Não podemos falar de queijos sem lembrarmos dos famosos buraquinhos que alguns queijos apresentam; no entanto, o termo correto a ser utilizado é "olhaduras". Dentre elas, podemos ter aquelas desejáveis e esperadas no queijo e as indesejáveis, consideradas um defeito.
As olhaduras desejáveis são aquelas encontradas em queijos como o Emmental suíço, os holandeses (Gouda, Edam), o queijo Prato bola no Brasil, entre outros; que podem ser originadas de fermentação propiônica ou aromática. Ainda se tem as olhaduras mecânicas, que dependendo do queijo pode ser tanto desejável, quanto indesejável.
Em outro grupo têm-se as olhaduras indesejáveis, como, por exemplo, as que aparecem no queijo Minas frescal, causadas pelo estufamento precoce. Também se têm as olhaduras mal formadas, que chegam a rachar os queijos pela excessiva produção de gás, defeito este, denominado estufamento tardio. A seguir, serão detalhados os tipos de olhaduras em queijos, conforme ilustrados na Figura 1.
Figura 1. Tipos de olhaduras nos queijos.
Foto: Renata Golin Bueno Costa/Denise Sobral.
Olhaduras desejáveis em queijos
As olhaduras desejáveis são aquelas redondas, bem formadas, produzidas pelo fermento lático adicionado ao leite, se esse for pasteurizado, ou provenientes do leite cru.
Olhaduras propiônicas
Essas olhaduras são aquelas bem redondas, grandes e numerosas (Figura 2), encontradas no queijo Emmental, um típico queijo suíço. Além dessa característica perfeitamente visível no queijo, sensorialmente, esse apresenta um gosto adocicado, inigualável. As responsáveis por esses atributos no queijo são denominadas bactérias propiônicas, como as Propionibacterium freudenreichii subsp. freudenreichii e Propionibacterium freudenreichii subsp. shermanii.
Elas são adicionadas ao leite pasteurizado nas indústrias para fabricação do queijo tipo Emmental ou podem ser naturalmente encontradas em regiões de elevada altitude como na região da Mantiqueira e no sul de Minas Gerais. Também são encontradas em queijos artesanais na serra da Canastra, como o Canastra real.
No Brasil, o queijo tipo Gruyère também apresenta olhaduras grandes e gosto adocicado semelhante ao queijo Emmental. No entanto, na Europa o queijo Gruyère original é caracterizado por uma massa fechada, cerosa, sem olhaduras, sabor intenso e uma casca marrom escura resultante do crescimento da Brevibacterium linens durante a maturação do queijo.
Figura 2. Queijos com olhaduras propiônicas.
Foto: Renata Golin Bueno Costa.
A formação da olhadura se dá pela produção de gás carbônico (CO2), a partir do metabolismo do lactato pelas bactérias propiônicas. Durante a fabricação desse tipo de queijo, a maturação é realizada em três etapas distintas: primeiro em uma câmara fria (10-12?°C), depois em uma câmara quente (20-22?°C) e novamente em uma câmara fria (10-12°C).
As bactérias propiônicas embora sejam adicionadas no leite, elas irão se desenvolver no queijo após a entrada na câmara quente, cuja temperatura favorece a sua multiplicação. Ali, elas irão consumir o lactato proveniente da fermentação da lactose e produzirão o gás carbônico, além de mais dois compostos: o propionato e o acetato. Esse último propicia aroma no queijo, enquanto o propionato é responsável pelo sabor adocicado, típico desse queijo.
Portanto, além do sabor, as bactérias propiônicas também geram o CO2, que originará a olhadura. Essa não é formada prontamente a partir desse gás produzido, primeiro, uma parte do gás (em torno de 30%) escapa pela casca. O restante do gás se liga à água (em torno de 50%) e origina-se ácido carbônico, que vai se acumulando no queijo até chegar na supersaturação do ácido carbônico, ou seja, não é possível que o gás carbônico se dissolva na água.
A partir desse ponto, o gás carbônico restante (em torno de 20%) irá originar a olhadura. Para isso, ele migra para um micronúcleo, que é uma região mais frágil na massa do queijo que facilita a expansão do gás.
Esse micronúcleo pode ser microbolhas de ar, pequenas sujidades ou até olhaduras mecânicas causadas por problemas de enformagem e prensagem da massa. O gás carbônico vai se acumulando nesse micronúcleo e precisa superar em 30% a pressão externa (atmosférica) para que a olhadura apareça. A Figura 3 esquematiza a formação de olhadura no queijo.
