Caracterização do creme chantilly
Três principais aspectos são comumente usados para caracterizar o creme chantilly: overrun, a rigidez e o tempo de bateção (GRAF; MULLER, 1965).
Overrun
O overrun é uma medida da quantidade de ar incorporado ao chantilly e pode ser calculado a partir da densidade do creme antes e depois da bateção de acordo com a equação:
Na prática, os valores de densidade são normalmente substituídos pela massa de um volume de creme antes e depois do bateção.
Rigidez do chantilly
A rigidez do chantilly é uma medida do grau de desenvolvimento textural no produto e pode ser determinada por métodos comuns para análise de textura. Do ponto de vista do consumidor, geralmente é preferível textura de chantilly mais dura ou rígida (SMIDDY et al., 2009).
Tempo de bateção do creme
É definido como o tempo necessário para atingir um ponto de máximo de overrun e rigidez. Entretanto, esses não são equivalentes, a rigidez máxima ocorre depois que o aumento overrun máximo foi atingido e começou a diminuir (SMIDDY et al., 2009).
A obtenção do ponto final do bateção ou “ponto de chantilly” é caracterizado pela formação de picos de creme consistente e moldável após observadas as fases de formação do chantilly, sendo:
- Formação de bolhas de ar grandes;
- Redução do tamanho das bolhas de ar com aumento do volume da mistura;
- Aumento de consistência da mistura e afastamento das paredes da tigela em aproximação com a haste da batedeira, em movimento de fora para dentro.
Este movimento indica o auge da coalescência parcial desejada para o chantilly e além do qual poderá haver aglomeração excessiva dos glóbulos de gordura, em processo similar ao da formação da manteiga, com consequente liberação de leitelho (ANJOS, 2020).
A Figura 1 apresenta o chantilly em seu ponto ideal aderido na haste da batedeira.
O teor de gordura também tem uma forte influência nas propriedades do creme chantilly (Figura 2). O tempo de bateção e rigidez do chantilly progressivamente diminuem ou aumentam, respectivamente, com o aumento do teor de gordura no intervalo de 25% a 45% (m/m).
Tais tendências são prontamente explicáveis, considerando que a rigidez do chantilly é derivada principalmente da rede de glóbulos lipídicos parcialmente coalescidos, sendo que a maior concentração de glóbulos lipídicos facilita a sua formação mais rápida.
O overrun tem um pico em aproximadamente 30 g de gordura por 100 g de produto. A influência dos outros constituintes do creme, por exemplo, lactose ou sais, sobre as propriedades do creme chantilly é pouco descrito na literatura (SMIDDY et al., 2009).
Além da concentração de gordura no creme, o estado de cristalização dos lipídeos também tem grande importância na obtenção do creme chantilly. A presença de alguns cristais lipídicos dentro dos glóbulos (formados pelo resfriamento, creme chantilly é geralmente batido a 5°C) é necessária para induzir coalescência parcial e evitar a desestabilização da espuma por meio da propagação de quantidades excessivas de líquido lipídico sobre a interface.
Assim, as propriedades de bateção do creme chantilly podem ser influenciadas pela manipulação do tamanho dos cristais lipídicos. O aquecimento do creme de leite a 25 °C e 30 °C provoca o derretimento de alguns, mas não todos, lipídeos cristalinos do creme.
Subsequentemente, o resfriamento do creme a aproximadamente 5 °C provoca um rápido crescimento dos cristais existentes. Essa manipulação melhora as propriedades do creme chantilly, que pode ser armazenado por várias semanas sem qualquer mudança estrutural (DRELON et al., 2006).
Influência de estabilizantes e emulsificantes nas características do creme Chantilly
Para melhorar as propriedades de bateção do creme, estabilizantes e emulsificantes podem ser adicionados, caso a legislação permita tais aditivos. Emulsificantes são principalmente adicionados para melhorar a desestabilização e coalescência parcial dos glóbulos lipídicos e são de particular relevância para redução do tempo de bateção de produtos homogeneizados. Emulsificantes comumente usados para esta finalidade são mono e diacilgliceróis (ANDERSON; BROOKER, 1988).
O principal objetivo da adição de estabilizantes ao creme de leite é reduzir a separação dos glóbulos lipídicos da fase contínua do creme durante o armazenamento e melhorar a rigidez e estabilidade do creme chantilly.
