A escolha do melhor pasto é um tema que está sempre em alta. Novos materiais genéticos são lançados com frequência. Técnicos e produtores aguardam esses novos lançamentos e muitos apostam nesses novos materiais como a grande solução para os problemas que enfrentamos com nossas pastagens.
Por isso, o termo: “pasto milagroso”, já é bem conhecido e difundido em palestras e dias de campo, assim como os prejuízos que cair nesse conto podem causar. Seria algo como o imaginado pelo Grupo de Pesquisas em Ecologia do Pastejo (GPEP) da UFRGS e divulgado em suas redes sociais em uma brincadeira de 1º de abril:
É fato que não existe um pasto milagroso que resolveria todos os problemas, afinal não existe planta que produza sem nutriente algum, ou que performe bem com um mal manejo. Mas, ao mesmo tempo, é preciso considerar que, sim, novas opções de pastagens a partir do melhoramento genético são muito bem-vindas e podem trazer avanços significativos para os sistemas pastoris. O melhoramento genético nos permite evoluir, por exemplo, em resistência ou tolerância a algumas pragas ou condições ambientais; em produtividade de massa por área; em qualidade bromatológica; ou ainda em outras características agronômicas de nosso interesse.
Mas, então, como analisar essas novas opções lançadas e escolher o pasto a utilizar?
O interessante é que, quando analisamos outras culturas agrícolas, a abordagem é bastante diferente. Ninguém espera uma variedade de milho ou de soja milagrosa que vá atender a todas as demandas dos produtores. As variedades, primeiramente, são classificadas de acordo com a sua adaptação edafoclimática, conforme um zoneamento agrícola. Após, as variedades são posicionadas a campo conforme determinadas características interessantes, como o período de implantação, duração do ciclo, nível tecnológico, comportamento em relação a doenças e pragas existentes em cada situação, finalidade do cultivo, etc.
E, por quê então, pouco falamos em posicionamento de espécies e variedades de pastagens? Esses mesmos critérios usados para posicionar variedades de milho, por exemplo, podem ser usados para posicionar pastagens, o que nos permitiria sair da lógica de escolha de variedade por “essa ser melhor que aquela”.
Posicionando pastagens
Ao menos três critérios deveriam ser, obrigatoriamente, considerados para posicionar pastagens no planejamento forrageiro de uma propriedade: a adaptação climática; o nível tecnológico e o comportamento do ciclo.
Adaptação climática
Uma confusão comum em posicionar pastagens é com relação à aptidão climática. Com toda a diversidade climática por toda a extensão do Brasil, seria surpresa encontrar uma espécie ou variedade adaptada a todas as condições que temos. Isso significa, consequentemente, que, um material que vai muito bem em uma região, não necessariamente se adaptará bem a outra. No Rio Grande do Sul, por exemplo, de acordo com o zoneamento proposto por Westphalen (1975) levando em conta o regime de temperaturas, em determinadas regiões, pode-se trabalhar com pastagens tropicais, enquanto em outras, seu uso pode ser contraindicado, conforme ilustrado abaixo:
Fonte: Kessler (2005), adaptado de Westphalen (1975)
Nível tecnológico
Além da aptidão climática, outro critério importante para posicionar pastagens é de acordo com o nível tecnológico. Esse fator é muito usado em posicionamento de variedades de grãos, como milho e soja, citado anteriormente e, até em milho para silagem. Ele implica em avaliar o nível de exigência do material (fertilidade, manejo, etc.) e compatibilizar com o nível tecnológico empregado em sua propriedade ou em determinada área.
Geralmente, materiais de maior teto produtivo possuem maior exigência em fertilidade, são mais suscetíveis a ocorrência de pragas e doenças, necessitam de uma técnica mais apurada de implantação e etc. Ou seja, necessitam de maior nível tecnológico, enquanto, materiais mais rústicos, geralmente, entregam respostas produtivas mais limitadas. Essa relação entre o nível de exigência e resposta produtiva está ilustrada na figura abaixo:
Gráfico conceitual – Resposta Produtiva e Nível de Exigência de pastagens
Fonte: Elaborado pelo autor.
