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'Flavour' em produtos lácteos

INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS

EM 24/07/2023

9 MIN DE LEITURA

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Introdução

Ao longo da história da humanidade, o sabor tem sido o principal atributo para a distinção e caracterização sensorial dos alimentos. Atualmente, uma ampla variedade de ingredientes está disponível no mercado, tanto de forma isolada quanto em combinação, permitindo assim a obtenção de uma infinidade de sabores.

O sabor ou flavour, como atributo sensorial de um alimento, é definido como a experiência mista, mas unitária, das sensações olfativa, gustativa e trigeminal percebidas durante a degustação. Pode ser influenciado pelos efeitos tátil, térmico, doloroso e cinestésico (IFT, 1981). Preliminarmente, distinguem-se três sentidos químicos: gosto, odor e aroma.

O primeiro está relacionado aos compostos solúveis em água, enquanto os outros dois são sentidos a partir dos voláteis específicos. Assim, a combinação de gosto, odor e aroma, juntamente aos estímulos táteis, como a estrutura física do alimento, a temperatura e a sensação na boca ao mastigar, levam à percepção do sabor (Figura 1) (LAING & JINKS, 1996).

Figura 1. Variáveis relacionadas à sensação de sabor nos alimentos.

Variáveis relacionadas à sensação de sabor nos alimentos.

O leite fresco íntegro possui sabor pouco pronunciado, apresentando-se como doce e salgado devido à relação entre lactose e sais, não ácido e não amargo, podendo ser afetado em condições como a ocorrência de mastite, a alimentação dos animais (ração, silagem e concentrados, dentre outros) e/ou o ambiente de ordenha (COSTA JÚNIOR, 2020).

Provavelmente, o leite possui mais de 100.000 componentes, embora a maioria ainda não tenha sido identificada. Devido à elevada complexidade, o leite e seus derivados podem apresentar uma infinidade de sabores, em função de fatores intrínsecos, como a composição, e extrínsecos, como a temperatura e as características de processamento específicas para cada produto lácteo (SMIT, SMIT & ENGELS, 2005).

Neste contexto, este artigo tem o objetivo discutir sobre flavour em produtos lácteos, tanto em relação a aspectos desejáveis como indesejáveis.

Flavour em leite e derivados

A concentração mínima a qual um composto pode ser percebido quanto ao sabor varia amplamente entre as substâncias químicas presentes nos alimentos. Entretanto, uma substância que apresenta um sabor agradável em baixas concentrações, muitas vezes causa uma sensação desagradável quando encontra-se em maiores quantidades no alimento (SMIT et al., 2004).

A maioria dos compostos aromáticos voláteis são hidrofóbicos, podendo-se interagir com as proteínas, como as caseínas e proteínas do soro do leite, diminuindo consideravelmente a percepção do sabor (SMIT, SMIT & ENGELS, 2005). Por outro lado, as substâncias que causam um sabor forte mascaram a percepção de sabores fracos.

No leite in natura, os principais compostos de sabor não voláteis são a lactose e os sais solúveis, que causam um gosto doce ou salgado, respectivamente. A doçura causada pela lactose é diminuída pelos sais dissolvidos e pelas micelas de caseína no leite. Entretanto, prevalece o gosto doce (SMIT, SMIT & ENGELS, 2005).

Já o gosto salgado é predominante se a relação cloretos/lactose for elevada, como no leite mastítico ou no leite em fase final da lactação. Alguns compostos voláteis, como sulfeto de dimetila, diacetil, 2-metilbutanol e alguns aldeídos são responsáveis pelo sabor característico do leite cru fresco (JO et al., 2018).

Já quanto ao teor de gordura, leites desnatado e integral diferem consideravelmente em relação ao sabor. Os glóbulos de gordura são amplamente responsáveis pela cremosidade, o que faz com que a percepção do sabor seja mais intensa. Alguns compostos solúveis em gordura contribuem para a cremosidade, especialmente δ-lactonas, além do ácido cáprico e láurico livres, indol (1-benzopirrol) e escatol (3-metilindol). Além disso, elementos traços de 4-cis-heptenal (resultante da auto-oxidação) também podem contribuir (FOX; McSWEENEY, 1998).

Possivelmente, a própria presença física dos glóbulos de gordura desempenhe um papel importante na cremosidade. Por exemplo, o creme de leite ou o requeijão pastoso apresentam maior cremosidade do que o leite.

Em queijos, os compostos de sabor surgem da ação de enzimas do coalho, do leite e das culturas starters e não starters (secundárias), juntamente com transformações não enzimáticas. Durante a maturação, o desenvolvimento do sabor é um processo lento e complexo, envolvendo diversas transformações químicas, bioquímicas e microbiológicas específicas para cada variedade de queijos. 

