ESQUECI MINHA SENHA CONTINUAR COM O FACEBOOK SOU UM NOVO USUÁRIO
FAÇA SEU LOGIN E ACESSE CONTEÚDOS EXCLUSIVOS

Acesso a matérias, novidades por newsletter, interação com as notícias e muito mais.

ENTRAR SOU UM NOVO USUÁRIO
Buscar

Aspectos bioquímicos da maturação de queijos

VÁRIOS AUTORES

ILCT/EPAMIG

EM 20/12/2021

10 MIN DE LEITURA

0
5

O queijo é um produto bioquimicamente dinâmico e passa por mudanças significativas durante a maturação. A maturação é a parte final da fabricação de queijos e sua duração pode variar de quatro semanas até dois anos ou mais, dependendo do queijo.

É nesta etapa que ocorrem transformações não só químicas e bioquímicas, mas também microbiológicas que resultam no desenvolvimento de sabor, aroma, aparência e textura, típicos de cada variedade de queijo (McSWEENEY; SOUSA, 2000).

As principais reações bioquímicas que ocorrem na maturação de queijos são: metabolismo residual da lactose e do citrato (também conhecidos como glicólise), liberação de ácidos graxos livres e glicerol (lipólise) e degradação da matriz de proteína em peptídeos e aminoácidos, fenômeno conhecido por proteólise (FOX et al., 2012).

 

Metabolismo da lactose e do citrato (glicólise)

Durante o processo de fabricação de queijos, a lactose é convertida em ácido lático pela ação das bactérias láticas. Já o ácido lático pode ser metabolizado e dar origem a outros compostos, conforme ilustrado na Figura 1. Com a produção de ácido, ocorre redução do pH da massa que pode alcançar valores que variam de 4,5 a 5,2, dependendo do tipo de queijo (FOX et al., 2012).

 

Figura 1. Fermentação da lactose em queijos.

 

A fermentação da lactose em ácido lático promove mudanças no pH da massa de queijo ainda no tanque e nas primeiras 48 horas de maturação. A velocidade da fermentação depende da concentração de sal, da temperatura do processo e do número de bactérias lácticas ativas presentes (FOX et al., 2012).

Esta produção de ácido pode afetar algumas características do queijo de forma direta ou indireta, por meio da influência na: sinérese do grão (e também teor de umidade do queijo); retenção de cálcio/desmineralização (que pode afetar a textura do queijo e possibilitar alguns defeitos como o aparecimento de trincas, se não controlado); retenção de coalho/coagulante na massa e mudança da sua atividade (que pode influenciar na proteólise do queijo) e, por fim, influência na multiplicação de bactérias contaminantes (a acidez do queijo pode inibir alguns tipos de bactérias não desejáveis durante a maturação) (FOX et al., 1990).

A maior parte da lactose (98%) é perdida no soro durante a fabricação do queijo. A lactose residual da massa é metabolizada em lactato nos primeiros estágios da maturação, em circunstâncias normais. O completo e rápido metabolismo dos resíduos de lactose na massa é essencial para a produção de um queijo de boa qualidade (FOX et al., 2012).

Em alguns tipos de queijo, o lactato pode ser substrato de outros microrganismos, como é o caso dos queijos com olhaduras propiônicas (ou queijos tipo Suíços, por exemplo, queijo Emmental). Nesses queijos, o lactato é convertido em propionato, acetato e CO2 pelas bactérias propiônicas —Propionibacterium freudenreichii subsp. freudenreichii e Propionibacterium freudenreichii subsp. shermanii. Estes compostos são responsáveis pelo gosto adocicado dos queijos tipos suíços e também pela formação das olhaduras (FOX et al., 1990).

A produção de lactato também é fundamental para produção de queijos maturados por fungos filamentosos (popularmente conhecidos como queijos mofados), como os queijos tipo Brie e Camembert (com mofos brancos) e Roquefort e Gorgonzola (mofos azuis). Nestes queijos, o lactato é metabolizado pelos fungos a CO2 e H2O, contribuindo para o desenvolvimento dos fungos e também para um aumento no pH do queijo, o que possibilita mudanças na sua textura (FOX et al., 1990).

