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Desafios e estratégias para evitar a sedimentação após o armazenamento de bebidas lácteas UHT

LIPA/UFV

EM 13/03/2024

11 MIN DE LEITURA

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De acordo com o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Bebida Láctea “entende-se por Bebida Láctea o produto lácteo resultante da mistura do leite (in natura, pasteurizado, esterilizado, UHT, reconstituído, concentrado, em pó, integral, semidesnatado ou parcialmente desnatado e desnatado) e soro de leite (líquido, concentrado e em pó) adicionado ou não de produto(s) ou substância(s) alimentícia(s), gordura vegetal, leite(s) fermentado(s), fermentos lácteos selecionados e outros produtos lácteos. A base láctea representa pelo menos 51% (cinquenta e um por cento) massa/massa (m/m) do total de ingredientes do produto (Brasil, 2005).

As bebidas lácteas são classificadas quanto a três aspectos: (i) adição de ingredientes; (ii) tratamento térmico; e (iii) fermentação (Figura 1).

Figura 1. Classificação de bebidas lácteas de acordo com a legislação

 Classificação de bebidas lácteas de acordo com a legislação
(Brasil, 2005).

 

Entre as bebidas lácteas mais comumente encontradas no mercado estão as Bebidas Lácteas UHT (Ultra High Temperature). Essa bebida possui uma vida útil mais longa em comparação com os produtos lácteos frescos, com vida de prateleira entre 3 a 6 meses sem a necessidade de refrigeração. Isso é devido ao tratamento térmico aplicado durante a fabricação, no qual o produto é mantido em temperaturas de aproximadamente entre 135 e 145 °C por 2 a 4 segundos. Adicionalmente, durante o processamento UHT, além do tratamento térmico, o produto normalmente é homogeneizado em dois estágios e ao final do processamento é envasado em condições assépticas em embalagens estéreis e hermeticamente fechadas (Mudgil, Barak, 2019).

Entretanto, devido às altas temperaturas envolvidas no processo UHT, surgem desafios em relação à formação de sedimentos como resultado do tratamento térmico acima de 60 °C, o que é indesejável neste tipo de bebida.

Tratamento térmico/UHT e seus efeitos nas proteínas do leite

Antes de discutir sobre os desafios da sedimentação das proteínas após o armazenamento em bebidas lácteas UHT, é importante compreender o impacto do tratamento térmico, especialmente o tratamento UHT, nas proteínas do leite.

Basicamente, a sedimentação é influenciada principalmente pela desnaturação da proteína do soro induzida pelo calor e pela interação dos minerais presentes no leite/soro com a k-caseína (Souza, Stephani, Tavares, 2023). Assim, vamos explorar mais detalhadamente os efeitos desse tratamento e como ele pode levar à agregação de proteínas, especialmente a β-lactoglobulina, e às micelas de caseína (Abdelazime, El-Shibiny, Salem, 2009).

Para isso, é necessário esclarecer o impacto da energia associada ao tratamento térmico em proteínas globulares:

  1. Rompimento das interações: o tratamento térmico fornece energia que pode romper as interações não covalentes que inclui ligações de hidrogênio e interações hidrofóbicas.
     
  2. Alteração da conformação proteica: com o aumento da temperatura, as proteínas podem sofrer desnaturação, ou seja, mudanças em sua estrutura tridimensional que podem expor resíduos de aminoácidos hidrofóbicos (alifáticos/aromáticos) e grupos sulfidrila livres. Isso ocorre porque as forças que mantêm a estrutura proteica são enfraquecidas com o aumento da temperatura.

Além disso, tratamentos com temperaturas elevadas (>100°C), como o tratamento UHT, podem induzir a formação de novas interações inter e intramoleculares, levando à agregação. A agregação de proteínas é frequentemente impulsionada por interações hidrofóbicas entre resíduos expostos de aminoácidos hidrofóbicos (Nunes & Tavares, 2019). Além disso, as ligações dissulfeto entre grupos sulfidrila livres podem promover a agregação. Por exemplo, um grupo tiol livre na β-lactoglobulina torna-a altamente propensa a formar grandes agregados durante o aquecimento, particularmente em sistemas proteicos altamente concentrados (Souza, Stephani, Tavares, 2023).