Como tal, os estabilizantes são aditivos particularmente úteis para produtos com um prazo de validade longo, ou seja, creme UHT para bater chantilly. Os estabilizantes mais utilizados são polissacarídeos, por exemplo, carragenas, alginatos ou amidos (DE MOOR; RAPAILLE,1982).
Estabilizantes exercem seu efeito positivo sobre a estabilidade de armazenamento e a rigidez do creme chantilly. Semelhante ao aumento do teor de soroproteínas, a adição de estabilizadores ao creme de leite também tem os efeitos menos desejáveis, como o aumento do tempo de bateção e a diminuição do overrun (CAMACHO et al., 1998). Tais efeitos podem ser superados pela inclusão combinada de estabilizantes e emulsificantes em creme de leite fresco, conforme previsto pela legislação.
Características e as diferenças de amostras de cremes para bater Chantilly
Diferentes composições de cremes para bater chantilly estão disponíveis no mercado, apresentadas nas tabelas 1 e 2.
O procedimento utilizado para o preparo do chantilly é ilustrado a seguir (Figura 3).
Desempenhos de chantilly ao se utilizar cremes de origens animal e vegetal, puros e em misturas
Para se conhecer o comportamento dos chantillys produzidos pode-se empregar formulações que contenham cremes puros (origens animal e vegetal como descritos acima) e suas misturas, em proporções previamente definidas.
Diferenças de composição de cremes de origens animal e vegetal são nítidas, pois mesmo dentro da classe dos primeiros, existem diferenças, pelo fato do tipo de tratamento térmico empregado. Creme de origem animal pasteurizado apresenta 37% ± 0,5%, em média, de teor de gordura, enquanto na versão esterilizada (UAT), este teor é ligeiramente mais baixo, com 35% ± 0,5%.
Já o creme de origem vegetal esterilizado (UAT) apresenta-se bem inferior em gordura, ou seja, com 26% ± 0,5%. Pequenas diferenças em outros aspectos da composição físico-química entre estes tipos de cremes também são verificadas, mas o teor de carboidratos é o mais nítido, pois se nas versões de cremes de origem animal, independente do tratamento térmico, esse teor varia entre 2,6% a 2,7%, no de origem vegetal este teor chega a 9,6% e isso implica em diversos aspectos dos chantillys produzidos, sejam eles obtidos dos cremes puros ou em mistura entre os mesmos.
Um dos aspectos importantes do chantilly e que apresenta diferença é a viscosidade (Figura 4) dos cremes antes da bateção, sendo extremamente baixa no produto obtido com creme de origem animal pasteurizado (A100P). A medida que se adicionam proporções de creme de origem vegetal esterilizado (20%, 50% e até 80%) – (A80UHT/V20; A50UHT/V50; e A20UHT/V80, respectivamente), a viscosidade tende a aumentar.
Baixa viscosidade implica em maior fluidez, uma característica importante para facilitar o processamento de envase nas indústrias, e ainda, menor tempo de bateção destes cremes no preparo do chantilly.
Quando comparados quanto à origem da matéria-prima para o preparo do chantilly, o produto obtido de creme de origem animal esterilizado (UHT) apresenta viscosidade maior que os de mesma origem, porém pasteurizados, ou até em misturas com cremes de origem vegetal e esterilizados.
Se ao creme de origem animal esterilizado for requerida maior viscosidade, basta misturar 20% de creme de origem vegetal esterilizado – A80UHT/V20. Dosagem maior na mistura de cremes de origem animal com vegetal, ambos esterilizados, como 50% / 50%, já diminui a viscosidade. Caso essa proporção for de 20% de creme de origem animal / 80% creme de origem vegetal, ou mesmo 100% vegetal esterilizado, encontramos viscosidades muito próximas àquela do creme de origem animal esterilizado 100%.
Como já fora mencionado, a viscosidade dos cremes influencia no tempo de bateção para o preparo do chantilly. Soma-se a isso também a homogeneização do creme, pois o creme de origem animal pasteurizado puro, por não ser homogeneizado e ter menor viscosidade, apresenta menor tempo de bateção (em torno de dois minutos) quando comparado à versão esterilizada puro (em torno de três minutos e meio).
