O leite é um alimento altamente perecível devido aos seus fatores intrínsecos como: alto teor de nutrientes, alta atividade de água (0,99), pH próximo à neutralidade (6,6-6,8) e potencial de oxirredução positivo.
Tais fatores somados à alta manipulação desta matéria-prima aumentam os riscos de contaminação por microrganismos patogênicos e transmissão de doenças para os consumidores. Neste sentido, existem alguns testes rápidos e simples, denominados como semiquantitativos, que podem ser realizados a fim de investigar a qualidade microbiológica do leite cru, visando classificá-lo como apto ou impróprio para o processamento e consumo.
Desta forma, esse artigo técnico apresenta informações sobre os testes de redução de corantes, utilizando o azul de metileno e a resazurina. Esses métodos apresentam vantagens como o curto tempo de execução, baixo custo e pouca demanda de equipamentos e materiais.
Teste de redutase – Azul de metileno
O teste de redutase é um indicador rápido do nível de contaminação microbiana aproximada do leite. O método é baseado no consumo de oxigênio presente no leite por bactérias resultante em um abaixamento do potencial de oxirredução, causando a descoloração de uma solução preparada com azul de metileno.
O azul de metileno em sua forma oxidada (na presença de oxigênio) apresenta coloração azul, já em sua forma reduzida (ausência de oxigênio), se torna incolor (Figura 1). Sendo assim, quanto maior for a quantidade de bactérias presentes no leite, maior será o consumo de oxigênio e mais rápido será o desaparecimento da cor azul (EMBRAPA, 2021).
Figura 1. Teste de redutase em leite contaminado.
Fonte: autores.
Para a realização do teste adiciona-se 1 mL da solução de azul de metileno (concentração do corante de 0,005% em água previamente esterilizada) em 10 mL da amostra de leite. A mistura deve ser incubada em banho-maria a 37 °C e o tempo deve ser monitorado até a completa descoloração (FERNANDES e MARICATO, 2010).
Inicialmente, os tubos contendo leite já deverão ter sua temperatura ajustada a 37 °C no momento da adição do azul de metileno. As amostras podem ser classificadas de acordo com o tempo de redução do azul de metileno (TRAM) (Tabela 1).
Tabela 1. Classificação da qualidade do leite pelo método do azul de metileno.
Apesar da correlação entre o tempo de redução da cor e o número de bactérias presente no leite, esta não é uma associação exata, pois alguns fatores também podem influenciar no resultado do teste, como:
- Tipos de microrganismos presentes no leite;
- Temperatura ótima de crescimento desses microrganismos – podendo diferir da temperatura de incubação utilizada no teste;
- Exposição à luz – que possui atuação direta sobre o corante;
- Presença de substâncias inibidoras (antibiótico) no leite – aumentando o tempo de redução;
- Quantidade de oxigênio presente no leite;
- Ação de enzimas – que podem atuar como oxidorredutases.
Além disso, outro fator muito importante é a capacidade de cada microrganismo em reduzir o corante (EMBRAPA, 2021). Em geral, os coliformes, Bacillus cereus e Lactococcus lactis possuem maior capacidade de redução do corante quando comparados aos psicrotróficos e termófilos.
Alguns Streptococcus causadores de mastite bovina não reduzem o azul de metileno, podendo gerar um resultado errôneo em relação à qualidade do leite. Portanto, para confirmação, é fundamental realizar em paralelo à contagem padrão em placas (CPP) de microrganismos aeróbios mesófilos para detectar o nível de contaminação de forma quantitativa.
Método resazurina – Alternativo ao azul de metileno
O método da resazurina é uma alternativa ao azul de metileno. Para a realização desse teste adiciona-se 1 mL da solução de resazurina (concentração do corante de 0,005% em água previamente esterilizada) em 10 mL da amostra de leite.
A mistura deve ser incubada em banho-maria a 37 °C durante 1 hora. Novamente, os tubos contendo leite já deverão ter sua temperatura ajustada a 37 °C no momento da adição do corante. Após 1 hora retirar o tubo do banho-maria e interpretar os resultados. Neste caso, as amostras podem ser classificadas de acordo com a coloração adquirida ao final do teste (Tabela 2 e Figura 2).
Tabela 2. Classificação da qualidade do leite pelo método da resazurina após 1 hora.
Figura 2. Possíveis resultados para a análise de resazurina.
Fonte: autores.
É importante que as amostras sejam coletadas seguindo todas as recomendações de boas práticas, tanto de manipuladores quanto de materiais e equipamentos, e após a coleta sejam colocadas em frascos estéreis. O ideal é a realização dos testes de forma imediata, no entanto, caso não seja possível, as amostras devem ser armazenadas sob refrigeração até o momento das análises.
De acordo com a Instrução Normativa 76 de 2018, o leite de vaca cru refrigerado deve apresentar médias de contagem padrão em placas (CPP) de no máximo 300.000 UFC/mL. Já na usina de beneficiamento, o leite cru refrigerado, antes do seu processamento, deve apresentar limite máximo de 900.000 UFC/mL (BRASIL, 2018).
Desta forma, o bom resultado em um teste semiquantitativo pode ser indicativo de um leite cru de boa qualidade microbiológica ou da presença de substâncias inibidores de crescimento bacteriano, como, por exemplo, os antibióticos.
Neste caso, testes de detecção de antibióticos no leite cru também devem ser realizados, pois a presença de resíduos de antibióticos em leite pode causar efeitos adversos para a saúde pública, além de problemas tecnológicos para a indústria, principalmente na fabricação de produtos lácteos fermentados e maturados, como iogurtes e queijos.
Por fim, deve-se ressaltar que os testes semiquantitativos são excelentes indicadores da qualidade do leite, porém não conseguem indicar a presença de microrganismos patogênicos. Portanto, para identificá-los é necessária a realização de análises microbiológicas específicas para esses grupos.
Considerações finais
Apesar de algumas limitações, os testes semiquantitativos (como o teste de redutase) são valiosos para avaliação da qualidade microbiológica do leite cru, devido à facilidade de aplicação, baixo custo e rápido diagnóstico.
Esses testes são fundamentais para avaliar as condições higiênico-sanitárias durante a obtenção da matéria-prima, e ratificar a importância da aplicação das boas práticas durante a obtenção, coleta e transporte do leite cru visando o beneficiamento de um leite que esteja em consonância com os requisitos preconizados pelas legislações vigentes.
Autores
Isabela Soares Magalhães (Nutricionista, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV)
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV)
Agradecimentos
Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).
Referências
BRASIL. Instrução Normativa nº 76, de 26 de novembro de 2018. Aprova os Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade de Leite Cru Refrigerado, Leite Pasteurizado e Leite Pasteurizado Tipo A. Diário Oficial da União, 2018
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Redutase. 2021. Disponível em:https://www.embrapa.br/agencia-de-informacao-tecnologica/criacoes/gado_de_leite/pre-producao/qualidade-e-seguranca/qualidade/testes-de-qualidade/redutase Acesso em: 03 de nov. de 2022.
FERNANDES, V. G.; MARICATO, E. Análises físico-químicas de amostras de leite cru de um laticínio em Bicas-MG. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, v. 65, n. 375, p. 3-10, 2010.