Iogurte e o papel da sacarose
O iogurte é um produto lácteo fermentado a partir das culturas lácticas de Streptococcus salivarius subsp. thermophilus e Lactobacillus delbrusckii subsp. Bulgaricus (Brasil, 2007). Atualmente, os leites fermentados, como o iogurte, se destacam como um alimento funcional, devido à presença destas culturas que, em concentrações elevadas, podem conferir benefícios a saúde dos consumidores (Nagaoka, 2019). Por outro lado, essa imagem positiva é prejudicada devido à maioria dos iogurtes disponibilizados no mercado serem ricos em açúcar adicionado.
Com a busca por um estilo de vida mais saudável, os consumidores optam em diminuir o consumo de produtos com alto teor de açúcar. O resultado disso tem sido a oferta crescente de produtos reformulados, com menores teores ou até mesmo com a substituição integral de sacarose.
Por outro lado, a sacarose desempenha diversas funções no iogurte, como, por exemplo, ajuda a fornecer doçura e textura ao produto, melhorando assim sua aceitação sensorial. O açúcar é conhecido por suprimir a acidez e o amargor em muitos produtos alimentícios (Pineli et al., 2016).
Da mesma forma, o açúcar permite a supressão da acidez causada pelos ácidos produzidos durante a fermentação do iogurte (Tamime & Robinson, 2007). Entre outras funções, além de fornecer doçura, a sacarose contribui para os sólidos totais do produto e fornece textura, corpo, viscosidade e retenção de água (Popa & Ustunol, 2011).
Como as preferências da maioria dos consumidores de iogurtes são influenciadas principalmente pelo sabor, aroma e textura (Bayarri et al., 2011; Grygorczyk et al., 2013; MCCain et al., 2018), a substituição ou remoção da sacarose no iogurte é um desafio.
Neste contexto, para se manter competitiva no mercado, oferecendo produtos clean label, bem como para atender aos novos requisitos de rotulagem nutricional, os laticínios têm aumentado seus esforços para criar novas abordagens tecnológicas para diminuir o teor de açúcar dos iogurtes sem afetar a aceitabilidade e o interesse de compra do consumidor. A seguir algumas estratégias serão apresentadas como possíveis alternativas para alcançar esse objetivo.
Métodos para redução de açúcar na produção de iogurte
Dentre os vários métodos para redução de açúcar, os principais são:
- (i) Hidrólise de lactose;
- (ii) Iogurte com polpa ou preparado de frutas;
- (iii) Substituição da ultrafiltração por nanofiltração;
- (iv) Substituição parcial ou total por adoçantes;
- (v) Redução gradual de sacarose.
Hidrólise da lactose
A hidrólise da lactose ocorre com a utilização da enzima lactase, também chamada de β-galactosidase. A lactase catalisa a hidrólise deste dissacarídeo com a liberação de dois monossacarídeos, glicose e galactose.
Esses dois monossacarídeos apresentam um poder de doçura maior comparado com a lactose (Tabela 1), e por isso é uma estratégia útil para a redução de sacarose adicionada no iogurte. Para exemplificação, a hidrólise da lactose usando lactase aumenta a doçura do leite em quase três vezes (Adhikari et al., 2010). Isso significa um aumento de doçura equivalente a 2% de sacarose adicionado (Mahato et al., 2020).
Tabela 1. Poder de dulçor relativo de diferentes açúcares.
Fonte: Varzakas et al. (2012).
Diversas empresas comercializam uma gama de lactases produzidas por diferentes microrganismos. Estrategicamente, essas enzimas são adicionadas no leite em dosagens recomendadas pelo fabricante após o tratamento térmico para que a hidrólise ocorra durante a fermentação sem atrasar o início da fermentação.
Skryplonek et al. (2017) adicionaram a lactase durante a fermentação para a produção de iogurte sem lactose. Os autores observaram que a hidrólise da lactose, além de melhorar o dulçor, também resultou em melhor textura devido à depressão no ponto de congelamento decorrente da formação de açúcares simples. Entretanto, apesar de ser uma estratégia interessante para aumentar a doçura do iogurte, o custo dessa operação pode ser um desafio para algumas indústrias.
Iogurte com polpa ou preparado de frutas
Uma abordagem para aumentar a doçura e mascarar a acidez do iogurte seria combinar iogurte com polpa ou preparações de frutas em proporções adequadas. As frutas contêm naturalmente açúcares em sua composição, sendo uma opção natural para melhoria do aroma e sabor do produto. Além disso, as frutas podem contribuir também com outros aspectos, como textura e cor.