Figura 3. Formação de olhaduras em queijo (Teoria de Clark).
Foto: Renata Golin Bueno Costa.
Olhaduras aromáticas
As olhaduras aromáticas diferem-se das propiônicas pelo tamanho e quantidade. São olhaduras menores e em pequena quantidade (Figura 4), justificado pelo citrato (substrato) utilizado pelas bactérias aromáticas para a produção do gás carbônico.
A quantidade de citrato disponível no leite é reduzida frente ao teor de lactato, que é proveniente da lactose abundante no leite. A diferenciação entre a fermentação aromática e propiônica é possível apenas pelo tipo de olhadura. Além da parte visual, também pode ser verificada pelo sabor e aroma, gosto adocicado para a fermentação propiônica e aroma amanteigado para a fermentação aromática.
As culturas utilizadas em queijos de fermentação aromática são denominadas mesofílicas aromáticas ou LD. Geralmente são compostas por quatro espécies de microrganismos: duas do grupo das mesofílicas tipo “O” (Lactococcus lactis subsp. lactis e Lactococcus lactis subsp. cremoris) e duas do grupo mesofílicas aromáticas (Lactococcus lactis subsp. lactis biovar. diacetylactis e Leuconostoc mesenteroides subsp. cremoris).
O nome “culturas aromáticas” origina-se da produção de diacetil, um composto altamente volátil e com cheiro agradável de manteiga, pelas bactérias Lactococcus lactis subsp. lactis biovar. diacetylactis e Leuconostoc mesenteroides subsp. cremoris a partir da fermentação do ácido cítrico (citrato) presente no queijo. A formação de olhadura aromática segue o mesmo esquema apresentado na Figura 3, a partir da produção do CO2 que nesse caso será pelas bactérias aromáticas.
Figura 4. Queijos com olhaduras aromáticas.
Foto: Renata Golin Bueno Costa.
Olhaduras mecânicas: desejáveis ou indesejáveis?
Diferentemente dos demais tipos de olhaduras, essas não estão associadas a bactérias específicas que produzem gás na massa do queijo e sim, com a presença de ar retido na massa durante a pré-prensagem do queijo ou por uma prensagem mal feita. São caracterizadas por olhaduras de formato irregular, como apresentadas na Figura 5.
É importante salientar que as olhaduras mecânicas são características comuns em alguns queijos. Em queijos com mofo interno como Gorgonzola, a formação de olhaduras mecânicas é fundamental para abertura da massa para favorecer o crescimento do mofo Penicillium roqueforti.
Em alguns queijos, a própria tecnologia de fabricação propicia a formação de olhaduras mecânicas, pela falta de prensagem da massa, como nos queijos Minas frescal e Camembert. São inúmeras causas associadas a formação de olhaduras mecânicas, sendo as mais comuns: a prensagem da massa sem soro; emendas de pequenos blocos de massa no momento da enformagem; o uso da salga na massa; prensagem mal feita (tempo ou pressão insuficientes), entre outros.
Como citado anteriormente, as olhaduras mecânicas são também micronúcleos que favorecem a formação de olhaduras. No entanto, quando essas olhaduras mecânicas estão em excesso, principalmente nos queijos de fermentação propiônica, podem provocar o aparecimento de milhares de olhaduras pequenas, descaracterizando o queijo.
Figura 5. Olhaduras mecânicas em queijo Minas Frescal e Minas Padrão.
Foto: Renata Golin Bueno Costa.
Olhaduras indesejáveis em queijos
São aquelas causadas por microrganismos contaminantes que alteram a textura do queijo, além do sabor.
Olhaduras causadas pelo estufamento precoce dos queijos
Esse tipo de olhadura é considerado um grande problema para os queijeiros, por ser considerado um indicativo de contaminação do leite, pois esses microrganismos contaminantes são destruídos na pasteurização. Em queijos fabricados com leite cru, a contaminação por coliformes é principalmente proveniente de falhas de higiene na ordenha do leite ou na fabricação do queijo.
As olhaduras do estufamento precoce são caracterizadas pela grande quantidade de tamanho pequeno, que pode deixar a massa com aspecto rendado (Figura 6). A produção excessiva de gás carbônico se deve a presença massiva de bactérias indesejáveis do grupo coliforme, em especial Escherichia coli e Enterobacter aerogenes.
