As pastagens ou forrageiras de inverno são utilizadas como estratégia para diminuir a sazonalidade da produção de leite, sobretudo no Sul do Brasil, que sofre maior variação em função das estações.
As pessoas em geral, agricultores, professores, produtores de leite, estudantes entre outros, em sua maioria, são tentados a preferir “receitas”, estáticas e contínuas. Nossa natureza e a “evolução” humana não foi moldada para sermos receptivos a mudanças, somos arraigados às nossas crenças e relutantes a alterações. Essa percepção cotidiana pode ser estendida para o campo, e neste caso, exemplificado para produção de leite à base de pasto.
Em um primeiro momento, é válido revisitar o conceito de produção de leite à base de pasto, para caracterizar este sistema. É esperado que a maior parte da produção animal ocorra em virtude da pastagem e não que haja uma substituição demasiada da forragem pelo concentrado. Neste sentido, a maximização do consumo de forragem é um ponto crucial que determina as potencialidades do sistema.
Os animais leiteiros possuem um tempo limitado para pastejo, pois além desta atividade, também precisam dispender momentos para ruminar, descansar, serem ordenhados, deslocamento, entre outros. Deste modo, é importante que o produtor module as condições de manejo a fim de maximizar a ingestão de pasto.
A ingestão de matéria-seca (MS) de vacas leiteiras a pasto é influenciada por diversos fatores, tamanho e produtividade do animal, percentual de fibra (FDN) na forragem, quantidade de suplementação (concentrado) e disponibilidade de pasto (oferta de forragem).
Dentre estes tópicos, os dois últimos parecem ser os mais sensíveis a mudança. Ao considerar que a vaca possui um tempo limitado para ingerir o pasto, disponibilizar maior oferta de forragem é uma maneira de maximizar a ingestão.
Esta associação foi verificada em um trabalho realizado no Sul da Austrália (que tem clima semelhante a região Sul do Brasil) com vacas leiteiras (500-550 kg) pastejando azevém perene (que é semelhante em termos de valor nutricional com os azevéns cultivados no Sul Brasil).
Os autores modificaram a disponibilidade de forragem ao alterar o tamanho do piquete que os animais tinham acesso diariamente, com intuito de criar ambientes que provessem 20, 30, 40, 50, 60 e 70 kg de MS/vaca/dia, logo, maior área, maior disponibilidade de pasto. A tabela 1 ilustra os principais resultados da pesquisa.
Tabela 1. Ingestão diária, taxa de ingestão e horas de pastejo de vacas leiteiras submetidas a diferentes ofertas de forragem.
A partir dos resultados da tabela 1 é possível realizarmos algumas inferências. Percebe-se que, à medida que a disponibilidade de pasto aumentou, os animais consumiram mais, uma relação linear e crescente.
Além disto, o tempo gasto em pastejo foi semelhante entre os tratamentos (variação de menos de 1 hora), ou seja, podemos atribuir o aumento da ingestão predominantemente ao aumento da taxa de ingestão, que foi crescente, principalmente se observarmos os valores de disponibilidade entre 20 e 50 kg de MS/vaca.dia.
Outra consideração importante a ser ressaltada é que, nos casos como este, em que há baixa disponibilidade de forragem, o animal é circunstanciado a aumentar a severidade de desfolha e porções inferiores da planta são consumidas.
É possível imaginar um exemplo prático quanto a severidade de desfolha: imaginemos uma pastagem de azevém com 20 cm de altura, quando disponibilizada uma alta oferta de forragem aos animais. Estes se concentrarão em consumir a fração superior da planta (acima de 12 cm), que possui mais folhas e menos colmo, enquanto sob oferta de forragem menor, os animais serão mais propensos a ingerir também estratos inferiores da planta.
Esta linha de raciocínio nos permite algumas considerações: a baixa oferta de forragem promove, além de menor ingestão, uma possível redução do valor nutricional do conteúdo ingerido devido à maior severidade de desfolha, que por sua vez, exige maior período de descanso do piquete para que este esteja apto ao pastejo novamente (altura ideal).
Um experimento semelhante foi desenvolvido na região Sul do Brasil. Vacas leiteiras de média produção (25 kg de leite/dia) foram alocadas sob duas ofertas de forragem de azevém, 23 e 37 kg de MS/animal/dia.
Os animais que permaneceram sob menor disponibilidade de forragem apresentaram uma severidade de desfolha maior, com consumo de 70% do pasto disponível, enquanto aqueles sob maior disponibilidade de forragem consumiram 50% da massa disponível. Os principais resultados do estudo são ilustrados na tabela 2.
Tabela 2. Consumo e produção de leite de vacas leiteiras sob duas ofertas de forragem.
Assim como no estudo australiano, a maior disponibilidade de forragem permitiu maior ingestão de pasto pelos animais e, consequentemente, maior produção de leite. Para cada kg de matéria seca adicional ingerida, houve um aumento de 0,57 kg de leite por animal.
Os autores reiteram também a importância da severidade de rebaixamento do pasto ser de no máximo 50% da altura inicial, a fim evitar redução da qualidade da dieta e atraso na rebrota do pasto. Contudo, também sinalizam que ofertas acima de 40 kg MS/dia geram severidades de desfolha inferiores a 50% da altura inicial, o que compreende redução excessiva da carga animal e desperdício de forragem.
Por fim, ressalto a produtividade alcançada pelos animais em pastagem de azevém sem suplementação energético/proteica, apenas com adequada disponibilidade de forragem. Sob este aspecto, retorno a ideia do início deste texto.
Na região Sul do Brasil, em épocas de disponibilidade de pastagens como o azevém, quantos quilos de ração normalmente recebem animais com produção semelhante aos do estudo (20 kg/dia)? Muitas vezes, a quantidade de concentrado (e o percentual de proteína bruta) fornecida aos animais de produção média (20 kg de leite/dia) é constante ao longo do ano, apesar da ampla variação do valor nutricional das pastagens entre as estações.
Vacas de média produção, quando dispostas em pastagens de inverno, como aveia e azevém, têm suas exigências proteicas (e muitas vezes energéticas) atendidas exclusivamente pelo pasto.
É necessário que o concentrado ofertado contenha 22% de PB? A resposta me parece ser não! A pergunta seguinte é: será que realmente estamos utilizando o máximo potencial de nossos pastos de inverno? Se não, onde reside o equívoco? Como melhorar isso? O ajuste de disponibilidade parece ser um bom candidato ao “primeiro passo”. Para pensar!
Quanto as gramíneas tropicais, os valores são outros, mas a ideia, o conceito, a reflexão, é semelhante.
Estudos mencionados no texto:
1) Dalley, D. E. et al. Dry matter intake, nutrient selection and milk production of dairy cows grazing rainfed perennial pastures at different herbage allowances in spring. Aust. J. Exp. Agric., v. 39, p. 923–31, 1999.
2) Ribeiro Filho, H. M. N. et al. Consumo de forragem e produção de leite de vacas em pastagem de azevém-anual com duas ofertas de forragem. R. Bras. Zootec., v. 38, n. 10, p. 2038-2044, 2009.
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