O processo de agregação β-lactoglobulina pode supostamente ser dividido em três estágios descritos como iniciação, propagação e terminação (Nunes & Tavares, 2019).

  1. Iniciação: durante a iniciação, os dímeros β-lactoglobulina dividem-se reversivelmente no monômero, então os monômeros ativos são formados por uma exposição irreversível do grupo SH livre previamente escondido na estrutura interna da β-lactoglobulina;
     
  2. Propagação: durante a propagação, os agregados são formados por meio de ligações dissulfeto;
     
  3. Terminação: durante a terminação, dois intermediários ativos reagem para formar agregados maiores sem um grupo SH exposto/reativo.

Ainda assim, na presença de micelas de caseína, a β-lactoglobulina desnaturada tende a formar complexos com a κ-caseína. A desnaturação proteica induzida pela temperatura é muitas vezes irreversível devido à quebra da ligação covalente e/ou à agregação desdobrada da proteína. Por outro lado, o tratamento térmico tem um efeito muito limitado na agregação de α-lactoalbumina, porque nenhum tiol livre está disponível nesta proteína (Singh et al., 2019). 

Em relação as micelas de caseína, essas são muito termoestáveis, contudo, em altas temperaturas, alterações no equilíbrio mineral podem induzir a desintegração parcial das micelas de caseína, levando à agregação. A k-caseína é a fração mais estável e é altamente concentrada na superfície da estrutura supramolecular das micelas de caseína, o que é essencial para a estabilidade coloidal das micelas de caseína. Os tratamentos UHT podem desencadear a dissociação da k-caseína das micelas de caseína e favorecer sua agregação. Isso ocorre porque as micelas de caseínas empobrecidas com k-caseína são menos estáveis e mais propensas à agregação (Souza, Stephani, Tavares, 2023).

Além disso, uma ligeira redução do pH, bem como um ligeiro aumento no nível de cálcio iônico também pode favorecer a agregação de micelas de caseína durante e após os tratamentos UHT. O aumento do nível de cálcio iônico no leite está correlacionado ao aumento da ocorrência de sedimentação após o tratamento UHT, devido à agregação mais intensa mediada pelo cálcio na k-caseína (Souza, Stephani, Tavares, 2023). Portanto, a estabilidade das caseínas em produtos formulados será altamente dependente do pH e do ambiente iônico da formulação, além da interação das caseínas com os demais constituintes do produto (Singh et al., 2019).

Impactos da sedimentação após o armazenamento de bebidas lácteas UHT

Após entender o impacto do tratamento térmico, especialmente o UHT nas proteínas do leite, vamos entender o que é a sedimentação de proteínas e como ocorre em bebidas lácteas UHT. 

A sedimentação é caracterizada pela formação de uma camada densa de proteínas no fundo da embalagem durante os primeiros dias de armazenamento do produto. Isto ocorre porque a substituição parcial do leite por soro na formulação leva a uma diminuição na relação caseínas/proteínas do soro (Singh et al., 2019).

Enquanto as micelas de caseínas são termoresistentes, as proteínas do soro são mais susceptíveis à desnaturação térmica, que pode levar à formação de agregados sedimentáveis devido às interações proteína/proteína. Tal fenômeno pode ser agravado quando a concentração de proteínas do soro for superior à das micelas de caseínas.

A sedimentação em bebidas lácteas UHT pode ter diversos impactos negativos que pode afetar a aceitação do produto pelo consumidor:

  • Perda de qualidade: A presença de uma camada densa de proteínas sedimentadas no fundo da embalagem pode alterar a textura, o sabor e a aparência da bebida. Isso pode resultar em uma experiência sensorial inferior para o consumidor, levando a uma percepção negativa da qualidade do produto.
     
