Esse assunto é antigo e tem impacto direto na saúde pública. As fraudes em leite são práticas históricas, acontecem desde a antiguidade e podem ocorrer até os dias de hoje. Já que algumas práticas vão ficando modernas, é um verdadeiro desafio monitorá-las e identificá-las. Saiba mais abaixo:
Outro fator que dificulta a detecção é que elas podem ocorrer em qualquer etapa da cadeia produtiva do leite. Observem:
As fraudes podem ser feitas pelos produtores de leite durante a etapa de produção. A principal característica é entregar menos leite para a indústria de laticínios e para o caminhoneiro.
Elas também podem acontecer durante o transporte do leite até o laticínio. Nesse caso, o problema fica por conta do caminhoneiro, que age sozinho ou a mando. Ainda, essa etapa pode ocorrer no momento da coleta das amostras que são enviadas para os laboratórios do controle de qualidade. Nesse caso há a coleta de várias amostras de apenas uma única fonte. É a famosa clonagem de amostras.
Quando chega ao laticínio, o leite ainda é susceptível a fraudes. A fraude acontece dentro da própria indústrias lácteas.
Finalmente, as fraudes também podem acontecer nos produtos já expostos ao consumidor. Nesse caso, a fraude mais comum é a alteração do prazo de validade.
Em cada uma dessas etapas, existem órgãos governamentais que são responsáveis pelo controle de qualidade do leite. Observe o esquema:
Atuando em toda a etapa de produção, desde a ordenha, passando pelo transporte, industrialização e até a expedição, o órgão responsável por fiscalizar a qualidade do leite é o Serviço de Inspeção, vinculado ao Ministério da Agricultura, o Mapa. Os serviços de inspeção podem ser federais, estaduais ou então municipais, dependendo da abrangência comercial do produto.
Atuando nos produtos expostos ao consumidor, ou seja, aqueles produtos que já estão sendo comercializados em gôndolas de supermercados, padarias ou mercearias, o órgão responsável por fiscalizar a qualidade do leite é a Agência nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vinculada ao Ministério da Saúde.
Mesmo com essa fiscalização, as fraudes ainda podem ocorrer. Imagine o que poderia acontecer se o leite não tivesse nenhum tipo de fiscalização? Estaríamos ainda mais susceptíveis as fraudes, não é mesmo? É isso o que acontece com a venda informal de leite. Esse tipo de comércio ainda está presente nos dias de hoje, não apenas com leite fluído, mas com todos os derivados, como queijos, coalhadas, doces de leite e vários outros.
O que é fraude no leite?
Fraude é qualquer prática que adicione ou subtraia substâncias ao leite.
Quais as principais fraudes no leite?
As principais fraudes no leite são:
- Adição de água
- Adição de reconstituintes
- Adição de conservantes
- Adição de neutralizantes
- Desnate
É possível adicionar água para aumentar o volume e diversas outras substâncias para mascarar a adição de água. Também é possível adicionar substâncias conservantes e que mascaram a acidez do leite, como veremos adiante. A única substância que é possível retirar do leite é a gordura. Portanto, o desnate na propriedade rural também é considerado fraude.
É importante salientar que a legislação permite que apenas as indústrias desnatem o leite, podendo então oferecer ao consumidor leites com diferentes porcentagens de gordura, como o integral, o semidesnatado e o desnatado.
Qualquer que seja o tipo de fraude, o objetivo é apenas um: aumentar o lucro. Os meios para alcançar esse objetivo podem ser: aumentar o volume, mascarar a acidez ou conservar o leite, ou, ainda, todas essas práticas ao mesmo tempo!
Didaticamente, podemos dividir as fraudes segundo os princípios químicos adicionados ao leite e suas finalidades. Observem o quadro:
Fraudes por adição de água no leite
Para aumentar o volume, a fraude mais frequente é a adição de água. Anormalidades ou incoerências entre o ponto de congelamento e a densidade do leite são indícios dessa modalidade.
Quando a aguagem é cometida pela indústria, a fraude é bem mais precisa e essas alterações dificilmente são detectadas. Nestes casos, provas que não são realizadas na rotina do laticínio podem identificar a fraude, como exemplo a pesquisa de sal ou de açúcar.
Profissionais de má fé conseguem aumentar o volume do leite em 10% de maneira imperceptível nas provas normais do controle de qualidade. Alguns produtores são mais ousados e chegam a adicionar até 50% de água no leite, mas quase sempre são identificados.
A fraude por adição de água também prejudica a qualidade microbiológica do leite, pois a maioria dos fraudadores adiciona água não tratada no leite.
Além da água, outros líquidos também são adicionados para aumentar o volume do leite, como por exemplo, soro de queijo e até urina. Esses líquidos possuem baixo ponto de congelamento, aumentando a dificuldade em detectá-los.
Felizmente a urina é menos densa quando comparada ao leite e, caso não haja correção da sua densidade, essa fraude será detectada pelos testes de rotina. Porém, o soro possui densidade semelhante à do leite, sendo um verdadeiro desafio detectá-lo.
Para a detecção de soro de leite, as provas são lentas e trabalhosas, além de estarem susceptíveis a resultados falsos positivos. Os principais fatores confundidores são: altas contagens de psicrotróficos, mastites e final de lactação.
As principais provas que podem detectar a adição de soro são: pesquisa de ácido siálico (por ataques ácidos e posterior espectrofotometria); eletroforese em gel; espectroscopia de absorção; e cromatografia líquida.
