Produção de leite de cabra
A produção de cabras leiteiras fornece meios de subsistência sustentáveis, especialmente em áreas de recursos limitados, permitindo a geração de renda e emprego para pequenos produtores, além de produtos saudáveis e nutritivos (MILLER; LU, 2019). Nos últimos 50 anos, a produção mundial de leite caprino mais que dobrou e espera-se um aumento de aproximadamente 53% até 2030 (PULINA et al., 2018).
A produção mundial de leite de cabra foi estimada em 18,7 milhões de toneladas em 2017 (FAO, 2019). A Índia registrou a maior produção mundial (~33%), seguido por Bangladesh (5,9%), Sudão (5,8%), Paquistão (4,5%), França (3,12%), Grécia (3,0%), Turquia (2,8%) e Espanha (2,6%) (FAO, 2019).
No período de 2007 a 2017, a Ásia apresentou o maior aumento na produção de leite de cabra (22%), seguida pela África (13%), Oceania (9%), Américas (5%) e Europa (4%) (MILLER; LU, 2019).
No Brasil, predomina a produção de leite de vaca, no entanto, o leite de cabra mesmo com o menor volume de produção, tem grande importância na geração de emprego e renda (DELGADO-JÚNIOR et al., 2020). A caprinocultura brasileira é mais difundida nas regiões Norte e Nordeste, sendo o estado da Paraíba o maior produtor do país.
Nessa região, a maior parte da produção é direcionada para programas de distribuição de alimentos, como a merenda escolar. A região Sudeste é a segunda maior bacia leiteira, sendo o estado de Minas Gerais o terceiro maior produtor de leite de cabra (IBGE, 2017).
De acordo com o IBGE, entre 2006 e 2017, o rebanho caprino apresentou crescimento de 16%, totalizando mais de 8 milhões de cabeças com uma produção anual de aproximadamente 25 milhões de litros, o que demonstra seu potencial no contexto do agronegócio brasileiro (IBGE, 2017).
Características do leite de cabra: composição, digestibilidade e alergenicidade
O leite de cabra é um alimento que possui alto valor nutricional, com quantidades significativas de proteína, gordura, carboidrato, vitaminas e minerais. Sua composição nutricional possui semelhança com a composição do leite de vaca (Tabela 1), podendo variar de acordo com a dieta do animal, raça, paridade, estágio de lactação, estação do ano e condições de manejo (PARK, 2017).
Com a finalidade de padronizar a identidade e a qualidade do leite de cabra destinado ao consumo humano, aprovou-se a Instrução Normativa nº 37, em 31 de outubro de 2000, na qual consta a descrição dos requisitos mínimos quanto à composição de nutrientes do leite caprino (Tabela 1).
Tabela 1. Composição média dos leites de cabra e vaca.
Fonte: DELGADO-JÚNIOR et al., 2020; PARK, 2017; BRASIL, 2000
** São admitidos valores inferiores a 2,9% m/m para as variedades integral e semi-desnatada, mediante comprovação de que o teor médio de gordura de um determinado rebanho não atinge esse nível.
O leite de cabra apresenta maior digestibilidade e menor potencial alergênico quando comparado ao leite de vaca, o que está associado à sua composição. A gordura do leite caprino é composta por cerca de 98% de triacilgliceróis e traços de colesterol, fosfolipídios e ácidos graxos livres (TAYLOR; MACGIBBON, 2011). Os glóbulos de gordura são menores que os do leite de vaca, o que resulta em melhor dispersão e melhor digestão, pois fornece maior área de superfície para ação das lipases.
Além disso, o sabor e odor característicos do leite de cabra também estão relacionados ao seu perfil lipídico, devido, principalmente, à presença significativa dos ácidos graxos de cadeia curta, como capróico, caprílico e cáprico (podendo atingir uma concentração de duas a três vezes maior em relação ao leite de vaca) (PARK, 2017).
