Os alimentos podem ser deteriorados por transformações químicas, físicas ou microbiológicas. Bactérias e/ou fungos são os principais agentes causadores da deterioração microbiana (Brooks et al., 2012). Estima-se que 931 milhões de toneladas de produtos sejam perdidos a cada ano, representando 17% de todos os alimentos produzidos no mundo, representando uma preocupação global à saúde e segurança alimentar (ONU, 2021).
Por apresentar um ambiente favorável para o desenvolvimento de fungos filamentosos, o leite e derivados lácteos podem ser facilmente deteriorados em decorrência da contaminação por estes microrganismos. A deterioração por fungos filamentosos pode causar uma série de defeitos em produtos lácteos, que incluem o crescimento visível na superfície do produto, produção de pigmentos, sabores amargos e, em alguns casos, a produção de micotoxinas (Anelli et al., 2019; Pitt e Hocking, 2009).
Diversos fungos podem afetar a cadeia de laticínios em diferentes etapas, incluindo o período de ordenha, transporte, armazenamento da matéria-prima e processamento, etapas de envase, embalagem e armazenamento pré-venda (Anelli et al., 2019; Kure, Skaar e Brendehaug, 2004). Em um trabalho conduzido por Souza et al. (2022), mais de 10 gêneros diferentes foram isolados de produtos lácteos deteriorados e de ambientes de processamento de leite e derivados, tais como, Penicillium sp., Cladosporium sp., Nigrospora sp., Aspergillus sp., Riopa sp., Hipoxylon sp., Fusarium sp., Trichoderma sp., Clonostachys sp., Phaeosphaeria sp.
Além da identificação dos fungos, também foram avaliadas características de formato, cor e extensão do crescimento dos fungos em condições de cultivo laboratorial (Figura 1). Assim, como consequência de possível contaminação, tais características podem ser visualizadas nos próprios produtos lácteos deteriorados e até mesmo em ambientes da indústria, direcionando seu reconhecimento.
Figura 1. Características morfológicas de fungos isolados de queijos e ambientes de processamento de leite e derivados.
Fonte: Os autores.
A literatura demonstra que os produtos lácteos mais suscetíveis a deterioração fúngica incluem queijos, iogurte, manteiga e creme de leite (Anelli et al., 2019; Garnier et al., 2017; Pattono et al., 2013; Kure, Skaar e Brendehaug, 2004).
Souza et al. (2022), identificaram que os queijos muçarela, provolone, coalho, parmesão, montanhês apresentaram deterioração de origem fúngica. Paralelamente, certas espécies são consideradas versáteis, por sua capacidade de tolerar condições adversas, como baixas concentrações de oxigênio e água. Marin, Palmero & Jurado (2014) observaram que espécies de Aspergillus e Penicillium foram responsáveis pela contaminação de queijos embalados a vácuo, assim como a contaminação de queijos duros e semiduros, que apresentam baixo teor de umidade, já foi descrita em outros estudos (Pitt e Hocking, 2009).
A produção de micotoxinas por fungos em produtos lácteos também é relevante no contexto de inocuidade de alimentos e saúde pública (El-Tawab et al., 2020; Anelli et al., 2019; Pattono et al., 2013; Prandini et al., 2009). El-Tawab et al. (2020) encontraram resíduos de aflatoxina M1 (AFM1) em amostras de queijo, leite em pó, leite UHT, leite pasteurizado e leite cru.
A ocorrência de AFM1 em leite e produtos lacteos é oriunda de uma contaminação indireta (conforme já falamos na matéria: 'Aflatoxinas em leite e derivados: um risco à saúde?'). Os animais ao serem alimentados com rações contaminadas com aflatoxina B1 (AFB1), covertem AFB1 em AFM1, que é excretada pela urina, leite e produtos lácteos. Pattono et al. (2013) relataram ainda, a produção Patulina e Ocratoxina diretamente em queijos.
A deterioração de produtos lácteos por fungos é considerada um grande desafio na indústria. Práticas modernas e abordagens de prevenção e controle normalmente são usadas em combinação para reduzir a incidência destes contaminantes em ambientes industriais (Figura 2).
Figura 2. Métodos preventivos e de controle usados em ambientes de produção de alimentos para prevenir, inativar, retardar ou inibir o crescimento de fungos deterioradores.
Fonte: os autores.
Os métodos de prevenção podem ser definidos como métodos que evitam a contaminação ou recontaminação durante o processamento do produto, enquanto os métodos de controle retardam ou inibem o crescimento microbiano. No entanto, quando os métodos de controle e prevenção não são aplicados de forma eficaz, a disseminação dos fungos pode ocorrer, tanto na unidade de processamento, como no produto final, comprometendo sua qualidade e segurança dos mesmos (Rahman, 2007; Garnier, Valence e Mounier, 2017).
Na escolha dos métodos mais adequados, diversos fatores devem ser levados em consideração: características do produto que precisam ser mantidas (composição, atividade de água); preservação de microrganismos de interesse (bactérias láticas, por exemplo), e condições de fabricação, saneamento e armazenamento (Salas et al., 2017). Outro fator importante, é a percepção e aceitação dos métodos de preservação pelos consumidores, e seu impacto na higiene e segurança (Rahman, 2007; Garnier et al., 2017). Assim, entre os métodos emergentes utilizados para combater a deterioração de origem fúngica, os meios que possuem como base tecnológica a inovação, são vantajosos, uma vez que as indústrias pretendem diminuir a utilização de conservantes químicos, investindo ainda, na tendência clean label.