  • Perda de confiança do consumidor: A sedimentação pode ser interpretada pelos consumidores como um sinal de deterioração ou de baixa qualidade do produto, associando a sedimentação a práticas inadequadas de fabricação ou controle de qualidade. Isso pode levar à perda de confiança na marca e na empresa fabricante, afetando negativamente a fidelidade do consumidor e as vendas futuras.
     
  • Desperdício de produto: Os consumidores podem descartar as bebidas com sedimentação, especialmente se considerarem a presença de proteínas sedimentadas como um sinal de deterioração ou contaminação. Isso resulta em desperdício de produto e prejuízos financeiros para o fabricante.
     
  • Impacto na recompra: A experiência negativa causada pela sedimentação pode fazer com que os consumidores evitem comprar novamente o produto no futuro. Isso pode resultar em perda de receita a longo prazo e dificultar a conquista de novos clientes.

Estratégias de controle da sedimentação

Formulação adequada: Uma formulação cuidadosamente equilibrada, que inclui a adequada proporção entre as caseínas e as proteínas do soro pode melhorar a estabilidade do produto final. Isso porque, por exemplo, um excesso de proteínas do soro pode levar a sedimentação, em função da formação de agregados sedimentáveis (Souza, Stephani, Tavares, 2023). Por ouro lado, como as caseínas são capazes de modular o processo de agregação termo induzida das proteínas do soro de leite, a mistura dessas duas proteínas na proporção de 50:50 tem apresentado resultados positivos quanto a estabilidade do produto final.

Melhorar a termoestabilidade proteica: A estabilidade das proteínas durante e/ou após os tratamentos térmicos depende de como tais tratamentos alteram a sua estrutura. Neste contexto, alterando a estrutura da proteína antes do tratamento térmico, é possível melhorar a sua termoestabilidade. Algumas estratégias para a modificação estrutural de proteínas a fim de melhorar sua termoestabilidade se baseia em (i) microparticulação de proteínas, e (ii) glicação e/ ou uso de carboidratos para modular a agregação de proteínas.

Utilização de estabilizantes: A sedimentação proteica também pode ser impedida através da utilização de estabilizantes (ex: hidrocolóides) de qualidade que permitam manter a estabilidade das bebidas lácteas durante o armazenamento e a comercialização. Isso porque os estabilizantes podem interagir com as proteínas formando uma rede tridimensional e com isso, evitar a sedimentação devido ao aumento de viscosidade (Singh et al., 2019). Amidos quimicamente modificados são utilizados como estabilizantes na indústria alimentícia. No entanto, as preocupações dos consumidores têm exigido menos produtos sintéticos e, em vez disso, preferem alimentos de rótulo limpo. Outras características de alguns estabilizantes é a capacidade de aumentar a repulsão eletrostática ou o impedimento estérico entre as proteínas ou agregados proteicos, como as carragenas, pectinas e carboximetilcelulose; minimizando a agregação durante a vida de prateleira. O mesmo polissacarídeo pode estabilizar produtos UHT através de diferentes mecanismos simultaneamente. Por outro lado, a combinação de diferentes polissacarídeos é frequentemente aplicada para obter efeitos estabilizadores sinérgicos (Souza et al., 2024).

Utilização de sais quelantes: A utilização de sais quelantes como os citratos e fosfatos são importantes para estabilizar proteínas frente a tratamentos térmicos intensos como o UHT. Esses sais tem a capacidade de controlar, sobretudo, a concentração de cálcio iônico das formulações, exercendo grande efeito na estabilização das caseínas. No entanto, o uso desses sais é atualmente criticado devido à tendência global de produtos com rótulos limpos e à redução do teor de sódio nos produtos alimentícios.

