O aquecimento global e suas possíveis consequências sobre a vida na terra tem ganhado cada vez mais espaço e importância no seio da sociedade, transformando a mitigação das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no foco principal dos debates e políticas ambientais, tanto ao nível da gestão pública quanto das grandes empresas transnacionais.
No Brasil, o tema ganhou grande relevância recentemente com a publicação do Decreto 11.075 de 19/05/2022, que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, criando as bases para o estabelecimento do mercado regulado de carbono no Brasil, com foco na exportação de créditos de carbono, especialmente para países e empresas que precisam compensar emissões para cumprir com seus compromissos de neutralidade.
Como um dos setores a serem regulados é a Agropecuária, esse mercado trará grandes perspectivas para uma mudança nos modelos de produção, que passariam a contar com uma opção de monetização das boas práticas de manejo em sistemas produtivos mitigadores.
Globalmente, as emissões de GEE devido às ações humanas somam em torno de 50 bilhões de toneladas de CO2-eq por ano, segundo compilações do WRI (World Resources Institute). Destes, aproximadamente três quartos derivam do uso de energia para os diferentes fins (industrial, transporte, consumo doméstico e comercial, etc).
Por sua vez, o setor denominado de Agricultura, Floresta e Uso da Terra (AFOLU) gera cerca de 18% das emissões, dos quais 6% são provenientes da pecuária, sendo 2,2% atribuídos à produção de leite, de acordo com estimativas recentes do IFCN (Rede Internacional de Comparação de Fazendas).
No Brasil, existe uma inversão de padrão em relação à média global devido à parte importante de fontes renováveis na sua matriz energética e, de acordo com o Observatório do Clima, o setor “Agricultura, Floresta e Mudança de Uso da Terra” é o que mais emite GEE no país. Com 939 milhões de toneladas de CO2-eq em 2020, o setor respondeu por 61% das emissões líquidas. Desse montante, 577 milhões de toneladas de CO2-eq (38%) corresponderam a atividade agropecuária, sendo que a pecuária de corte foi responsável por 65,9% e a de leite por 9,3% das emissões do agro. Assim, a produção de leite respondeu por pouco mais de 3% das emissões de GEE do Brasil em 2020.
Imagem 1 - Emissões líquidas de GEE no Brasil em 2020
Diversos estudos tem apontado quais são as principais fontes de emissões na produção de leite dentro da porteira da fazenda e identificado práticas de manejo mitigadoras. Os principais gases envolvidos são o metano (CH4), o dióxido de carbono (CO2) e o óxido nitroso (N2O) que derivam principalmente da fermentação no sistema digestivo dos animais (fermentação entérica), do manejo do esterco produzido e do uso de fertilizantes nitrogenados para a produção de alimentos.
Externamente, a aquisição de alimentos como silagem, concentrados, soja e milho e também de combustíveis fósseis, entre outros insumos, carreiam para o sistema as emissões geradas durante a sua produção.
O metano proveniente da fermentação entérica é o que mais contribui para emissões de GEE na produção de leite, sendo responsável por 40 a 58% do total, seguido da produção de alimentos para os animais e o manejo dos dejetos.
Assim, práticas mitigatórias para reduzir as emissões de GEE da produção de leite devem focar nesses fatores, tais como:
- Aumento da produtividade: O uso de diversas práticas como a seleção de animais, o manejo adequado da nutrição, a promoção do bem-estar, etc que promovam o aumento da produtividade por animal e por área tem grande potencial mitigatório, uma vez que, para uma mesma quantidade de leite produzido, menos recursos serão utilizados e menos GEE serão emitidos, reduzindo-se assim a intensidade de emissões.
- Redução da fermentação entérica: Como mencionado, cerca de metade de toda emissão de GEE é proveniente da fermentação entérica. Por sua vez, a digestibilidade da dieta ofertada ao rebanho é o fator que mais influencia a produção de metano pela fermentação na digestão dos animais. Assim, uma dieta balanceada, com alta digestibilidade, tem o potencial de reduzir substancialmente as emissões de metano. Além disso, o uso de aditivos alimentares, muitos ainda em fase de pesquisa, podem reduzir de forma significativa a produção do metano entérico.
- Manejo do rebanho: um rebanho bem manejado, com bons índices zootécnicos e genética melhorada, tem potencial de mitigação das emissões de GEE pois ampliam a proporção de animais em produção no total do rebanho.
