Desde o início da movimentação no enfrentamento à pandemia da Covid-19 no Brasil, notadamente no final de fevereiro de 2020, as indústrias de laticínios buscam se adaptar à nova realidade, com grandes desafios em relação à disponibilidade de matérias-primas, impacto com mão de obra, dificuldade de fornecimento de itens essenciais, gestão à distância e, principalmente, cuidado com a saúde de seus colaboradores.
O ano de 2020 foi desafiador para o setor de lácteos e 2021 não está sendo diferente. Estamos enfrentando períodos atípicos, com preços de matérias-primas instáveis, sem previsibilidade, compressão de alguns mercados e o aumento da concorrência são algumas das dificuldades causadas pela crise da Covid-19 e seus danos econômicos.
Além disso, a pandemia mudou os hábitos dos consumidores e o perfil de consumo de produtos lácteos. Segundo um levantamento realizado pela consultoria Nielsen e um artigo publicado pela revista Exame, no primeiro semestre de 2020, o auxílio emergencial criado pelo governo federal para minimizar os impactos da pandemia favoreceu o consumo de leite e derivados pela população brasileira, sendo um fator importante para sustentar os preços mais altos pagos pelo litro no campo.
Essa mudança refletiu diretamente na cadeia de produção em relação à alta demanda de alguns produtos e retração de consumo de outros, alterando significativamente o sequenciamento de produção nas indústrias, que passaram a sofrer desabastecimento e/ou estoques altos de algumas categorias de produtos.
De acordo com uma pesquisa publicada na Revista Laticínios, os produtos fornecidos para rede de food service estacionaram a venda durante 2020 devido à redução no comércio relacionado a alimentação conjunta.
A pesquisa diária do Cepea, realizada com o apoio financeiro da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), registrou impactos diretos em redes atacadistas e varejistas com aumento de consumidores em busca de mantimentos para estocar em suas residências devido à recomendação de isolamento.
Planejamento e controle de produção vs. Covid-19: e agora?
O planejamento e controle de produção (PCP) que representa um setor chave para o enfrentamento aos desafios, precisou se reinventar. O plano de produção que antes seguia o mês corrente sem grandes alterações, passou a ser revisto regularmente, avaliando criticamente a demanda comercial e a disponibilidade de matérias-primas primárias e secundárias, como embalagens e insumos não lácteos — oriundos de fornecedores que também enfrentaram falta de matérias-primas no decorrer do ano de 2020 e seguem com desafios em 2021.
A proximidade entre as áreas comerciais, suprimentos e de planejamento e controle de produção tornou-se essencial. Quanto mais unificada e com sincronismo estas áreas conseguem trabalhar, mais assertiva será a estratégia da indústria no gerenciamento de cobertura de estoques e sequenciamento de produção.
Antecipar compras para períodos maiores, aumentar os estoques de insumos, trabalhar com fornecedores menores e regionais, estabelecer contratos de longo prazo foram algumas das alternativas que as indústrias precisaram aplicar buscando se resguardar de novas rupturas de abastecimento e aumentos de preços.
Qual é a importância da inovação em tempos de crise?
Pensando em sustentar as atividades industriais em níveis viáveis, considerando o custo de produção e buscando manter sua presença no mercado em meio a quarentena, as indústrias tiveram que investir mais tempo e dinheiro em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Alguns insumos e matérias-primas simplesmente sumiram do mercado ou dobraram seus custos, sendo a inovação e a criatividade uma oportunidade para garantir o atendimento de demandas com estratégias técnicas que possibilitem a manutenção do custo e do nível de qualidade. A área de inovação passou a ser protagonista, ganhando ainda mais destaque na cadeia de produção.
Tratando de inovação, não podemos deixar de mencionar o uso da tecnologia de informação. A rotina de trabalho na indústria de laticínios sofreu pouco impacto, poucos setores puderam migrar para o trabalho em home office, mas de forma geral, todos tivemos que aprender a nos comunicar e a fazer gestão de forma diferente do que a que estávamos acostumados.
Reuniões e treinamentos importantes com quadro de colaboradores precisaram ser adaptados por meio de lives e reuniões entre gestores mudaram para o formato de videoconferência. Uma menor presença da alta gestão na área industrial (chão de fábrica), pode gerar uma sensação de menor controle, e com isso, mudar a forma de pensar e planejar a estratégia do negócio.
Em um próximo artigo traremos uma discussão envolvendo a percepção do consumidor na substituição de gordura animal (creme de leite) por gordura vegetal (óleo de palma) em composto lácteo e uma análise de como essa mudança ou interação pode ser uma possível alternativa no mercado.
