A diferença de 29 milhões de toneladas de litros de leite separa a primeira produção de leite anual registrada no Brasil pela FAO em 1961 da última produção registrada no país pelo IBGE em 2018. Desde então, o mercado de leite no Brasil vem evoluindo, e as fazendas se tornando mais tecnológicas e profissionais.
Quanto melhor planejada for a atividade, menor será o custo pelo leite produzido. A competitividade do produto é importante para o mercado de leite, ainda mais devido ao fato de existir uma tendência mundial na redução de produtores. No Brasil, dados apresentados pelo IBGE em 2006 e 2014 indicam a redução do número de produtores de leite em 25,9 e 20,1% entre 1996 a 2006, e 2006 a 2014, respectivamente. Contudo, a redução no número de produtores de leite não impactou na produção, uma vez que essa tem crescido linearmente desde 1961. Em relação a 1996, ocorreu um aumento de 87% na produção e uma redução de mais de 50% no número de produtores (Vilela et al., 2017).
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp, 2016) prevê um crescimento de 2,4% ao ano, e uma produção de 44,4 milhões de toneladas para 2026. Porém, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2016) é menos otimista e prevê a produção de 39 milhões de toneladas em 2025. Já estudos sobre o consumo de lácteos pela população indicaram momentos de aumento e de queda, sendo o aumento do consumo desses produtos diretamente influenciado por momentos de aumento da renda per capta do brasileiro. A previsão da Fiesp (2016) estima o consumo de 198 litros de leite por habitante/ano em 2026, número ainda aquém dos 220 litros por habitante/ano recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Outro desafio da cadeia leiteira brasileira é a exportação do leite, pois, historicamente o Brasil importa mais leite que exporta, exceto nos anos de 2004, 2005, 2007 e 2008. Um dos impasses para ampliar a exportação está ligado à sua qualidade nutricional e bacteriológica e dois pontos chaves se destacam. O primeiro diz respeito ao baixo teor de sólidos do leite produzido no país. O leite produzido na Nova Zelândia, por exemplo, possui cerca de 15% a mais de sólidos do que o leite brasileiro. O incentivo financeiro da indústria para o aumento da produção de sólidos ao produtor ainda é pequeno, porém ambos sairiam ganhando se isso mudasse. O segundo ponto diz respeito a legislação interna que precisa ser adaptada para ter conformidade com as normas internacionais.
As atuais exportações brasileiras de produtos lácteos concentram-se em países com mercados menos exigentes, como a Venezuela e países africanos. Espera-se que a diminuição dos produtores de leite do país selecione apenas os mais profissionais, e isso reflita na melhoria da qualidade do leite, o que poderia contribuir para o aumento das exportações. O preço do leite pago no Brasil é 10,6% superior comparado a média do preço pago a diversos países entre os anos de 2012 a 2017 (EMBRAPA, 2019). Isso ocorre, pois o nosso custo de produção é alto, porém, menor do que o de países europeus e Estados Unidos. Esse fato ainda qualifica o leite do país para explorar mercados novos e potenciais, como o da China, Emirados Árabes, México, países emergentes da Ásia-Pacífico, Rússia, Chile, Vietnã, Indonésia e Filipinas.
O sucesso na atividade leiteira não abre espaço para amadores, visto que os produtores de leite do futuro precisarão garantir bons índices zootécnicos na fazenda e adotar estratégias para diminuir o custo da produção do leite. Para se manter na atividade leiteira será preciso cada vez mais reduzir a mortalidade da cria e recria, a idade ao primeiro parto das novilhas, o intervalo entre partos das vacas, aumentar as taxas de concepção e as médias de produção de leite. Portanto, outra mudança no mercado leiteiro é a adoção de novas tecnologias.
A partir de 1950, coincidindo com o fim da segunda revolução industrial do país, a pecuária começou a dar os primeiros sinais de modernização. Em 1952, Getúlio Vargas assinou o decreto de Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) e a pasteurização do leite se tornou necessária. Demais avanços ocorreram até momentos atuais e Alves et al. (2012) compararam a produção do intervalo entre 1996 e 2006 e relataram que 68% de seu aumento é explicado pela adoção de tecnologias e esse processo continua em progresso. Outras tecnologias fora das fazendas também contribuíram para a melhoria do setor leiteiro. Caminhões com tanques refrigerados e com grande capacidade de transporte, a melhoria das estradas e a coleta de leite programada são exemplos disso.