Nesse sentido, é evidente que o ponto chave para minimizar a contaminação e deterioração de produtos lácteos por fungos filamentosos está na adoção de estratégias preventivas e combinadas a métodos de controle inovadores, a fim de promover a aceitação do consumidor e garantir produtos de qualidade no mercado.
Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e ao Centro de Pesquisa em Alimentos (CPA) pelo apoio ao ensino, extensão, pesquisa e sua divulgação.
Autores
Dra. Luana Virgínia Souza - Professora substituta e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/CPA/EVZ/UFG
Prof. Dra. Cinzia Lucia Randazzo – Professora e Pesquisadora, Dipartimento di Agricoltura, Alimentazione e Ambiente da Università di Catania, Sicília, Itália
Prof. Dra. Cinzia Caggia – Professora e Pesquisadora da Università di Catania, Dipartimento di Agricoltura, Alimentazione e Ambiente da Università di Catania, Sicília, Itália
Prof. Dr. Antônio Fernandes de Carvalho - Professor da Universidade federal de Viçosa (UFV) e Pesquisador colaborador do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/CPA/EVZ/UFG
Prof. Dr. Luís Augusto Nero – Professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Pesquisador colaborador do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/CPA/EVZ/UFG
Profa. Dra. Cíntia Minafra – Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/CPA/EVZ/UFG
Prof. Dra. Valéria Quintana Cavicchioli - Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/CPA/EVZ/UFG
Referências
Anelli, P., Haidukowski, M., Epifani, F., Cimmarusti, M. T., Moretti, A., Logrieco, A., & Susca, A. (2019). Fungal mycobiota and mycotoxin risk for traditional artisan Italian cave cheese. Food microbiology, 78, 62-72. https://doi.org/10.1016/j.fm.2018.09.014
Brooks, J. C., Martinez, B., Stratton, J., Bianchini, A., Krokstrom, R., & Hutkins, R. (2012). Survey of raw milk cheeses for microbiological quality and prevalence of foodborne pathogens. Food Microbiology, 31, 154-158. https://doi.org/10.1016/j.fm.2012.03.013
El-Tawab, A. A. A., El-Hofy, F. I., EL-Diasty, E. M., Abo-Hamdah, E. A., & El-Hayat, M. (2020). Prevalence of aflatoxin m1 and molecular studies on some food born fungi isolated from milk and dairy products. Advances in Animal Veterinary Sciences, 8, 305-311. https://dx.doi.org/10.17582/journal.aavs/2020/8.3.305.311
ONU. (2021). Organização das nações unidas. Índice de desperdício alimentar. Relatório 2021. Acesso em 15/06/2022. Disponível em: https://www.unep.org/resources/report/unep-food-waste-index-report-2021
Garnier, L., Valence, F., Pawtowski, A., Auhustsinava-Galerne, L., Frotté, N., Baroncelli, R., Deniel, F., Coton, E., & Mounier, J. (2017). Diversity of spoilage fungi associated with various French dairy products. International journal of food microbiology, 241, 191-197. https://dx.doi.org/10.1016/j.ijfoodmicro.2016.10.026
Kure, C. F., Skaar, I., & Brendehaug, J. (2004). Mould contamination in production of semi-hard cheese. International Journal of Food Microbiology, 93, 41-49. https://doi:10.1016/j.ijfoodmicro.2003.10.005
Marin, P., Palmero, D., & Jurado, M. (2014). Effect of solute and matric potential on growth rate of fungal species isolated from cheese. International Dairy Journal, 36, 89-94. https://doi.org/10.1016/j.idairyj.2014.01.012
Pattono, D., Grosso, A., Stocco, P. P., Pazzi, M., & Zeppa, G. (2013). Survey of the presence of patulin and ochratoxin A in traditional semi-hard cheeses. Food control, 33, 54-57. https://doi.org/10.1016/j.foodcont.2013.02.019
Prandini, A., Tansini, G. I. N. O., Sigolo, S., Filippi, L. A. U. R. A., Laporta, M., & Piva, G. (2009). On the occurrence of aflatoxin M1 in milk and dairy products. Food and chemical toxicology, 47, 984-991. https://doi.org/10.1016/j.fct.2007.10.005
Pitt J.I., Hocking A.D. (2009) Methods for Isolation, Enumeration and Identification. In: Fungi and Food Spoilage. Springer, Boston, MA. https://doi.org/10.1007/978-0-387-92207-2_4
Rahman, M. S. (2007) (Ed.). Handbook of food preservation. CRC press.
Salas, M.L.; Mounier, J.; Valence, F.; Coton, M.; Thierry, A.; Coton, E. (2017) Antifungal microbial agents for food biopreservation—A review. Microorganisms, v. 5, n. 3, p. 37.
Souza, L. V., Rodrigues, R. D. S., Fusieger, A., da Silva, R. R., de Jesus Silva, S. R., Martins, E., Machado, S.G., Caggia, C., Randazzo, C.L., De Carvalho, A. F. (2022). Diversity of filamentous fungi associated with dairy processing environments and spoiled products in Brazil. Foods, 12(1), 153.