As principais proteínas do leite de cabra são as caseínas (β-caseína, κ-caseína, αs1-caseína e αs2-caseína) e proteínas do soro (β-lactoglobulina, α-lactalbumina, soro albumina, imunoglobulinas e lactoferrina). As caseínas estão predominantemente presentes com percentual entre 60-80% em relação ao conteúdo de proteínas totais.
A fração β-caseína é a mais abundante, diferente do leite de vaca, no qual predomina a fração αs1-caseína. Isso pode explicar a hipoalergenicidade do leite caprino, visto que essa característica tem sido associada a menor quantidade da fração αs1-caseina (DELGADO-JUNIOR et al., 2020; PARK, 2017).
Em relação aos micronutrientes, o leite caprino apresenta concentrações satisfatórias de vitamina A e vitaminas do complexo B (tiamina, riboflavina e niacina), além de minerais como cálcio, zinco, selênio, manganês e cobre.
Beneficiamento do leite e derivados caprinos: características e potencialidades
O crescimento na demanda pelo leite de cabra e seus derivados está relacionado ao aumento da renda per capita dos consumidores e a preocupação das pessoas com relação à alimentação saudável. Neste contexto, o leite de cabra apresenta-se como um alimento de alto valor nutritivo e com potencial funcional.
Em relação aos derivados, é possível produzir os mesmos produtos que são obtidos a partir do leite de vaca utilizando-se, inclusive, os mesmos processos tecnológicos (DELGADO-JÚNIOR et al., 2020). A Figura 1 apresenta os principais produtos produzidos a partir do leite de cabra, como: queijos, iogurtes, doces, além do leite de consumo comercializado na forma fluida, congelada ou em pó.
Figura 1. Principais derivados lácteos produzidos a partir de leite de cabra.
Dentre os derivados do leite de cabra com potencial promissor, um produto de grande aceitação no mercado brasileiro é o iogurte, que possui vantagens, como baixo custo de produção e alto valor agregado (SEBRAE, 2016).
O leite em pó de cabra é um produto interessante, devido ao longo prazo de validade e por apresentar volume e peso reduzidos, o que facilita o transporte e a distribuição, diminuindo os custos dessas operações.
No entanto, para sua obtenção exige-se equipamentos de alto valor inviabilizando sua produção por pequenos produtores. O doce de leite é outro produto explorado pelos caprinocultores devido ao sabor e textura peculiar, além da vida útil prolongada (AZEVEDO, 2003).
Os queijos fabricados com leites não bovinos têm conquistado espaço e paladares. Dentro desse contexto, os queijos de cabra estão disponíveis em diversas variedades de sabor e formato, sendo classificados de acordo com a consistência da massa e o processo de maturação, que irão determinar o aroma e o sabor do produto final.
Devido ao seu sabor e aroma acentuado, característico pela rica presença de ácidos graxos de cadeia curta e alta concentração de β-caseína, o queijo de cabra é diferenciado e valorizado atraindo paixões e rejeições entre os consumidores, podendo ser comercializados em linhas gourmet e premium.
Além disso existem diversos tipos de queijos artesanais caprinos, que possuem singularidades no processamento que são específicas de cada região do Brasil. Na França e em outros países da Europa, os queijos de leite de cabra são muito apreciados, havendo preferência por aqueles produzidos com fungos, maturados e, portanto, com sabor e aroma marcantes. O consumidor brasileiro prefere produtos com sabor mais suave, como Minas frescal, Bursin, Chevre a L’huille, entre outros (ITAL, 2017).
Porém o desconhecimento desses produtos em algumas regiões do Brasil e alguns de seus aspectos sensoriais, encontram resistência e são fatores que podem contribuir para a menor aceitação. Tais fatores decorrem da falta de costume e familiaridade ou por comparações com características do queijo bovino.
Lima et al. (2015) realizaram um levantamento do perfil de consumidores e de fatores que influenciam na decisão de consumo do leite de cabra e seus derivados entre os paulistanos. Os resultados confirmaram que o consumo tanto de derivados quanto de leite de cabra é restrito devido, principalmente, à falta de costume da população.