Por fim, alguns queijos apresentam, além do metabolismo da lactose e do lactato, a degradação do citrato, e, apesar do baixo teor deste componente na massa de queijo, o citrato é de grande importância no metabolismo realizado pelos cultivos mesofílicos aromatizantes.

O citrato pode ser consumido pelas bactérias Lactococcus lactis subsp lactis biovar diacetylactis e Leuconostoc spp. (conhecidas também como fermento tipo LD), produzindo diacetil e gás, que possibilita pequenas olhaduras e sabor característico destas variedades de queijo (FOX et al., 2012).

 

 

A lipólise na fabricação de queijos

 A reação de lipólise é a degradação da gordura do leite ou do queijo por meio de uma enzima, denominada lipase e pode gerar sabores desejáveis (picante) ou causar defeitos, como sabores indesejáveis (sabor de ranço) nos queijos (COLLINS et al., 2003).

Por serem enzimas, as lipases possuem condições de temperatura e pH ideais de atividade. Geralmente apresentam atividade ótima a 37 °C, em pH entre 7 e 8,5 (concentração de NaCl de 2%) (FOX et al., 2012).

Em alguns tipos de queijos, como os maturados por fungos azuis e também nos queijos duros italianos como o queijo parmesão, a lipólise é desejada e pode alcançar altos níveis de atividade, influenciando positivamente e proporcionando o sabor e aroma típicos destas variedades de queijo (COLLINS et al., 2003).

Os mofos dos queijos azuis como o Penicillium roqueforti produzem grandes quantidades de lipases exocelulares, já as bactérias láticas dos fermentos também produzem lipases, todavia em pequenas quantidades, tendo caráter pouco lipolítico (FOX et al., 2012).

Na reação de lipólise, a gordura presente na massa do queijo, também chamada de triacilglicerol, é degradada em ácidos graxos livres, por meio da ação das lipases (Figura 2). Os ácidos graxos livres (AGL) e de cadeia curta liberados, como os ácidos butírico, caproico, caprílico, cáprico, são aromáticos e contribuem para o sabor.

Os AGL podem ser convertidos em outros compostos aromáticos, como lactonas e metil cetonas. O limite de concentração e percepção dos AGL podem contribuir positivamente ou negativamente para o aroma dos queijos (SOBRAL et al., 2017).

Figura 2. Lipólise em queijos.

 

Os tipos de lipases que podem estar presentes na fabricação de queijos são: lipases naturais do leite cru (inativadas pela pasteurização); lipases pré-gástricas de alguns tipos de coalhos (principalmente coalhos italianos em pasta); lipases de cabrito e ovelha comerciais adicionadas ao leite para fabricação de queijos e lipases de microrganismos (Lactococcus, Lactobacillus, Lb. casei subsp. pseudoplantarum, microrganismos psicrotróficos e fungos) (FOX et al., 2012).

Quando a lipólise em queijos não é desejada, recomenda-se trabalhar com leite de boa qualidade microbiológica, obtido por uma higiene adequada durante a ordenha. Também não é recomendado o excesso de bombeamento ou turbulência do leite.

Com a turbulência do leite, seja por intensa mexedura, queda por gravidade de grandes alturas ou por meio de bombeamento, pode ocorrer rompimento do glóbulo de gordura. O glóbulo de gordura rompido fica mais suscetível ao ataque das lipases e, assim, aumenta as chances de ocorrer o sabor de ranço no queijo, por isso deve ser evitado.

Outro fator importante é que os queijos de leite cru são mais propensos para o aparecimento do sabor de ranço, devido à ação das lipases naturais do leite, inativadas nos queijos de leite pasteurizado (SOBRAL et al., 2017).

