O leite de cabra vem conquistando consumidores por se tratar de alimento rico em vitaminas A, D e fósforo, maior quantidade de cálcio e menores valores de colesterol, além de apresentar glóbulos de gordura menores que o leite de vaca, propiciando melhor digestibilidade.
Outro fator importante é a indicação do consumo a pessoas alérgicas ao leite de vaca, por ter pequenas quantidades de caseína (CHAPAVAL, 2010). Vargas et al. (2008) ressaltaram que as principais diferenças entre o leite caprino e bovino estão relacionadas às variações na proporção das diferentes frações de caseína, na estrutura e tamanho dos glóbulos de gordura, além das micelas proteicas.
A boa digestibilidade e aceitabilidade do leite de cabra são importantes no momento de formular dietas para crianças e pessoas convalescentes. Em muitos casos, o leite de cabra pode, com êxito substituir, o leite de vaca na alimentação de indivíduos alérgicos ao leite bovino, sendo recomendada orientação médica neste sentido (RIBEIRO & RIBEIRO, 2001).
A caseína do leite de cabra tem maior quantidade de β-caseína, αs-2 caseína, apresentando quantidade inferior de αs-1 caseína. Tomotake et al. (2006) relataram 3,9% e 33,7% de αs1-caseína em leite caprino e em leite bovino, respectivamente.
As características do leite de cabra, tanto do ponto de vista nutricional quanto social, são importantes e motivam pesquisas para avaliação da produção e composição nutricional. No Brasil, as pesquisas ainda são insuficientes, principalmente envolvendo animais nativos, sendo necessário, portanto, o desenvolvimento de projetos que possibilitem elucidar a composição e a ação nutracêutica (QUEIROGA & COSTA, 2004).
Boa parte do leite caprino brasileiro é produzido em pequena escala, caracterizando-se por ser processado em condições artesanais na própria propriedade. Nessas condições, o leite geralmente é pasteurizado, podendo ser congelado em seguida com o intuito de facilitar a distribuição e armazenamento durante a entressafra (ANDRADE et al., 2008).
O consumo de leite de pequenos ruminantes no Brasil ainda é incipiente, devido especialmente a questões culturais, no entanto, Yu et al. (2021) afirmaram que o leite congelado pode ajudar os produtores a superar a sazonalidade da produção de leite de cabra, a baixa produção das cabras e os curtos períodos de lactação, além de evitar o descarte do leite. Proporcionando desta forma, a oferta do leite de cabra e derivados em períodos de entressafra.
Para Katili et al. (2006) o congelamento do leite durante a entressafra pode ser uma alternativa para produção de queijos. No entanto, a velocidade do congelamento pode afetar a qualidade do produto final, sendo que, no congelamento lento, ocorre degradação de proteínas, acarretando problemas na formação da coalhada (BERGER, 2001).
Outro fator importante é que o processo de congelamento apenas retarda a multiplicação de microrganismos (PORCIONATO et al., 2008), sendo de extrema importância a qualidade da matéria-prima para evitar defeitos nos queijos produzidos.
Segundo Gomes et al. (1997) o congelamento não altera as características microbiológicas do leite, e o produto, logo após o descongelamento, apresenta qualidade semelhante ao leite que o originou. Esse processamento também não provoca grandes modificações no sabor e odor do leite (BENEDET & CARVALHO, 1996), mas pode ocorrer floculação de proteínas, prejudicando a aparência do produto e sua aceitação.
Os microrganismos de maturação do queijo sofrem alterações pelo efeito dos tipos de congelamento. No processo, ocorre a formação de cristais de gelo dentro das células, sendo a destruição do tipo mecânica (destruição de organelas e membranas celulares).
O congelamento rápido pode ocasionar choque térmico, causando danos aos microrganismos, sendo mais influente para termófilos e mesófilos do que para psicrotróficos, gram-negativos do que gram-positivos e mais para lactobacilos do que para estreptococos (PELAEZ, 1983).
Pricop & Popa (2012) verificaram que as características físico-químicas do queijo de leite de cabra não foram fortemente influenciadas pelos processos de congelamento utilizados na pesquisa. Já Curi & Bonassi (2007) em avaliação de queijo análogo ao pecorino romano produzido com leite de cabra e coalhada congelados, verificaram que as médias mais altas nas análises sensoriais de aroma; sabor e escala hedônica foram obtidos nos tratamentos sem congelamento do leite e da coalhada.
Nos queijos processados após o congelamento rápido do leite, utilizando se nitrogênio líquido e queijos processados após o congelamento lento do leite. Os autores recomendaram o uso do leite de cabra in natura nas épocas de pico da produção e usar o congelamento lento do leite, que seria realizado na época de pico da produção, na entressafra.
Em relação a estocagem da matéria-prima, o congelamento do leite de cabra por até 30 dias não influencia nas características sensoriais e intenção de compra. Logo, é uma alternativa viável para a comercialização em diferentes épocas do ano (CRUZ et al., 2018).
O congelamento da matéria-prima por 60 dias não afetou a aceitabilidade na análise sensorial dos queijos tipo minas frescal. Para a intenção de compra, a opção provavelmente compraria para os dois queijos foi a mais escolhida, visto que hábito de consumo e o preço dos produtos caprinos ainda configuram obstáculos para difusão desse mercado.
Dessa forma, o congelamento de leite de cabra por até 60 dias é uma alternativa viável para a comercialização desse produto em diferentes períodos do ano, visto que uma das dificuldades da caprinocultura leiteira brasileira é a pequena produção por animal e a sazonalidade da produção (SOARES, 2014).
Gomes et al. (1997) mostraram resultados satisfatórios no congelamento do leite do ponto de vista químico e microbiológico, de forma que apenas a acidez apresentou decréscimo nas amostras de leite de cabra congeladas por até 90 dias.O congelamento do leite de cabra não influenciou a composição do extrato seco total, proteína e gordura no extrato seco do queijo coalho, porém, influenciou o teor de gordura do mesmo (CRUZ, 2019).
Quando avaliada a influência do leite de cabra congelado na qualidade do queijo Minas Frescal foi observado que o leite proveniente das diferentes fases de lactação estudadas mantidas até 120 dias de congelamento não comprometeu a qualidade do produto final e as propriedades físicas (pH, textura e cor) e de composição química (acidez, umidade, cinzas, gordura e proteína) dos queijos.
Entretanto, avaliando o rendimento industrial de produção do queijo Minas frescal os resultados revelaram que o processamento do queijo com leite congelado a partir de 40 dias provoca perda de rendimento que são relevantes para a indústria (PINTO JÚNIOR, 2012).
De maneira geral, é possível congelar o leite de cabra para processamento em períodos de baixa oferta da matéria-prima. Deve-se, portanto, se analisar a relação custo benefício, levando em consideração que são produtos altamente promissores e que permitem ao pequeno produtor a agregação de valor à produção.
Referências
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