Três vias principais podem ser identificadas: o metabolismo da lactose e citrato (glicólise), da gordura (lipólise) e das proteínas, especialmente as caseínas (proteólise), dando origem a diversos compostos aromáticos como peptídeos, cetonas, aminoácidos livres, ácidos orgânicos (como os ácidos lático e fórmico) e ácidos graxos livres, que irão conferir o sabor, aroma, odor, textura e consistência característicos de cada queijo (WOLFSCHOON-POMBO & LIMA, 1983). 

Em alguns tipos de queijos, como os azuis e o parmesão, a lipólise é desejável e pode alcançar altos níveis de atividade, influenciando positivamente e proporcionando o sabor e aroma peculiares (COLLINS et al., 2003).

Em iogurtes, a fermentação da lactose por bactérias ácido láticas leva à formação de lactato, mas uma fração do piruvato, metabólito intermediário, alternativamente pode ser convertida em vários compostos de sabor, como diacetil, acetoína, acetaldeído ou ácido acético (SMIT et al., 2004).

Em doce de leite, o sabor “caramelizado” dá-se principalmente em função da reação de Maillard, a qual é induzida termicamente e ocorre entre um grupo amino livre proteico e uma carbonila da lactose. Os produtos finais da reação de Maillard são polímeros de cor marrom, chamados melanoidinas. Entretanto, os metabólitos intermediários são importantes, pois também são responsáveis pela cor e flavour característicos do doce de leite.

Flavours indesejáveis no leite e derivados

O leite in natura pode ter sabores estranhos provenientes da alimentação do animal. Se a vaca sofre de cetose, por exemplo, devido à deficiência proteica na alimentação, maiores concentrações de cetonas (especialmente acetona) podem ser encontradas no leite. Consequentemente, o leite apresenta um sabor estranho (FOX; McSWEENEY, 1998).

A deterioração microbiana do leite pode produzir defeitos de sabor. Estes podem ser referidos como ácido, frutado ou éster, maltado ou queimado, fenólico, amargo, rançoso, dentre outros (FOX; McSWEENEY, 1998).

As alterações enzimáticas incluem a lipólise. Os ácidos graxos livres resultantes de 4 a 12 átomos de carbono são responsáveis pelo aparecimento de um sabor rançoso em manteiga e creme de leite. Já a auto-oxidação da gordura, causada pela ação catalítica do cobre ou pela luz, pode levar à rancidez oxidativa (JO et al., 2018).

Vários compostos carbonílicos contribuem para o sabor desagradável, especialmente alguns aldeídos poliinsaturados. Já os fosfolipídios na membrana dos glóbulos de gordura podem ser oxidados, originando um sabor “metálico” no creme de leite (ARAÚJO, 2006).

A pasteurização do leite diminui a sensação de sabor característico do leite cru fresco. Tratamentos térmicos mais intensos, como no leite UHT, resultam em um sabor “cozido”, causado principalmente pelo ácido sulfídrico (H2S). Este composto deriva principalmente de uma proteína da membrana do glóbulo de gordura, razão pela qual o creme de leite é muito mais sensível ao desenvolvimento de um sabor “cozido” do que o leite (PARK & DRAKE, 2016).

Vários compostos de sabor também resultam da degradação da lactose, em parte por meio da reação de Maillard (KOKKINIDOU & PETERSON, 2014; TROISE et al., 2014). Os principais compostos que causam sabor desagradável são maltol, isomaltol e algumas furanonas. Outros componentes que podem ser responsáveis são cetonas e lactonas oriundas da degradação de ácidos graxos (CALVO & HOZ, 1992).

Em queijos, a proteólise se dá principalmente em função do resíduo de coagulante. Entretanto, a hidrólise das caseínas pode ocorrer também pela ação de proteases microbianas provenientes do fermento e das proteases nativas do leite, como a plasmina (FOX; McSWEENEY, 1998).

Estas reações proteolíticas são responsáveis pela hidrólise das caseínas em peptídeos de grande e média massas molares. Esses peptídeos causam alterações na textura dos queijos durante a maturação. Entretanto, também podem provocar o aparecimento de gosto amargo indesejável (WOLFSCHOON-POMBO & LIMA, 1983).

A Figura 2 sintetiza os principais flavours indesejáveis que podem estar presentes no leite e derivados:

Figura 2. Flavours indesejáveis em leite e derivados.

Flavours indesejáveis em leite e derivados.

