Queijo Minas Frescal: por que é um alimento altamente perecível?
O queijo Minas Frescal é um dos queijos frescos mais populares e produzidos no Brasil com elevado valor socioeconômico e cultural. Isso se deve, principalmente, ao bom rendimento, preço acessível e alto valor nutritivo.
Este queijo é obtido, majoritariamente, pela coagulação enzimática do leite por meio da ação de coagulantes, complementada ou não pela ação de bactérias lácticas específicas (BRASIL, 1996a; BRASIL, 2004). De acordo com o regulamento técnico, esse queijo é classificado como semi-gordo (25 - 44,9% de gordura no extrato seco) e de muito alta umidade (não inferior a 55%) (BRASIL, 1996b; BRASIL, 2004).
Do ponto de vista tecnológico, a qualidade da matéria-prima é um fator crucial e os teores de proteína e gordura são os principais componentes responsáveis pelo rendimento deste queijo. Especificamente, esse rendimento depende da otimização da relação caseína/gordura do leite.
Em termos microbiológicos, a utilização de um leite de boa qualidade é essencial para a produção de um queijo Minas Frescal seguro aos consumidores, que atenda aos requisitos preconizados pelas legislações vigentes.
Entretanto, uma matéria-prima de boa qualidade não irá, necessariamente, resultar em um queijo de alta qualidade, uma vez que falhas durante o processamento podem comprometer a qualidade do produto final.
Diante deste contexto, por se tratar de um queijo de:
- Muito alta umidade
- Elevada disponibilidade de nutrientes
- pH favorável ao desenvolvimento microbiano
O queijo Minas Frescal é um alimento altamente perecível, sendo propenso a rápida deterioração sob condições inadequadas de transporte e armazenamento. Além desses pontos, a Figura 1 apresenta outros fatores que influenciam diretamente o desenvolvimento de microrganismos indesejáveis no queijo Minas Frescal.
Figura 1. Principais fatores responsáveis pelo desenvolvimento de microrganismos indesejáveis em queijo Minas Frescal.
Coliformes em queijo Minas Frescal
O processo de fabricação do queijo Minas Frescal é simples, não necessitando de grandes aparatos tecnológicos. Entretanto, devido aos fatores descritos anteriormente, esse queijo está sujeito a diversas contaminações
A contaminação de queijos frescos por coliformes é um tema de relevância tanto para a indústria como para os produtores rurais. Isso porque a contagem destes microrganismos acima dos padrões estabelecidos pela legislação diminui a vida útil do produto com perdas econômicas avultosas; além de apresentar sérios riscos à saúde do consumidor, principalmente pela veiculação de microrganismos patogênicos, tornando-se assim um problema de saúde pública.
Dentre os principais indicadores de contaminação em queijos frescos, encontram-se os microrganismos do grupo coliforme. O grupo dos coliformes totais consiste em um subgrupo da família Enterobacteriaceae que inclui 44 gêneros e 176 espécies.
São microrganismos gram-negativos, não formadores de esporos, sendo aeróbios ou anaeróbios facultativos. No grupo dos coliformes totais estão as enterobactérias como Escherichia coli, Enterobacter, Citrobacter e Klebsiella que possuem a capacidade de fermentar a lactose com produção de gás a 35 °C (BRENNER; FARMER, 2005).
Já o grupo dos coliformes termotolerantes consiste em um subgrupo dos coliformes totais, restrito às bactérias capazes de fermentar a lactose a 44,5 a 45,5 °C com produção de gás, como a bactéria Escherichia coli.
Esses microrganismos são facilmente inativados nos processos de higienização, bem como nos processos térmicos de pasteurização aplicado ao leite durante a fabricação do queijo. No entanto, podem estar presentes quando o processo de higienização ou tratamento térmico são falhos. Desta forma, a presença destes microrganismos indica condições higiênico-sanitárias deficientes.
Estufamento precoce em queijos Minas Frescal
Dentre os principais defeitos, um dos mais comum é o estufamento precoce. Ele é resultante de um processo fermentativo das bactérias do grupo coliforme ou leveduras que, ao metabolizarem a lactose, produzem diversos compostos como o ácido lático, ácido acético, etanol, gás carbono (CO2) e gás hidrogênio (H2). Estes gases provocam a formação de inúmeras olhaduras indesejáveis no interior dos queijos, comprometendo não só a sua aparência, mas também o aroma e o sabor.