Utilização de carboidratos: Os carboidratos como as fibras alimentares solúveis também podem ser usados para estabilizar proteínas e outros ingredientes durante e/ou após tratamentos UHT. Essas macromoléculas podem atuar interagindo com proteínas, aumentando a viscosidade da fase contínua do produto ou formando redes tridimensionais. Contudo, o conhecimento sobre a aplicação de diferentes polissacarídeos em produtos lácteos UHT ainda é limitado (Souza et al., 2024).

Homogeneização: A homogeneização é crucial para garantir uma distribuição uniforme de partículas na bebida. A homogeneização apresenta grande importância na estabilidade das bebidas lácteas UHT, uma vez que, além de contribuir para redução do tamanho dos glóbulos de gordura, ela melhora a dispersão das proteínas. A redução do glóbulo de gordura leva ao aumento da sua área superficial total, o que acarreta uma incorporação de proteínas em sua superfície, possibilitando uma melhor emulsificação da mistura e um melhor brilho e textura do produto.

Controle de processo: Condições de processamento adequadas, incluindo temperatura, pH e tempo de tratamento térmico, são essenciais para garantir a estabilidade das bebidas lácteas UHT. Por exemplo, controlar o pH da mistura antes e depois do tratamento térmico para evitar qualquer impacto da redução do pH na estabilidade proteica.

Armazenamento e transporte adequados: As bebidas lácteas UHT devem ser armazenadas e transportadas em condições adequadas para evitar fatores que possam acelerar a sedimentação.

Testes de estabilidade: Por fim, a realização de testes de estabilidade em diferentes condições de armazenamento pode ajudar os fabricantes a identificar quaisquer problemas de sedimentação e desenvolver estratégias para mitigá-los.

A sedimentação em bebidas lácteas UHT representa um desafio para indústria de lácteos. Assim, para assegurar a qualidade das bebidas lácteas UHT, é indispensável monitorar de perto o processo de produção, a homogeneização, além de escolher os ingredientes e as formulações adequadas. Ao compreender as causas da sedimentação e implementar medidas preventivas, é possível garantir que o produto final atenda às normas de qualidade e atenda às expectativas dos consumidores.

 

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Autores

Flaviana Coelho Pacheco - Engenheira de Alimentos, Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.

Irene Andressa - Doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.

Prof. Ana Flávia Coelho Pacheco - Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.

Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva, Professor/pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-ILCT.

Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira - Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.

Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior - Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.

 

Agradecimentos:

Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21 e APQ-00785-23; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).

 

Referências bibliográficas

Abdelazim, M.H.; El-Shibiny, S.; Salem, A. Factors affecting the functional properties of whey protein products: A review. Food Reviews International, v. 25(3), p. 251-270, 2009.

Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Bebida Láctea. Instrução Normativa n.16, de 23 de agosto de 2005. Diário Oficial da União, Brasília, 2005.

Mudgil, D.; Barak, S. Dairy-based functional beverages, Grumezescu, A.M.; Holban, A.M.  (Eds.), Milk-based beverages, Vol. 9, Woodhead Publishing, p. 67-93, 2019.

Nunes, L.; Tavares, G.M. Thermal treatments and emerging technologies: Impacts on the structure and techno-functional properties of milk proteins. Trends in Food Science & Technology, v. 90, p. 88-99, 2019.

Singh, J.; Prakash, S.; Bhandari, B.; Bansal, N. Ultra high temperature (UHT) stability of casein-whey protein mixtures at high protein content: heat induced protein interactions. Food Research International, v. 116, p. 103-113, 2019.

Souza, A.B.; Xavier, A.A.O.; Stephani, R.; Tavares, G.M. Prior denaturation and aggregation of whey proteins: is this a useful strategy for increasing the content of these proteins in UHT high-protein dairy beverages?, Food and Bioproducts Processing, v. 144, p. 43-49, 2024.

Souza, A.B.; Stephani, R.; Tavares, G.M. Stability of milk proteins subjected to UHT treatments: challenges and future perspectives. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, p. 1-11, 2023.

 

 

 

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