Consideração finais

Por meio da análise sensorial, muitas informações importantes podem ser obtidas, especialmente sobre a caracterização dos compostos responsáveis pelo flavour em produtos lácteos. A posteriori, pode-se identificar a causa de sua presença, seja desejável ou indesejável. Na maioria dos casos, um grande número de compostos, atuando sinergicamente, contribuem para a sensação de sabor no leite e derivados.

Entretanto, todos os fatores intrínsecos e extrínsecos que influenciam no sabor dos produtos lácteos dependem da acuidade sensorial do provador, visto que a percepção de sabor é, por natureza, subjetiva. A sensibilidade para um determinado composto químico ou uma mistura de compostos varia significativamente entre os indivíduos. Logo, a avaliação do sabor depende da experiência do provador e das condições experimentais, ou seja, do modus operandi de realização da análise sensorial.

 

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Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG.

 

Autores

Prof. Dra. Ana Flávia Coelho Pacheco, Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG.

Dra. Tatiane Teixeira Tavares, Bolsista de pesquisa nível I do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-ILCT.

Flaviana Coelho Pacheco, Mestranda do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV, Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV

Prof. Dr. Fernando Antônio Resplande Magalhães, Professor/pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG.

Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior, Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.

Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva, Professor/pesquisador e Coordenador do Curso de Tecnologia em Laticínios do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG.

 

Referências

ARAÚJO, J. M. A. Química de Alimentos - Teoria e Prática. 3ª. ed. Editora UFV, Viçosa, MG, 2006. 478p.

CALVO, M. M., AND L. HOZ. Flavour of heated milks. A review. International Dairy Journal, v. 2, p. 69–81, 1992.

CHAVES, J.B.P. Análise sensorial: glossário. Viçosa, MG: UFV, 1993. 28p.

COLLINS, Y. F. et al. Lipolysis and free fatty acid catabolism in cheese: a review of current knowledge. International Dairy Journal, v. 13, p. 841–866, 2003.

COSTA JÚNIOR, L. C. G. Métodos físico-químicos para controle de qualidade em leite e produtos lácteos (e-book - livro eletrônico). 1ª. ed., Juiz de Fora, MG, Ed. do Autor, 2020. PDF. 681p.

FOX, P. F.; McSWEENEY, P. L. H. Dairy chemistry and biochemistry. Department of Food Chemistry, University College. 1. ed. Blackie Academic & Professional, Cork, Irland, 1998. 478p.

IFT. Sensory evaluation guide for testing food and beverage products. Sensory Evaluation Division - Institute of Food Technologists. Food Technology, v. 35, n. 11, p. 50-59, 1981.

JO, Y.; BENOIST, D. M.; BARBANO, D. M., DRAKE, M. A. Flavor and flavor chemistry diferences among milks processed by high-temperature, short-time pasteurization or ultra-pasteurization. Journal of Dairy Science, v. 101, p. 3812–3828, 2018.

KOKKINIDOU, S., & PETERSON, D. G. Control of Maillard-type off-flavor development in ultrahigh temperature-processed bovine milk by phenolic chemistry. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 62, p. 8023–8033, 2014.

LAING, D., & JINKS, A. Flavour perception mechanisms. Trends in Food Science & Technology, v. 7, p. 387–389, 1996.

PARK, C. W., & DRAKE, M. A. Condensed milk storage and evaporation affect the flavor of nonfat dry milk. Journal of Dairy Science, v. 99, p. 9586–9597, 2016.

SMIT, G., SMIT, B. A., & ENGELS, W. J. M. Flavour formation by lactic acid bacteria and biochemical flavour profiling of cheese products. FEMS Microbiology Reviews, v. 29:3, p. 591–610, 2005.

SMIT, B. A., ENGELS, W. J. M., ALEWIJN, M., LOMMERSE, G. T. C. A., KIPPERSLUIJS, E., WOUTERS, J. T. M., SMIT, G. Chemical conversion of alpha-keto acids in relation to flavor formation in fermented foods. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 52, p. 1263–1268, 2004.

TROISE, A. D., FIORE, A., COLANTUONO, A., KOKKINIDOU, S., PETERSON, D. G., & FOGLIANO, V. Effect of olive mill wastewater phenol compounds on reactive carbonyl species and Maillard reaction endproducts in ultrahigh temperature-treated milk. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 62, p. 10092–10100, 2014.

VALERO, E., VILLAMIEL, M., MIRALLES, B., SANZ, J., & MARTINEZ-CASTRO, I. Changes in flavours and volatile components during storage of whole and skimmed UHT milk. Food Chemistry, v. 72, p. 51–58, 2001.

WOLFSCHOON-POMBO, A. F.; LIMA, A. Extensão e profundidade de proteólise em Queijo Minas Frescal. Rev. Inst. Latic. Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 44, p. 50-54, 1989.

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