Causas do estufamento precoce em queijo Minas Frescal
A Figura 2 ilustra as diversas etapas que podem ocasionar a contaminação por coliformes durante a fabricação do queijo Minas Frescal.
Figura 2. Etapas de fabricação do queijo Minas Frescal susceptíveis a ocasionar contaminação por coliformes.
Durante a obtenção do leite nas fazendas, pode ocorrer contaminação devido às práticas inadequadas de manejo de ordenha, como pré e pós-dipping insuficientes e má higienização das superfícies (baldes, latões, ordenhadeiras, mangueiras, tanques de resfriamento e interior dos caminhões isotérmicos, por exemplo).
Já na indústria, falhas na aplicação do tratamento térmico ou contaminação pós-pasteurização, principalmente na enformagem da massa, podem contribuir para a elevação da taxa microbiana no produto.
Outro fator importante é a higienização incorreta da sala de processamento dos queijos, assim como dos equipamentos e utensílios que serão utilizados durante a fabricação. Além disso, a falta de cuidado e higiene dos manipuladores responsáveis pela produção dos queijos também podem contribuir com a contaminação por coliformes.
Prevenção e cuidados na fabricação na produção de queijo Minas Frescal
Para reduzir o risco de contaminação por coliformes durante a fabricação do queijo Minas Frescal é necessário o emprego de algumas medidas preventivas, as quais estão apresentadas na Figura 3.
Figura 3. Medidas preventivas necessárias para evitar contaminação por coliformes durante o processo de fabricação de queijos Minas Frescal.
Dentre as medidas apresentadas para garantir a qualidade do queijo Minas Frescal, destacam-se:
- Utilização de leite de boa qualidade,
- Aplicação correta do tratamento térmico no leite
- Uso de bactérias láticas benéficas que agem como competidoras inibindo a microbiota indesejável
- Estocagem do produto final sob refrigeração evitando temperaturas abusivas
- Cuidados com a higiene em cada etapa do processo de fabricação
Em paralelo, o emprego das Boas Práticas de Fabricação (BPF) e dos Procedimentos Padrões de Higiene Operacional (PPHO) durante o processamento é primordial. Para isso, é necessário a utilização de um eficiente programa de higienização dos equipamentos, dos utensílios e do local de produção, bem como de um treinamento dos manipuladores em relação aos cuidados higiênicos-sanitários necessários durante a manipulação do produto.
Outro fator importante é a qualidade da água de abastecimento, pois esta pode veicular microrganismos patogênicos. Portanto, é inerente a utilização de água potável e o acompanhamento diário de sua qualidade.
Demais estratégias também podem ser utilizadas para aperfeiçoar a qualidade e produzir queijos frescos seguros, como o emprego da Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) e dos demais Programas de Autocontrole (PAC). Para isso, as práticas higiênicas ao longo da cadeia produtiva devem ser monitoradas e revisadas visando prevenir possíveis contaminações no produto final.
Portanto, para garantir a qualidade do queijo Minas Frescal a adoção das boas práticas de fabricação, bem como uma supervisão eficiente, efetiva e permanente da produção é determinante para a comercialização de um produto íntegro, de qualidade e seguro para o consumidor.
Autores
Ana Flávia Coelho Pacheco, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV
Nataly de Almeida Costa, Cientista e Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV
Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva, Professor/pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior, Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV
Referências
BRASIL. Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária. Portaria nº 145, de 13 de dezembro de 1996a. Aprova o Regulamento Técnico para Fixação de Identidade e Qualidade de Queijo Minas Frescal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 1996a.
BRASIL. Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária. Portaria nº 146, de 7 de março de 1996b. Aprova os Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 11 mar. 1996b.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 04, de 01 de março de 2004. Inclusão do termo Muito na expressão Alta Umidade nos itens 2.2 (Classificação), 4.2.3 (Requisitos Físico-Químicos) e 5.1 (Aditivos), no Regulamento Técnico para fixação de Identidade e Qualidade do queijo Minas frescal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 5 mar. 2004.
BRENNER, D. J.; FARMER III, J. J. Family I. Enterobacteriacea. In: BRENNER, D. J.; KRIEG, N. R.; STALEY, J. T. (Eds), Bergey’s Manual of Systematic Bacteriology, 2nd Ed. Volume 2. New York: Springer Science+Business Media In., 2005. pp. 587-607.