Tal defeito geralmente aparece após a prensagem ou saída do queijo da salmoura; por isso, é denominado precoce, porque ocorre nas primeiras horas de fabricação do queijo. O problema manifesta-se rapidamente após a fabricação, pois, a produção de gás depende da lactose, fermentada pelos coliformes, e somente de 3 a 5% desta lactose fica retida no queijo.
Além da formação de olhaduras por meio do gás carbônico e gás hidrogênio produzidos durante a fermentação da lactose pelos coliformes, também são produzidos ácido lático, ácido acético e etanol, que alteram o sabor do queijo.
A prevenção basicamente caracteriza-se pela pasteurização do leite cru e boas práticas de fabricação de queijos, para aqueles fabricados com leite pasteurizado. Para queijos artesanais fabricados com leite cru é importante a implantação de boas práticas de ordenha e de fabricação de queijos.
Figura 6. Estufamento precoce em queijos.
Foto: Renata Golin Bueno Costa.
Olhaduras causadas pelo estufamento tardio dos queijos
É assim chamado, pois, diferentemente do estufamento por coliformes, que ocorre de forma rápida e intensa logo nas primeiras horas de fabricação, este ocorre em torno de duas semanas após o início do período de maturação dos queijos.
É ocasionado pela presença de bactérias do grupo butírico (Clostridium butyricum e Clostridium tyrobutyricum) cujos esporos são resistentes à temperatura de pasteurização. O Clostridium fermenta o lactato, originário da lactose e produz alguns compostos como o gás carbônico e o gás hidrogênio que causam aberturas e rachaduras na massa do queijo (Figura 7), além de ácido butírico, que provoca um sabor de ranço no queijo, semelhante a lipólise.
O gás carbônico precisa passar pela saturação com a água para depois formar olhaduras, como apresentado na Figura 3. No entanto, o gás hidrogênio tem pouca solubilidade em água, por isso ele é o principal causador das trincas e rachaduras no queijo. É possível perceber o estufamento tardio pelo som oco gerado quando o queijo é batido e pelo abaulamento externo, muito antes de se presenciar as trincas no seu interior.
Em geral, a contaminação pelos esporos de Clostridium acontece na fazenda, por meio do uso de silagem mal fermentada para alimentação do gado leiteiro, que contamina o leite durante o processo de ordenha principalmente por meio da poeira.
Para os esporos germinarem são necessárias algumas condições, como por exemplo, diminuição do potencial de oxirredução do queijo, ou seja, que o queijo fique sem oxigênio, pois os clostrídios são microrganismos anaeróbicos. Esse consumo de oxigênio geralmente é ocasionado pelo próprio fermento lático nas primeiras semanas de maturação.
Por isso, o defeito só aparece durante a maturação, pois certas condições no queijo se tornam necessárias para que o esporo germine. Agentes oxidantes, como por exemplo, nitrato de sódio ou potássio podem aumentar potencial de oxirredução, evitando a geminação dos esporos dos clostrídios.
O estufamento tardio pode ocorrer em qualquer queijo que possua média a longa maturação, porém os queijos mais afetados são os de fermentação propiônica, como por exemplo, o Emmental, devido ao seu pH mais alto, baixo teor de sal, e maturação a temperaturas mais elevadas, que favorecem também o desenvolvimento do clostrídio.
A prevenção desse defeito pode ser a realizada desde a qualidade do leite na fazenda, com o uso de boas práticas de ordenha e boas práticas agropecuárias; na fabricação do queijo com a separação dos esporos pela degerminação ou microfiltração do leite, uso de alguns ingredientes no leite como: nitrato de sódio ou de potássio (agentes oxidantes que mantém o potencial de oxirredução alto); nisina (antibiótico produzido por Lactococcus lactis, que pode inibir também o fermento lático); lisozima (enzima proveniente da clara do ovo); e ainda pela pré-maturação do queijo à baixa temperatura.
Figura 7. Queijos com estufamento tardio.
Foto: Renata Golin Bueno Costa.
Referências
COSTA, R. G. B. et al. Processamento de queijos. In: CRUZ, A. G. et al. (Eds.). Processamento de produtos lácteos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. p. 11–69.
FURTADO, M. M. Principais problemas dos queijos – Causas e prevenção 3a edição revisada e ampliada. São Paulo: setembro, 2017
HILL, A.; FERRER, M. A. Cheese making techonology e-book. Universidade de Guelph, 2021.
McSWEENEY, P. L. H. Cheese problems solved. Boca Raton: CRC, 2007.