 

 

A proteólise na fabricação de queijos

A proteólise é o evento bioquímico mais complexo e importante na maturação de queijos. Ocorre por meio da degradação das proteínas pela ação de enzimas denominadas proteases, resultando na produção de fragmentos menores de proteína, denominados peptídeos que podem ser de alto, médio e baixo massa molecular, bem como na produção de aminoácidos, aminas e amônias (SOUZA et al., 2001). As proteinases envolvidas na maturação de queijos podem ter origem no coalho/coagulantes residuais, em enzimas endógenas do leite e enzimas de microrganismos (FOX et al., 2012).

Na proteólise, as mudanças no sabor dos queijos podem ocorrer de forma direta, pela formação de aminoácidos e peptídeos (alguns deles amargos) e indireta, pelo catabolismo de aminoácidos em aminas, ácidos, tióis, tioésteres etc, devido a mudanças secundárias como transaminação, desaminação e descarboxilação (SOUZA et al., 2001; FOX et al., 2012).

Já as mudanças de textura devido à proteólise ocorrem pelo rompimento da rede proteica, diminuição da atividade de água (por meio da ligação da água livre com grupos carboxílicos e aminoácidos) e aumento do pH (Figura 3) (SOUZA et al., 2001).

 

Figura 3. Proteólise em queijos.


Fonte: Souza et al., 2001.

 

A proteólise durante a maturação se divide em duas fases: a proteólise primária e a proteólise secundária. Na proteólise primária, a quimosina residual do coalho ou coagulante, que permanece na massa durante a fabricação, hidrolisa a as1-caseína nas ligações Phe23-Phe24.

Esta hidrólise é responsável pela alteração da textura do queijo, deixando-o mais macio, à medida que as cadeias de proteínas são segmentadas em frações menores. A velocidade de proteólise dos queijos é diretamente afetada por fatores como temperatura de maturação, atividade de água e conteúdo de sal dos queijos (ANDREWS; VARLEY, 1994).

Já nos queijos que são cozidos a altas temperaturas (como exemplo, cozimento de aproximadamente 55 °C no queijo Suíço) este fenômeno não acontece da mesma forma, pois a quimosina perde a maior parte da sua atividade devido ao calor do cozimento.

Nesses queijos a b-caseína é hidrolisada mais rapidamente do que as1- caseína, com um aumento na g- caseína, indicando o papel da plasmina (uma enzima natural do leite) como o principal agente proteolítico.

Portanto, em queijos cuja massa é cozida em altas temperaturas, a plasmina é a principal enzima proteolítica, pois além de ocorrer ativação do plasminogênio em plasmina nestas temperaturas, ela resiste às altas temperaturas enquanto que a atividade da quimosina é perdida (McSWEENEY, 2004).

O peptídeo formado as1-caseína (f24-199) não deixa de ser produzido, no entanto é formado de lentamente nestes casos, sugerindo a sobrevivência de alguma atividade quimosina durante o cozimento ou talvez a atividade de catepsina D (outra proteinase do leite).

O mesmo mecanismo acontece em queijo muçarela, que passa por altas temperaturas no processo de filagem. No queijo muçarela, a as1-caseína é produzida vagarosamente e g- caseína é produzida mais rapidamente, como resultado da fraca atividade da quimosina e elevada atividade da plasmina (ANDREWS; VARLEY, 1994).

A proteólise primária é atribuída principalmente à ação do coagulante residual e as proteases naturais do leite, que degradam a proteína em peptídeos de alta massa molecular. Nos laboratórios de físico-química a proteólise primária é estimada por meio de um método analítico denominado extensão da proteólise, em que se determina a formação de compostos nitrogenados solúveis a pH 4,6, sendo feita sua relação com o nitrogênio total do queijo (Figura 4). Esta razão entre o nitrogênio solúvel em pH 4,6 e o nitrogênio total da amostra é denominado índice de extensão da maturação (WOLFSCHOON-POMBO; LIMA, 1989).

 

Figura 4. Índice de extensão da maturação de queijos.

Já a proteólise secundária é a degradação dos peptídeos de alto peso molecular em peptídeos menores, de baixa massa molecular, devido à ação das enzimas produzidas principalmente por microrganismos, sejam eles bactérias láticas do fermento, do leite cru, do pingo, do soro fermento ou das NSLAB (do inglês non starter latic adid bacteria), ou seja, bactérias não oriundas do fermento lático (ANDREWS; VARLEY, 1994).