Por outro lado, a adição de frutas torna o produto mais caro, além disso, algumas frutas são típicas de cada estação do ano, o que pode dificultar a produção do iogurte em época de entressafra. Além disso, o processamento das polpas exige processos tecnológicos adequados e após a adição-formulação, a estabilidade física do iogurte deve ser avaliada durante a comercialização para verificar possíveis defeitos, como sinérese e separação de fase.
Já a adição de preparados de frutas, apresentam desafios em relação aos aditivos presentes na formulação, uma vez que esses preparados geralmente são adicionados de conservantes, aromatizantes, corantes, espessantes e gelificantes, o que afeta os conceitos de saudabilidade e rótulo clean label.
Substituição da ultrafiltração pela nanofiltração
A ultrafiltração é uma estratégia que pode ser usada para fabricação de iogurte grego, devido a concentração das proteínas durante esse processo, resultando em um produto de alta consistência. Por outro lado, durante a ultrafiltração do leite, a lactose é permeada no soro, necessitando, portanto, da adição de sacarose em iogurtes comerciais para aumentar o dulçor e aceitação pelo consumidor.
Desta forma, a substituição da ultrafiltração pela nanofiltração pode ser uma interessante estratégia, uma vez que esse processo pode reter as moléculas de lactose, bem como os monossacarídeos (glicose e galactose) presente no leite.
O sucesso da abordagem foi alavancado em patentes por grandes empresas do setor (Ramage et al., 2016). Os autores relataram um aumento da doçura do iogurte submetido à hidrólise da lactose seguida de nanofiltração ou osmose reversa em pressões específicas.
Substituição parcial ou total por adoçantes
Atualmente, a principal estratégia aplicada para reduzir a quantidade de sacarose adicionada na produção de iogurte sem a perda da doçura é por meio da utilização de edulcorantes. Os edulcorantes são substâncias naturais ou artificiais de alto poder adoçante que conferem calorias reduzidas ou inexistentes em relação à sacarose.
Alguns exemplos de adoçantes adicionados para diminuir a percepção da acidez são: adoçantes não nutritivos de alta intensidade (como a sucralose, aspartame e stevia) e polióis (como xilitol, eritritol, sorbitol e maltitol).
Cada edulcorante possui atributos peculiares de solubilidade e estabilidade para utilização em produtos alimentícios. Para sistemas alimentares do tipo iogurte, intensidade, estabilidade ao pH e sabores estranhos devem ser levados em consideração. Portanto, estudos devem ser realizados para avaliar o efeito dos edulcorantes adicionados sobre os sabores residuais desagradáveis e alterações nas propriedades físico-químicas do produto.
Redução gradual de sacarose
Conforme discutido neste artigo, os iogurtes sem adição de sacarose são menos aceitos pelos consumidores devido à alta acidez. Desta forma, concentrações significativas de sacarose são adicionadas para aumentar a aceitação deste produto. Neste sentido, a redução gradual da sacarose pode ser uma estratégia interessante.
Especificamente, a redução gradual da sacarose é um método em que a quantidade de sacarose adicionada na produção do iogurte é reduzida de forma lenta e progressivamente, de modo que os consumidores não possam distinguir facilmente as diferenças e se adaptem gradualmente a um menor teor de açúcar sem afetar seu reconhecimento sensorial.
Conclusão
A redução de açúcares em iogurtes é uma necessidade de mercado e as indústrias lácteas estão empenhadas na busca por alternativas que atendam a essa demanda sem comprometer a qualidade e aceitação sensorial do produto.
O maior desafio encontrado pelas indústrias é selecionar qual a melhor estratégia a ser utilizada, visto que existem algumas desvantagens que devem ser superadas para proporcionar um iogurte com baixo teor de açúcar e alta aceitabilidade. Desta forma, o desenvolvimento de tecnologias e estudos na área são fundamentais para produção de iogurtes que atendam aos anseios dos consumidores e os requisitos de saudabilidade.
Autores
Profa. Dra. Ana Flávia Coelho Pacheco (Professora e Pesquisadora da Epamig Instituto de Laticínios Cândido Tostes e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Prof. Dr. Junio Cesar J. De Paula (Professor e Pesquisador da Epamig Instituto de Laticínios Cândido Tostes).
Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva (Professor/Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG).
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Agradecimentos
Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).
Referências
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