Animais não produtivos ou de baixa produtividade emitem grandes quantidades de GEE para sua manutenção sem apresentarem uma contrapartida correspondente em termos de leite produzido.
- Recuperação de pastagens: Apesar do balanço de carbono no solo ainda não ser contabilizado nos inventários nacionais de emissões e, portanto, não ser computado para a verificação do cumprimento das metas climáticas pelo Brasil, o solo tem um enorme potencial de remoção e estocagem de C.
Enquanto as pastagens degradadas são as principais fontes de emissões do solo, as pastagens bem manejadas são capazes de sequestrar enormes quantidades de CO2. Assim, recuperação e a manutenção de pastagens em boa qualidade e com alta produtividade de forragens tem um grande potencial mitigatório, capturando grandes quantidades de carbono da atmosfera e estocando-os no solo.
- O uso de sistemas integrados Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF): Assim como as pastagens bem manejadas, os sistemas ILPF têm um grande potencial de sequestrar o CO2 atmosférico e estocar o C no solo.
Além disso, quantidades substanciais de carbono também podem ser fixadas na biomassa das árvores por meio da fotossíntese nos sistemas que incluem o componente florestal, desde que a madeira seja usada na forma sólida (móveis, estruturas para construção civil não descartáveis, etc) e não ser queimada como carvão ou destinada à produção de papel e celulose.
- Manejo adequado de dejetos: Os dejetos são uma das principais fontes de emissões de metano e de óxido nitroso na produção de leite. Assim, boas práticas de manejo, evitando-se as lagoas abertas e favorecendo a digestão anaeróbia e o retorno frequente dos dejetos para as áreas de pastagens e de produção de alimentos reduz as emissões de GEE pelo sistema.
- Uso racional de adubos nitrogenados: Uma fração importante dos adubos nitrogenados, especialmente a ureia, que são aplicados nas pastagens e nas áreas de lavoura, emitem quantidades substanciais de N2O, um gás com potencial de aquecimento global 273 vezes maior do que o CO2.
Assim, o uso racional de adubos nitrogenados, favorecendo fontes de N que emitem menos óxido nitroso, o fracionamento das aplicações e o uso desses fertilizantes em momentos de maior demanda pelas pastagens e as culturas reduz as emissões derivadas da adubação nitrogenados.
- Ampliar o uso de fontes renováveis de energia: Apesar do Brasil possuir uma matriz energética mais limpa do que a média mundial, ainda existem ganhos que podem ser conquistados em termos de mitigação de GEE pelo meio de fontes renováveis de energia como pelo uso de painéis solares ou de biodigestores, tanto para a geração de eletricidade quando para a produção do biometano que, potencialmente, pode ser usado como combustível na propriedade.
Além disso, a ampliação no uso de biocombustíveis como o etanol e o biodiesel reduz as emissões diretas provocadas pela sua combustão, bem como as indiretas, derivadas do processo de extração do petróleo, transporte, refino e produção do combustível.
- Favorecer a produção local de alimentos e o aproveitamento de subprodutos: No Brasil, uma fração importante da soja e do milho usados na produção animal é proveniente de áreas de fronteira agrícola e carregam consigo uma alta taxa de emissões de C derivadas do desmatamento, contribuindo para elevar a intensidade de emissões do leite produzido.
Assim, a produção de alimentos para os animais dentro da propriedade e/ou a sua aquisição de áreas consolidadas (onde não ocorre desmatamento) reduz as emissões secundárias do sistema de produção. Além disso, subprodutos agroindustriais como o resíduo úmido de cervejaria, a polpa cítrica, subprodutos das indústrias de milho e mandioca são alternativas de baixa intensidade de emissões que podem ser utilizadas na alimentares dos animais.
Em conclusão, há uma gama de alternativas de manejo que podem ser combinadas para se reduzir as emissões de gases de efeito estufa na produção de leite. E com a criação do mercado regulado de carbono no Brasil, existe uma perspectiva de que muitas dessas práticas possam monetizadas, ampliando-se e diversificando-se as fontes de renda para o produtor brasileiro.
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Autores
Inácio de Barros - Embrapa Gado de Leite
Vanessa Romário de Paula - Embrapa Gado de Leite