Para se medir ou monitorar a proteólise secundária, ou seja, verificar a atuação das bactérias láticas do fermento ou de fontes de contaminação, existe o índice da profundidade da proteólise. É um método analítico em que se mede o teor de nitrogênio solúvel em ácido tricloroacético (TCA) 12%, e este teor é comparado ao nitrogênio total da amostra (WOLFSCHOON-POMBO; LIMA, 1989) (Figura 5).

 

Figura 5. Índice de profundidade da maturação de queijos.

 

Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você. Quer escrever para nós? Clique aqui e veja como!

 

Leia também:

 

Referências

ANDREWS, A. T.; VARLEY, J. Biochemistry of milk products. 1st ed.: Royal Society of Chemistry,1994. 181 p.

COLLINS, Y. F. et al. Lipolysis and free fatty acid catabolism in cheese: a review of current knowledge. International Dairy Journal, v. 13, p. 841–866, 2003.

FOX, P. F. et al. Glycolysis and related reactions during cheese manufacture and ripening. Food Science and Nutrition, v. 29, n. 4, p.237-253, 1990.

FOX, P. F. et al. Chemistry, Physics and Microbiology. 3. ed. [s.l.]: Elsevier, 2012.

McSWEENEY, P. L. H.; SOUSA, M. J. Biochemical pathways for the production of flavor compounds in cheese ripening: a review. Lait, n.80, p.293-324, 2000.

McSWEENEY, P. L. H. Biochemistry of cheese ripening. International Journal of Dairy Technology, Huntingdon, v.57, n.2/3, p. 127-144, 2004.

SOBRAL et al. Principais defeitos em queijo Minas artesanal: uma revisão. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, p. 108-120, 2017.

SOUZA, M. J.; ARDÖ, Y.; McSWEENEY, P. L. H. Advances in the study of proteolysis during cheese ripening. International Dairy Journal, n.11, p. 327-345, 2001.

WOLFSCHOON-POMBO, A. L.; LIMA, A. Extensão e profundidade da proteólise em queijo Minas Frescal. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, v. 44, n. 261-266, p. 50-52, 1989.

DENISE SOBRAL

Engenheira de Alimentos, DSc. Professora e Pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) - Instituto de Laticínios Cândido Tostes (ILCT).

GISELA DE MAGALHÃES MACHADO MOREIRA

Engenheira de Alimentos, DSc. Professora e pesquisadora na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) - Instituto de Laticínios Cândido Tostes (ILCT).

JUNIO CESAR J. DE PAULA

Professor e Pesquisador da Epamig Instituto de Laticínios Cândido Tostes

RENATA GOLIN BUENO COSTA

Engenheira de Alimentos, DSc. Professora e pesquisadora na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) - Instituto de Laticínios Cândido Tostes (ILCT).

0

DEIXE SUA OPINIÃO SOBRE ESSE ARTIGO! SEGUIR COMENTÁRIOS

5000 caracteres restantes
ANEXAR IMAGEM
ANEXAR IMAGEM

Selecione a imagem

INSERIR VÍDEO
INSERIR VÍDEO

Copie o endereço (URL) do vídeo, direto da barra de endereços de seu navegador, e cole-a abaixo:

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração. Obrigado.

SEU COMENTÁRIO FOI ENVIADO COM SUCESSO!

Você pode fazer mais comentários se desejar. Eles serão publicados após a analise da nossa equipe.

Assine nossa newsletter

E fique por dentro de todas as novidades do MilkPoint diretamente no seu e-mail

Obrigado! agora só falta confirmar seu e-mail.
Você receberá uma mensagem no e-mail indicado, com as instruções a serem seguidas.

Você já está logado com o e-mail informado.
Caso deseje alterar as opções de recebimento das newsletter, acesse o seu painel de controle.

MilkPoint Logo MilkPoint Ventures