e compare a lista de ingredientes de diferentes tipos de creme de leite. Em nenhum, é possível verificar a presença de conservantes.
Tabela 1. Exemplos de ingredientes presentes em diferentes tipos de creme de leite e funções dos aditivos utilizados.
Fonte: as autoras.
Então, como escolher o creme de leite a ser consumido?
A escolha do creme de leite está associada, principalmente, à viscosidade desejada para o produto final. Por exemplo, para conseguir bater chantilly, ou seja, formar uma rede gordurosa capaz de aprisionar ar, deve-se utilizar um creme com maior teor de gordura (> 30%), sendo que o creme pasteurizado seria o mais indicado.
Já os cremes de leite esterilizados proporcionam texturas adequadas para sobremesas do tipo mousses. Para o preparo de molhos mais fluidos, como molhos para saladas, o creme de leite UHT pode ser uma boa opção.
Além disso, o creme de leite é um ingrediente amplamente empregado nas indústrias alimentícias para a fabricação de diversos alimentos processados, como sorvetes, manteiga, biscoitos e bolos. Assim, o creme de leite é um produto muito valioso, tanto para as receitas caseiras, quanto para as formulações alimentícias de grandes indústrias.
Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você. Quer escrever para nós? Clique aqui e veja como!
Referências
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria nº 146, de 7 de março de 1996. Aprova os regulamentos técnicos de identidade e qualidade dos produtos lácteos. Diário Oficial da República do Brasil, Brasília, 11 mar. 1996. Seção 1, Página 3977.
GIBNEY, Michael J. Ultra-processed foods: definitions and policy issues. Current developments in nutrition, v. 3, n. 2, p. nzy077, 2019.
*Fonte da foto do artigo: Freepik