No creme de origem vegetal esterilizado, mesmo com viscosidade antes da bateção semelhante ao creme de origem animal esterilizado, e maior que a de mesma origem pasteurizado, a homogeneização aliada à composição refletem em menor tempo de bateção (um minuto e meio) quando comparado aos de origem animal puros, uma vez que o vegetal possui emulsificantes e agentes de incorporação de ar em suas fórmulas.
Misturar proporções de 50% de creme de origem animal pasteurizado e 50% de origem vegetal esterilizado permite diminuir o tempo de bateção para preparar chantilly, em 15 segundos. Se esta proporção chegar a 20% creme de origem animal e 80% creme de origem vegetal, pode haver diminuição de dois minutos para um minuto e meio aproximadamente.
O mesmo raciocínio de redução de tempo de bateção vale para quando se misturam creme de origem animal esterilizado com creme de origem vegetal, nas proporções de 20%:80%, 50%;50% e 80%;20%, com 15 segundos, 1 minuto e meio, e até 2 minutos de redução no tempo de bateção de chantilly, respectivamente.
No creme de origem animal, a homogeneização impacta negativamente nas etapas de coalescência parcial dos glóbulos de gordura, uma vez que estes estão parcialmente estabilizados pelas proteínas originais do creme e aquelas adicionadas intencionalmente.
Somam-se a isso, a adição de espessantes como carragenas, goma alfarroba (ou outros hidrocolóides) e estabilizantes (como citrato de sódio), que atuam na estabilização das fases proteicas e hidrofílicas, com objetivo de impedir a desestabilização da emulsão antes da bateção, conservando e permitindo a manutenção do shelf-life do produto. Entretanto, podem dificultar a interação com os componentes lipídicos, aumentando o tempo necessário para a formação do chantilly (QUANYANG; ZHAO, 2020).
Considerações finais
Os cremes de leite de origens animal e vegetal possuem diferenças de processamento, de composição físico-química e de viscosidade, o que inspira atenção do ponto de vista regulatório para a aqui sugerida diferenciação em creme de leite para bater chantilly e creme para bater chantilly.
A evidente melhora no desempenho dos cremes de leite para bater chantilly quando adicionados de preparados UHT para o preparo de chantilly com gordura vegetal, estabilizantes/surfactantes e emulsificantes foram relacionados ao menor tempo de bateção, o que auxilia a indústria laticinista no cenário de produção de cremes para bater chantilly.
Isso pode ser alcançado seja pela minimização da lacuna de desempenho existente, o que eleva a competitividade, ou pela criação de um novo nicho de mercado, no qual a indústria de laticínios pode fornecer ingredientes fluidos ou desidratados para aquelas de produtos destinados a bater chantilly.
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Referências
ANDERSON, M; BROOKER, B. E. Dairy foams. In:Dickinson E. and G. Stainsby.Advances in Food Emulsions and Foams. London: Elsevier Applied Science, Chapter 7. p. 221-255, 1988.
ANJOS, J. P S. Estudo e caracterização de chantillys obtidos de cremes animal e vegetal e suas misturas. 2020. 89p. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados) – Universidade Federal de Juiz de Fora, 2020.
CAMACHO, M. M.; MARTÍNEZ-NAVARRETE, N.; CHIRAL, A. Infuence of locust bean gum/l-carrageenan mixtures on whipping and mechanical properties and stability of dairy creams. Food Research International, v. 31, n. 09, p. 653-658, 1998.
DE MOOR, H; RAPAILLE, A. Evaluation of starches and gums in pasteurized whipping cream.Progress in Food and Nutritional Sciences, v. 6, p. 199-207, 1982.
DRELON, N.; GRAVIER, E.; DAHERON, L.; BOISSERIE, L.; OMARI, A.; LEAL-CALDERON, F. Influence of tempering in the mechanical properties of whipped dairy creams. International Dairy Journal, v. 16, p. 1454-1463, 2006.
GRAF, E.; MULLERH. R.Fine structure and whippability of sterilized cream.Milchwissenschaftv, v. 20, p. 302–308, 1965.
QUANYANG, L.; ZHAO, Z. Interfacial characteristics, colloidal properties and storage stability of dairy protein-stabilized emulsion as a function of heating and homogenization.RSC Adv, v. 10, p. 11883–11891, 2020.
SMIDDY, M.; KELLY, A. L.; HUPPERTZ, T. Cream and related products. In:TAMIME, A.YDairy fats and related products, 2009 Cap. 4