O fator humano na pandemia
A Covid-19 não é uma Doença Transmitida pelo Alimento (DTA). Sua transmissão acontece de maneira direta, de pessoa a pessoa ou por contato das mãos com superfícies contaminadas e posterior contato com as mucosas da boca, nariz ou olhos. Deste modo, o vírus não deve ser considerado um perigo para a segurança de um alimento.
O enfrentamentamento mundial que estamos vivendo reforça ainda mais a necessidade da produção de alimentos para que a população não fique desabastecida. O leite e seus derivados lácteos são fundamentais nesta lista devido ao alto valor nutritivo, e por estar no topo das proteínas mais consumidas no mundo.
Em virtude do cenário da pandemia, a indústria vem sofrendo impacto do aumento ascendente e contínuo do absenteísmo. A falta de colaboradores, principalmente em posições estratégicas (Operadores, Analistas, Gestores), impacta diretamente no processo de fabricação de produtos lácteos, pois esses colaboradores necessitam de tempo e treinamento para dominar sua tarefa, dificultando a operação em momentos que esses se ausentam.
Campanhas voltadas aos cuidados com os colaboradores dentro e fora da empresa, envolvendo suas famílias, também são contínuas e buscam minimizar a contaminação e disseminação do vírus.
Buscar conscientizar e mudar a rotina dos colaboradores, oferecendo condições para que eles se protejam através do uso de álcool gel e máscaras, prestar condição de distanciamento nos horários de refeição e de descanso, são medidas que estão sendo tomadas para proteger e incentivar o hábito de cuidados individuais e coletivos dentro e fora da área de trabalho.
Novamente, a indústria precisa se reinventar, mudar a forma de orientar, usar alternativas que consigam chegar até os familiares, considerando que muito dos casos de afastamento por Covid-19 estão relacionados a isolamento por familiar com suspeita ou contaminado.
Ir adiante: esse é o melhor caminho!
Frente a um cenário de incertezas, a indústria de laticínios precisa definir suas estratégias e prioridades, não sendo mais possível trabalhar somente com o plano A. É necessário acompanhar as tendências, ampliar a visão de mercado, fechar parcerias com fornecedores, desenvolver alternativas que possam lhe sustentar em ocasiões distintas, imaginando diferentes cenários e tentar se antecipar aos obstáculos que podem acompanhar as diferentes situações de crises.
O Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa), publicou em 30 de março de 2020 o ofício circular nº 28/2020/DIPOA/SDA/MAPA, buscando permitir as indústrias inspecionadas por órgão estadual e municipal, comercializar para indústrias de inspeção federal.
Esse ofício facilitou a comercialização e a busca por matérias-primas e auxiliou na flexibilização das regras voltadas ao atendimento da Instrução Normativa nº 76 e nº 77 e de uso de embalagens.
Ações como estas possibilitam uma alternativa para as indústrias e com certeza foram muito utilizadas em estratégias para não perder produção e continuar atendendo a demanda em meio à crise.
A maioria das indústrias com sistema de gestão implantado, aplicam em suas rotinas a matriz GUT, uma ferramenta de gestão interessante e que auxilia na priorização dos projetos e/ou ações a serem tomadas frente a algum desafio.
As principais lideranças avaliam as ameaças, oportunidades, forças e as fraquezas da empresa, com o objetivo de corrigir as deficiências que prejudicam a eficiência da unidade industrial.
Considerando que uma pandemia da dimensão do coronavírus dificilmente foi levantada em avaliações antes de 2019, ela mudou muitos planos previstos e obrigou as empresas a refazerem seus levantamentos a cada período. Mas, agora, com uma nova perspectiva e para um horizonte desconhecido que apresenta desafios, mas também que pode trazer grandes oportunidades.
Referências
Consumo de produtos lácteos, como o leite, cresce na pandemia. Revista Exame. Disponível em: https://exame.com/setores/consumo-de-produtos-lacteos-como-o-leite-cresce-na-pandemia/. Acesso em: 28. março de 2021.
Impactos da Covid-19 no setor lácteo. Revista Laticínios. Disponível em: https://fermentech.com.br/artigos-tecnicos/revista-industria-de-laticinios-n143/. Acesso em: 28. março de 2021.
Mercado lácteo: impactos do coronavírus no setor. Canal Agro, Estadão. Disponível em: https://summitagro.estadao.com.br/comercio-exterior/mercado-lacteo-impactos-coronavirus/. Acesso em: 28. março de 2021.
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