O aumento do investimento em startups para o setor leiteiro e o grande crescimento de tecnologias na área vem tornando as inovações cada dia mais acessíveis. Os custos de produção são diretamente afetados por essas tecnologias, visto que elas evitam a descoberta tardia de doenças, aumentam as taxas de concepção, direcionam os tratamentos com antibióticos, entre outros. Ou seja, a adoção dessas tecnologias inimagináveis em fazendas leiteiras diminui os custos, fazendo com que esses produtores consigam produzir um leite mais barato.
Em 2012 a primeira ordenha robótica foi instalada no Brasil, em Castro, no Paraná. Em 2015, 10 fazendas contavam com essa tecnologia (Paiva et al., 2015). Em 2020 esse número é cerca de 10 vezes maior. A robótica vem diminuindo os custos de produção, substituindo a mão de obra e melhorando a produtividade, a qualidade de vida do trabalhador do campo e seu retorno ocorre em média, com 6 anos. Além dos robôs, diversas tecnologias vêm se tornando cada dia mais acessíveis e fazendo parte da rotina das fazendas. A implementação dessas tecnologias possui tendência de aumentar ao longo dos anos, principalmente tecnologias “on farm”. São exemplos destas tecnologias: sistemas de detecção e identificação do tipo de mastite na fazenda, colares que checam níveis de ruminação que são capazes de diagnosticar doenças e pedômetros que são capazes de identificar o cio nas vacas pelo aumento da taxa de locomoção.
A automação dos sistemas melhora a coleta e análise de dados da fazenda. Gerando assim cada vez mais índices zootécnicos que ajudarão na tomada de decisão e identificação de possíveis pontos de melhoria (Vilela et al., 2017). Pesquisadores do McKinsey Global Institute (MANYIKA et al., 2017) concluíram que, em 2050, sete em cada dez pessoas viverão em cidades e máquinas e equipamentos serão imprescindíveis para garantir a produção no campo do futuro. O estudo antecipa que metade de todas as atividades desempenhadas hoje por trabalhadores terão possibilidade de ser automatizadas até 2055.
Apesar de grande parte dos produtores brasileiros já estarem adotando novas tecnologias no país, a realidade da maioria do setor ainda não é essa. Segundo o IBGE, cerca de 71,2% das fazendas de leite do Brasil produzem menos de 50 litros de leite por dia e apenas 2% das fazendas leiteiras brasileiras têm a produção diária maior do que 500 litros. Essa realidade é curiosa, considerando que o Brasil é o terceiro maior produtor de leite do mundo (EMBRAPA, 2019). Se compararmos o perfil de produção de leite dos produtores de outros países destaque, a realidade é bem distinta, sendo a porcentagem de médios e grandes produtores bem maior.
Dos 1.176.295 produtores de leite mapeados pelo senso de 2017, somente 634.480 comercializam a sua produção. Ou seja, o leite e produtos lácteos inspecionados consumidos pelos brasileiros vêm de apenas 54% dos produtores de leite (Bezzon, 2020). O restante do leite produzido no país é utilizado para produção de lácteos caseiros ou venda sem registro. Estados como Minas Gerais possuem um terço do leite total produzido vendido sem passar por fiscalização (EMBRAPA, 2018).
Outra possível melhoria nas fazendas leiteiras é a adoção da inseminação artificial (IA). A utilização de sêmen de touros testados garante uma melhoria genética do rebanho, produzindo assim animais cada vez mais produtivos. Apesar disso, apenas 10% das fazendas de leite no Brasil utilizam IA, mas a quantidade de inseminações artificiais vem crescendo nos últimos anos (EMBRAPA, 2020). A tendência futura é de aumento da melhoria genética do rebanho, principalmente das fazendas que querem se manter na atividade.
Portanto, diversos são as oportunidades e desafios para a cadeia de leite brasileira e para o produtor de leite do país. Parte dos produtores de leite do Brasil mudarão de atividade nos próximos anos e esse fato auxiliará na profissionalização da atividade. A tecnologia irá chegar cada dia mais as fazendas leiteiras do país, assim como o planejamento baseado em análise de índices. Segundo previsões, a quantidade produzida pelo país aumentará nos próximos anos, e espera-se que a qualidade do produto produzido também. Com o aumento da qualidade, o leite brasileiro pode atingir mercados internacionais distintos e mais exigentes.
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Referências
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BEZZON, L. C. 2020. Quantos Produtores de leite queremos ter no Brasil? - Parte II – O efeito da escala. MILKPOINT. Disponível em: < https://www.milkpoint.com.br/noticias-e-mercado/panorama-mercado/quantos-produtores-queremos-parte-ii-o-efeito-da-escala-217493/>. Acesso: 01 nov. 2020.
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