Quais são os desafios e perspectivas do leite de cabra e seus derivados?
Embora ainda se configure como um mercado pouco explorado no Brasil, a produção de leite de cabra e seus derivados lácteos apresenta um elevado potencial de crescimento. Para isso, é necessário que os produtores se planejem para percorrer o caminho comercial visando a diversificação dos produtos para atingir as expectativas dos consumidores voltadas tanto para produtos naturais, nutritivos e funcionais, bem como para produtos que atendam os aspectos sensoriais desejados.
Em contrapartida o fortalecimento de políticas de incentivo aos produtos artesanais, produzidos por pequenos produtores, pode ajudar a difundir o potencial de mercado dessa matéria-prima na geração de emprego e renda para população.
Por fim, é fundamental aumentar a publicidade em relação ao leite de cabra e seus derivados no Brasil destacando seus benefícios para saúde humana, visando incentivar ainda mais sua produção e o fortalecimento de suas vendas.
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Autores
Isabela Soares Magalhães, Nutricionista e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV
Arthur Pompilio de Capela, Engenheiro de alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV
Alécia Daila Barros Guimarães, Engenheira de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira, Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior, Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos LIPA/DTA/UFV
Agradecimentos: ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq pelo financiamento do projeto (n° 429033/2018-4); e pela bolsa de produtividade a B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).
Referências
AZEVEDO, J. H. Análise de mercado. In: INICIANDO um pequeno grande negócio agroindustrial: leite de cabra e derivados. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2003. p. 56-57. Disponível em: <https://livraria.sct.embrapa.br/liv_resumos/pdf/00071490.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2021.
BRASIL. Mistério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 37, 31 de outubro 2000. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite de Cabra. Diário Oficial da União, Brasília, 2000.
DELGADO-JÚNIOR, I.J.; SIQUEIRA, K.B.; STOCK, L.A. Produção, composição e processamento de leite de cabra no Brasil. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Circular Técnica, 122, 2020.
FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations. Food and Agriculture Organization of the United Nations statistical databases. 2019. Disponível em: <https:// faostat.fao.org>. Acesso em: 02 abr. 2021.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário 2006 e 2017. Disponível em: <https://sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: 02 abr. 2021.
ITAL. “Brasil Dairy Trends 2020”. 1. Ed. – Campinas, 2017.
LIMA, F.T. et al. Estudo exploratório do mercado das potencialidades de consumo do leite de cabra e seus derivados entre paulistano. Revista Informações Econômicas, v. 45, p. 30-38, 2015.
LUCENA, C. Novo Censo Agropecuário mostra crescimento de efetivo de caprinos e ovinos no Nordeste. Portal Embrapa, 08 ago. 2018. Disponível em: <https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/36365362/novo-censoagropecuari
o-mostra-crescimento-de-efetivo-de-caprinos-e-ovinos-no-nordeste>. Acesso em: 02 abr. 2021.
MILLER, B. A.; LU, C. D. Current status of global dairy goat production: an overview. Asian-Australas Journal of Animal Sciences, v. 32, p. 1219-1232, 2019.
SEBRAE. Por que investir em caprinocultura no Nordeste. 2016. Disponível em: <https://www.sebraemercados.com.br/por-queinvestir-em-caprinocultura-leiteira-no-nordeste/>. Acesso em: 02 abril 2021.
PULINA, G. et al. Invited review: Current production trends, farm structures, and economics of the dairy sheep and goat sectors. Journal of Dairy Science, v. 101, p. 6715-6729, 2018.
PARK, Y. W. Goat milk–chemistry and nutrition. Handbook of milk of non-bovine mammals, p. 42-83, 2017.
TAYLOR, M. W.; MACGIBBON, A. K. H. Milk Lipids: General Characteristics. Encyclopedia of Dairy Sciences, p.649-654, 2011.
*Fonte da foto do artigo: Freepik