Por esse motivo, não é raro encontrar comentários de casos em que algum material conhecido por ser “muito bom”, não tenha se desenvolvido bem em algum local ou teve dificuldade no estabelecimento ou na persistência enquanto, outro material - mais rústico - se desenvolveu melhor. Muito provavelmente isso aconteceu porque o material de alta qualidade não encontrou as condições adequadas para entregar todo o seu potencial e, o material mais rústico, portanto, seria mais apropriado para aquele caso, embora com potencial produtivo – o teto – limitado. Ou seja: seria um problema de posicionamento de acordo com o nível tecnológico.
Comportamento do ciclo
Outro fator importante e geralmente negligenciado na escolha do pasto é o ciclo. Este critério é comumente abordado em propostas de planejamento forrageiro, procurando adequar a demanda de forragem durante o ano à oferta. Porém, quando a produção de forragem é planejada apenas em função da estação – pastagens de verão e pastagens de inverno - agrupando as forrageiras de estação quente e de estação fria em blocos, falta ainda considerar as diferenças de comportamento de ciclo entre os diferentes materiais de mesma estação.
Temos, na maior parte do RS, mais meses de condições climáticas favoráveis para o crescimento efetivo de pastagens de verão e um menor período do ano onde estas pastagens pouco produzem. Com isso, faz-se conveniente o cultivo de espécies de inverno - comumente de duração anual - e suas misturas, o que fica diretamente condicionado ao cronograma de uso da área durante a estação quente.
Ao analisarmos esse caso das pastagens de estação fria usadas no Rio Grande do Sul, que estariam todas agrupadas em um bloco como “pastagens de inverno”, há, no mercado, disponibilidade de materiais mais ou menos precoces, de ciclo curto, intermediário e longo. No entanto, o consórcio aveia e azevém domina as pastagens de inverno do Estado, sem considerar as diferenças entre variedades de aveias, entre os azevéns e, ainda, as demais opções de forrageiras de inverno para pastejo, como trigo e centeio, por exemplo.
A partir do momento em que passamos a considerar essas diferenças, abrimos um leque de opções. Por exemplo: há forrageiras que podem ser implantadas a partir de fevereiro ou março em algumas regiões do Estado com temperaturas menos elevadas e regime de chuvas não restritivo, antecipando o pastejo de inverno em áreas onde cultivos anuais de verão já encerram o ciclo ou são colhidos precocemente.
Há opções que podem estender o ciclo adentrando a primavera e, até, de ciclo longo que podem ofertar forragem até alguns meses de verão, ocupando áreas a implantação do cultivo de estação quente será feita mais tarde ou mesmo, onde não será cultivado. Há materiais de arranque rápido e ciclo curto que podem ser usados tanto para a produção de forragem desde o início do outono até o plantio de milho no cedo (a partir de agosto) quanto para a sobressemeadura em pastagens perenes de verão. Também há possibilidades de consórcios entre gramíneas com comportamentos de ciclo diferentes, complementando uma à outra; de introdução de leguminosas e brássicas nesses consórcios; enfim, uma série de possibilidades para efetuar um bom planejamento forrageiro.
Esse mesmo raciocínio proposto para as forrageiras de estação fria pode ser feito para as de estação quente, tropicais e subtropicais, anuais e perenes, com suas diferenças de crescimento e produção durante o período de primavera/verão/outono. A partir disso, estaremos posicionando as pastagens de acordo com a adaptação do ciclo da forrageira ao período de interesse, de acordo com as características específicas dos sistemas de produção nas mais distintas realidades do campo.
Profissionalização da seleção de pastagens
Em síntese, a procura pelo “pasto milagroso” já é algo considerado ultrapassado e, a seleção de uma pastagem mais apropriada para cada situação é uma oportunidade a ser melhor explorada. Com o surgimento de novas variedades no mercado a partir do melhoramento genético, utilizar critérios técnicos para posicionar esses materiais a campo pode melhorar consideravelmente a oferta de forragem nas propriedades e a distribuição de pasto durante o ano para os rebanhos, profissionalizando a escolha das pastagens mais adequadas para utilizar em nossos distintos sistemas de produção.
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Referências
KESSLER, J. P. M. C., Agro-Resumo Forrageiras RGS. Porto Alegre, 2005.
WESTPHALEN, S. L. Zoneamento Agrícola: estudos básicos. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 1975.