As indústrias de lácteos têm passado por grandes desafios que vêm exigindo delas adaptações rápidas e precisas para se adequar à realidade do mercado. Dentro os desafios, podemos citar a indisponibilidade de matérias-primas; o aumento sucessivo e imprevisível de itens essenciais; a falta de mão de obra; demanda de mercado oscilante e a busca dos consumidores por alimentos mais focados em funcionalidade. Nesse sentido, as tecnologias são grandes aliadas às indústrias para a extensão do portfólio da empresa, melhorias nos produtos já existentes e também ampliação nas margens de lucro.
Uma das tecnologias que contribui para isso é a filtração por membranas. Esse processo tem sido bastante utilizado e consiste na concentração e separação de constituintes de um fluido através de uma membrana porosa, com base no peso molecular e forma, sem aplicação de calor e utilização de pressão diferenciada.
Os sistemas de filtração por membranas são classificados com base no tamanho dos poros da membrana, sendo divididos em: microfiltração, ultrafiltração, nanofiltração e osmose reversa.
Hoje conversaremos mais a respeito da ultrafiltração (UF). Nesse processo, utilizam-se membranas com tamanhos de poros de 1 a 100 nm e pressões de 15 a 150 psi, ocasionando a concentração e purificação de componentes com peso molecular de 1 a 200 kDa, como proteínas, carboidratos, polissacarídeos e enzimas.
No final do processo de UF temos dois produtos: o retentado ou concentrado (fração que não passa pela membrana) e o permeado ou filtrado (fração que passa pela membrana). Assim, as membranas são permeáveis a compostos de baixo peso molecular e retêm os de alto peso molecular.
No processo de UF de leite temos a geração de um permeado composto de lactose (maior parte), sais minerais, compostos nitrogenados não proteicos e vitaminas, e um concentrado com proteínas (maior percentual) e gordura.
Mas como utilizar a UF na indústria de lácteos? O que fazer com os produtos obtidos da UF do leite? Temos várias formas de utilização dependendo do objetivo. Segue abaixo algumas maneiras de utilização da sua linha de UF.
- Concentração das proteínas do leite
O processo de UF possibilita o desenvolvimento de novos produtos com maior valor agregado e é muito utilizado na elaboração de produtos lácteos com alto teor de proteínas. Dentre os produtos com alto teor proteico e direcionados a públicos específicos, podemos citar o leite UHT, os iogurtes e as bebidas lácteas.
O leite ultrafiltrado também é utilizado para melhor aproveitamento dos sólidos suspensos no leite na produção de queijos. Alguns queijos com baixo teor de gordura que apresentam textura mais firme, menor rendimento e problemas de acidez quando comparado aos queijos tradicionais podem ter seu rendimento e qualidade melhorados pela utilização de leite desnatado ultrafiltrado.
Isso ocorre pela redução no conteúdo de lactose, que diminui a acidificação, e incorporação das proteínas do soro, que aumenta a capacidade de retenção de água e reduz a dessoragem.Os queijos frescos também podem ser produzidos a partir de concentrado de leite por UF e confere além de maior rendimento, uma massa mais sólida e fechada, e aumento na vida útil do produto.
- Concentração da proteína do soro de leite
O soro proveniente da produção de queijos, coproduto de queijarias, possui em sua composição proteínas, lactose, vitaminas solúveis e minerais. As proteínas do soro possuem alta qualidade biológica e propriedades emulsificantes, espumantes e gelificantes para utilização em uma ampla variedade de alimentos. Por esse motivo, o soro pode ser submetido ao processo de UF para a concentração das proteínas e aplicação em derivados lácteos e, por isso, torna-se uma estratégia rentável para a indústria.
Em estudo realizado pela Iltchenco et al., 2018, o concentrado obtido pela UF do soro de leite mostrou uma retenção média de proteína de 55 a 80% para membrana de 100 e 10kDa, respectivamente, e boas propriedades emulsificantes.
A fração do soro concentrada por UF é denominada como concentrado proteico de soro (CPS), ou em inglês Whey Protein Concentrate (WPC), quando possui um percentual de proteína entre 34 a 82%. Esse CPS é um ingrediente que pode ser utilizado para a substituição parcial da gordura em alguns produtos lácteos, como requeijão, por proporcionar características sensoriais e físicas similares as das gorduras. Pode ser adicionado em formulações de diferentes tipos iogurtes para melhor textura e cremosidade e a uma variedade de queijos cremosos (cream cheese) e macios (Camembert).
- Padronização de proteínas
O processo de UF permite o ajuste de proteínas de alguns derivados lácteos para atenderem ao regulamento técnico de identidade e qualidade do produto. Por exemplo, a legislação brasileira permite, de acordo com a Instrução Normativa Nº 47, a utilização de permeado de leite para o ajuste do teor de proteínas do leite condensado.
Para ajustar o teor de proteína do leite em pó podem ser utilizados tanto o retentado quanto o permeado de leite integral, parcialmente desnatado ou leite desnatado proveniente da ultrafiltração, conforme Instrução Normativa Nº 53.
O concentrado de leite também pode ser utilizado na padronização do teor de proteínas em queijos, iogurtes, cream cheese, quark e iogurte grego.
- Ganho em eficiência de processo
A utilização de processos que empregam membranas está associada ao menor consumo de energia quando comparado aos processos de concentração convencionais, como evaporação, e também a redução das perdas nutricionais dos compostos termolábeis associada ao aquecimento.
Na obtenção de queijos frescos, a UF permite a redução de tempo de fabricação, menor emprego de mão de obra, redução de custos e melhor padronização do produto final. Por exemplo, pode-se adicionar fermento láctico, coalho e sal ao retentado proveniente da UF do leite obtendo queijos com composição adequada prontos para serem comercializados. Os queijos petit suisse, quark, cream cheese e Camembert estão entre os produtos obtidos pelo processo de UF.
Consideração Final
Como vimos, a ultrafiltração é uma tecnologia com vários benefícios para a indústria de laticínios, podendo ser utilizada para o desenvolvimento de novos produtos com apelação nutricional ou sensorial melhorada, para melhor aproveitamento dos sólidos suspensos no leite na produção derivados lácteos, redução no descarte de coprodutos gerados e aumento da eficiência do processo.
Referências
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