Adição de reconstituintes no leite
Como você viu anteriormente, a fraude por adição de água dificilmente acontece sozinha. Na maioria das vezes ela vem acompanhada pela adição de outras substâncias que tentam esconder a aguagem. Essas substâncias são chamadas de reconstituintes exatamente por reconstituírem a densidade ou a crioscopia do leite.
Atenção: o ponto de congelamento normal do leite varia de -0.530º H até -0.550º H. A adição de água aumenta o ponto de congelamento do leite na escala, fazendo-o ficar próximo de zero.
Substâncias químicas que quando dissolvidas ficam em solução perfeita, possuem efeito contrário, diminuindo o ponto de congelamento do leite. Dessa forma, substâncias como o sal, o açúcar, o álcool e o citrato podem compensar a adição fraudulenta de água.
Por sua vez, a densidade normal do leite varia de 1,028 a 1,034 g/cm3. A adição de água, cuja densidade é de 1,00 g/cm3, diminui a densidade do leite, aproximando-a de um. Substâncias químicas que quando dissolvidas ficam em suspensão, possuem efeito contrário na densidade, aumentando esse valor.
Dessa forma, substâncias que contém amido, como por exemplo a farinha, também podem compensar a adição fraudulenta de água, mas com efeitos apenas na densidade, e não na crioscopia.
Isso acontece, pois o crioscópio detecta apenas substâncias que estão em solução. Enquanto o estado de dispersão da farinha é caracterizado como suspensão. O resultado prático desse fato é que leites fraudados com água mais farinha, até podem apresentar densidade normal, mas a detecção da fraude provavelmente ocorrerá pelo crioscópio, que irá indicar água.
O leite azedo também possui baixo ponto crioscópico. Isso ocorre pois as moléculas de ácido lático também são lidas pelo aparelho, já que estão em solução. Para atrapalhar ainda mais, o pH da água tende a normalizar o pH ácido do leite. Dessa forma, a aguagem em leite ácido é uma fraude de difícil detecção se houver correção da densidade.
Algumas substâncias não possuem efeito direto na densidade ou crioscopia, mas servem para recompor a composição proteica do leite. A adição de água também dilui a concentração de proteínas. Assim, para mascarar esse efeito diluidor, substâncias como a ureia e a melamina podem ser adicionas de maneira fraudulenta.
Esses reconstituintes possuem nitrogênio em sua composição. Como as análises de rotina não diferenciam o nitrogênio proteico do nitrogênio não proteico, a ureia e a melamina são mensurados como proteína total.
A ureia é um componente natural do leite, dificultando a detecção dessa fraude. Valores acima de 40 mg/dl podem indicar fraude ou desequilíbrio nutricional dos animais. O principal problema é que a ureia utilizada para esse fim é de origem agrícola, a mesma utilizada como fertilizante. Essa ureia usa formol como conservante, composto extremamente tóxico e cancerígeno.
A melamina também é um composto nitrogenado utilizado na fabricação de plástico e utensílios de cozinha. É extremamente nocivo à saúde e em 2008, tivemos um escândalo na China envolvendo a morte de dezenas e a hospitalização de 7000 pessoas intoxicadas com fórmulas infantis e leite UHT fraudados com melamina.
Adição de conservantes no leite
Devido ao seu metabolismo, os microrganismos podem facilmente deteriorar o leite. Para impedir que isso aconteça, substâncias conservantes são fraudulentamente adicionadas, possuindo a capacidade de destruir os microrganismos e/ou impedir a sua multiplicação.
Os conservantes mais utilizados nas fraudes são também aqueles mais baratos e de fácil aquisição, como água oxigenada, hipoclorito de sódio, popularmente chamado de água sanitária, e também o formol.
Qualquer uma dessas substâncias prejudica diretamente a nossa saúde. São compostos tóxicos que quando ingeridos podem provocar intoxicação aguda, irritações e queimaduras do trato gastrointestinal. Ou ainda, quando ingeridos em pequenas e frequentes doses podem ter efeitos carcinogênicos.
A detecção de conservantes acontece por provas específicas. Portanto, temos uma prova para a detecção de cada substância, o que dificulta a sua realização nas análises laboratoriais de rotina e de forma sistemática.
Adição de neutralizantes no leite
Durante o processo de deterioração, os microrganismos produzem diversos metabólitos que alteram a composição natural do leite. Podemos citar a deterioração provocada por aeróbios mesófilos, microrganismos que degradam a lactose e produzem ácido lático.
O ácido lático diminui o pH do leite. É o que popularmente chamamos de leite azedo. Para encobrir esse processo, substâncias básicas são adicionadas para recompor o pH natural do leite, que varia de 6,4 a 6,8. Essas substâncias são chamadas de neutralizantes, e podemos citar o bicarbonato de sódio, a cal e o hidróxido de sódio, também chamado de soda cáustica.
Os neutralizantes possuem efeito apenas no pH, não possuindo efeito bactericida nem bacteriostático. Muito pelo contrário, ao neutralizarmos o pH ácido do leite, devolvemos um ambiente favorável a multiplicação microbiológica.
Dessa forma, é fundamental um rigoroso controle de qualidade em toda a cadeia produtiva do leite. Para saber mais, entrem em contato. Também convido a todos a curtirem a fan page do Mestrado em Ciência e Tecnologia de Leite da UNOPAR.
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