Nos últimos anos, os avanços tecnológicos têm transformado nossa maneira de interagir com o mundo ao nosso redor, e o setor leiteiro, é claro, não ficaria de fora! Hoje vamos conhecer mais sobre a ordenha robotizada, também conhecida como “ordenha voluntária”, seus benefícios e o que podemos esperar do futuro.
A ordenha robótica é um método que utiliza um sistema mecânico eletrônico automático para ordenhar o leite de vacas, ovelhas ou cabras. O equipamento é programado para identificar a presença do animal; realizar procedimentos de higienização; retirar o leite com segurança; além de contabilizar o nível de leite em cada glândula mamária. Além disso, é possível monitorar a saúde e a dieta e identificar sinais de doença e desconforto do animal.
Evolução dos métodos de ordenha
Apesar da estranheza da existência desse método de ordenha ou até mesmo pelas terminologias utilizadas para esse processo, a busca pela modernização nos métodos de ordenha sempre contribuiu para esse caminho.
Se olharmos pela ótica da história, observamos que o consumo de leite por humanos é datado de 3 mil anos atrás, tempo no qual o homem pré-histórico abandonava a vida nômade, para ingressar na vida sedentária cultivando sua própria comida e domesticando animais, como vacas e ovelhas (VILELA, 2017). Deste período em diante, tínhamos como principal método a ordenha manual. Nesse processo, o produtor utiliza as mãos para simular a sucção do bezerro para obtenção do leite.
Com o desenvolvimento tecnológico, em 1870 começaram a surgir os primeiros sistemas de Ordenha Mecânica, que tinham como princípio a inserção de tubos metálicos no teto do animal, que embora promovessem a abertura do esfíncter, também promoviam lesões na pele do animal (Figura 1) (VAN VLECK, 1996).
Figura 1. Primeiros equipamentos desenvolvidos para ordenha mecânica.
Fonte: Silvi (2018).
No ano de 1890, foram desenvolvidos sistemas mecânicos que promoviam a massagem no teto e utilizava diferentes níveis de sucção, que mantinham o fluxo de leite sem a criação de edemas no teto dos animais (LOPES, 2015).
Assim, tais equipamentos foram evoluindo, até que em 1980, já estavam disponíveis, comercialmente, sistemas capazes de detectar o início e fim do processo de ordenha, e regular a pressão dos insufladores, de forma automática, além de coletar amostras para análise de qualidade (SILVA et al., 2007). Tais sistemas reduziram a carga de trabalho dos operadores e aumentaram a eficiência do processo. Atualmente, a ordenha mecânica é o sistema mais utilizado nas propriedades rurais.
E a ordenha robótica, quando surgiu?
Com a busca pela automatização, a modernização vem ocorrendo de forma significativa em diversas áreas ao longo das últimas décadas. A ordenha robótica foi desenvolvida e introduzida comercialmente no final dos anos 90 e os primeiros sistemas de ordenha robótica começaram a ser implantados em fazendas leiteiras por volta do ano 2000. Desde então, essa tecnologia tem evoluído e se tornado cada vez mais comum na indústria leiteira em todo o mundo.
No Brasil, ao longo dos últimos 20 anos, os regulamentos técnicos de identidade e qualidade do leite cru vem sofrendo atualizações em relação aos seus padrões sanitários de qualidade visando a obtenção de uma matéria-prima de excelente qualidade para propiciar a produção de derivados lácteos de altíssimo nível.
Neste sentido, a utilização de equipamentos robotizados pode contribuir significativamente para essa melhoria. Atualmente, tem-se discutido a viabilidade do Sistema de Ordenha Robotizada (SOR, ou VMS, do inglês, Voluntary Milking Sistem).
Procedimento durante a ordenha robótica
O Sistema de Ordenha Robotizada (ou Sistema de Ordenha Voluntária) possui esse nome, pois as vacas se tornam protagonistas desse método, escolhendo a frequência e o melhor horário para a ordenha, isto é, realizam a ordenha de forma voluntária sem a intervenção humana utilizando um sistema robótico para inserção e remoção das teteiras. Além disso, as ações ao entorno são controladas por um sistema robotizado (portões, luzes, limpeza etc.).
Detalhadamente, nesse método, cada animal é identificado ao chegar no local de ordenha por meio de um dispositivo e seu acesso é liberado pelo sistema até a área de ordenha. Neste local, o braço robótico identifica o úbere e os tetos do animal. Após a identificação, realiza a limpeza dos tetos, conecta as teteiras e aplica um spray com sanitizante após a ordenha (MACULAN, 2016). Na Figura 2 podemos ver o braço robótico e o local onde ocorre a ordenha.
Figura 2. Braço robótico utilizado para a ordenha robotizada.
Fonte: Verdugo (2020).
A ordenha robótica pode ser diferenciada em relação ao tráfego das vacas até o equipamento de ordenha. No sistema de tráfego livre, os animais escolhem se querem ir para área ordenha ou para área de alimentação. Já no tráfego dirigido ou guiado, os animais se dirigem em um único sentido, controlados automaticamente, sendo direcionados para área de ordenha e, posteriormente, para a área de alimentação.
Existe um terceiro sistema, na qual, há uma separação das vacas de acordo com uma pré-seleção. Nessa seleção é verificado se os animais estão aptos para a ordenha (Sistema milk first, ou Sistema leite primeiro, em português) ou para a alimentação (Sistema feed first, ou alimentação primeiro, em português) (SILVI, et al., 2018).
Benefícios e desafios da ordenha robótica
A ordenha robótica pode otimizar o processo de ordenha e proporcionar uma maior frequência de ordenha por animal. Como consequência, esse sistema pode contribuir para um aumento no volume de leite por animal e no número de animais ordenhados/dia.
Em estudo realizado por Vijayakumar et al. (2017), observou-se um aumento na produção de leite quando os animais eram ordenhados 4 vezes ao dia, e tal prática seria possível com a utilização do sistema robótico. Entretanto, deve-se atentar a taxa de lotação por equipamento. Deming et al. (2013), após estudo, sugeriram que cada unidade em sistema de tráfego livre pode atender até 60 animais por dia, de forma a não comprometer a produtividade e o intervalo entre as ordenhas.
Para maior produtividade, além da frequência no número de ordenhas, também deve-se atentar ao bem-estar e a sanidade dos animais. Neste ponto, o Sistema de Ordenha Robotizada apresenta benefícios, uma vez que a tecnologia auxilia no controle mais preciso de mastite. Porém é importante ressaltar que a atenção do produtor deve ser constante, pois o sistema apenas oferece os dados, sendo necessário profissionais qualificados para o correto manejo e tratamento do rebanho.
Atualmente, Canadá e outros países europeus já utilizam o SOR, somando 40 mil máquinas em operação. Os principais motivos que aumentam a adesão dos produtores ao sistema estão ligados ao caráter social e econômico. Drach et al. (2017) avaliaram fazendas que utilizam esse sistema e registraram aumento de 15,7% na produção de leite.
Em comparação a outros métodos, esse sistema utiliza menos água e energia se tornando uma alternativa sustentável, reduzindo os custos operacionais de produção sem que haja diminuição na qualidade do leite produzido. Além disso, a ordenha robótica contribuiu para diminuir a intensidade física de trabalho do produtor permitindo que ele possa se dedicar a outras ações dentro da atividade leiteira.
Apesar do Brasil ser um dos principais produtores de leite de vaca do mundo, com uma produção estimada de 34 bilhões de litros, a implementação desse sistema ainda não é uma realidade para o país, uma vez que a maior parte dessa produção advém de pequenas e médias propriedades que não possuem recursos financeiros para adesão desse sistema. Neste sentido, constata-se a necessidade de um investimento inicial significativo em infraestrutura e equipamentos (Silvi et al., 2018).
Além disso, a manutenção e os reparos dos robôs podem ser complexos e exigir conhecimentos técnicos específicos com mão de obra qualificada. Em paralelo, a adaptação do rebanho ao processo de ordenha robótica também pode ser um desafio, exigindo um período de transição e treinamento adequado para as vacas. Portanto, incentivos governamentais, flexibilização de crédito, investimento no setor e redução no custo de produção desses equipamentos são ações fundamentais para viabilização desse sistema em nosso país nos próximos anos.
Autores
Gabriela Aparecida Nalon (Graduanda em Engenharia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Danielly Aparecida de Souza (Graduanda em Ciência e Tecnologia de Laticínios e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Lorena Soares Xavier (Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Agradecimentos: Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6) e a A.A.L. Tribst (n°305050/2020-6) e a PEC - Pró-Reitoria de Extensão e Cultura – UFV pela bolsa de extensão.
Referências
DIAS, J. C. As raízes leiteiras do Brasil. 11ª. ed. São Paulo: Barleus, 2012. 167 p.
DEMING, J. A.; BERGERON, R.; LESLIE, K. E.; DEVRIES, T. J. Associations of housing, management, milking activity, and standing and lying behavior of dairy cows milked in automatic systems. Journal of Dairy Science, v. 96, n. 1, p. 344-351, 2013
LOPES, S. C. Avaliação do comportamento de vacas leiteiras num sistema voluntário de ordenha. 2015. Dissertação (Mestrado em Engenharia Zootécnica) – Universidade do Minho, Braga.
MACULAN, R.; LOPES, M. A. Ordenha robotizada de vacas leiteiras: uma revisão. Boletim de Indústria Animal, v. 73, n. 1, p. 80-87, 2016.
SILVA, S. R.; SILVESTRE, A. M.; MONTEIRO, D. O.; ALMEIDA, J. C. BemEstar em Vacas Ordenhadas por Sistemas Robotizados: Evidências Científicas. In: JORNADAS DE BOVINICULTURA, 3., 2007, Vila Real. Anais... Vila Real: UTAD, 2007 p. 35-51.
SILVI, R. R. et al. Pecuária leiteira de precisão: sistemas de ordenhas robotizadas. 2018.
VAN VLECK, R. Early Cow Milking Machines, 1996. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2017.
VIJAYAKUMAR, M.; PARK, J. H.; KI, K. S.; LIM, D. H.; KIM, S. B.; PARK, S. M.; JEONG, H. Y.; PARK, B. Y.; KIM, T. II. The effect of lactation number, stage, length, and milking frequency on milk yield in Korean Holstein dairy cows using automatic milking system. Asian-Australasian Journal of Animal Sciences, v. 30, n. 8, p. 1093, 2017.
VILELA, Duarte et al. A evolução do leite no Brasil em cinco décadas. Revista de Política Agrícola, v. 26, n. 1, p. 5-24, 2017.