Cenário global da pecuária de leite nos últimos anos: uma avaliação de preços e produção

A produção mundial de leite tem apresentado um crescimento marginal nos últimos três anos. Em regiões tradicionalmente importantes para a produção e exportação de leite como União Europeia, Europa Oriental, América do Sul e Oceania, observou-se estagnação ou mesmo redução da produção.

Os preços internacionais das comodities lácteas, relativamente mais altos em 2022, voltaram aos patamares considerados históricos no final de 2023. Observe-se pela Figura 1 a evolução de um indicador de preço mundial do leite pago ao produtor. Este indicador é calculado com base na evolução dos preços internacionais de exportação das cinco principais commodities lácteas do mercado da Oceania e considera leite padrão com 3,3% de proteína e de 4,0% de gordura.

Figura 1. Indicador IFCN de preços do leite pago ao produtor no mundo.

Fonte: IFCN (2024); elaboração dos autores.

Em 2022, o indicador de preços alcançou uma média de US$ 0,53/kg, com alta de 18% em relação à 2021, não sendo o suficiente para impulsionar uma reação de maior produção. Pelo contrário, houve uma redução da dinâmica de crescimento, quando a produção mundial de leite praticamente não teve aumento, com elevação de apenas 0,4%, conforme Figura 2.

Figura 2. Crescimento anual da produção de leite no mundo. Percentual sobre o mesmo período do ano anterior.

Fonte: IFCN (2024); elaboração dos autores.
 

No entanto, os preços mais altos dos lácteos em 2022 contribuíram para frear o consumo. Além disso, os reflexos da pandemia da Covid e o surgimento de conflitos regionais trouxeram um ambiente de extrema incerteza e inflação, enfraquecendo a demanda mundial por lácteos. Estima-se que a demanda mundial por lácteos, em 2022, tenha crescido apenas 0,8%, sendo equivalente ao crescimento populacional.

Um ciclo de queda dos preços internacionais teve início em abril de 2022, e se estendeu até outubro de 2023 quando voltaram a crescer, fechando 2023 em US$ 0,40/kg de leite, na média.

Na comparação da Figura 1 com a Figura 2, nota-se que os preços ao produtor não foram forças motrizes capazes de dinamizar a produção, por resquícios do período pandêmico iniciado em 2020. Isto parece evidente quando se verifica que mesmo com valores menores de preços aos produtores em 2023, quando os efeitos da pandemia estavam praticamente esvaídos, a dinâmica da produção foi maior do que a anterior, quando os produtores receberam valores maiores. Todavia, 2022 foi marcado por um aumento generalizado dos custos de produção. O custo foi impactado em 20% no alimento concentrado, 51% nos fertilizantes e 107% na energia. Contudo, em 2023 o indicador de preço do alimento concentrado foi menor em 16%, melhorando a rentabilidade em relação a 2022.

Nos últimos anos, as dificuldades maiores da oferta de leite no mundo estão nas regiões exportadoras de lácteos, a exemplo da União Europeia, em que a produção não vem crescendo. Mesmo com essa melhora nos custos de produção, em 2023, a expectativa é de oferta estabilizada ou negativa na União Europeia, impulsionada por quedas na Itália, Países Baixos, Irlanda e França, apesar de parcialmente compensada por aumentos na Polónia.

De uma perspectiva geral, na União Europeia as margens agrícolas ainda estão baixas, os rebanhos estão diminuindo e há uma série de dificuldades, que tem impactado o crescimento da produtividade. Além disso, regiões com pressões para redução rebanhos, além de legislação ambiental restritiva, têm gerado expectativas negativas para os produtores, que têm se manifestado e demonstrado insatisfação com esta situação.

Nos Estados Unidos, o abate de vacas aumentou 0,9% em 2023, como reflexo de aperto nas margens. A produção de leite ficou praticamente estagnada, mas com desaceleração no segundo semestre.

O ano de 2024 parece um pouco mais promissor. Para o mês de janeiro, o indicador mundial de preço ao produtor foi estimado em US$ 0,41/kg e, segundo estimativas do IFCN, há indicativo de um patamar em torno de US$ 0,45/kg de leite. Os últimos indicadores do leilão GDT têm indicado movimento de alta nas cotações, o que tende a puxar os preços ao produtor globalmente.

No que se refere ao custo de produção, o indicador para alimento concentrado do IFCN, para janeiro de 2024, previu queda de 5,7%, na comparação com dezembro do ano passado, ficando em US$ 0,26/kg que, em média, representa 24% a menos que 2023. As indicações do Departamento de Agricultura do Estados Unidos (USDA) têm mostrado um cenário de recuperação nos estoques globais de milho e soja, o que tem refletido em menor cotação dessas commodities. A expectativa do IFCN é de que a produção mundial de leite em 2024 deva crescer ao redor de 2,0% em relação a 2023, considerando um cenário de melhores preços e custos mais baixos.

Em resumo, embora o setor lácteo global tenha enfrentado períodos de turbulência, as perspectivas para 2024 são cautelosamente otimistas. O equilíbrio entre oferta e demanda, juntamente com uma gestão eficaz dos custos de produção e uma adaptação às mudanças do mercado, será crucial para sustentar o crescimento e a resiliência do setor no longo prazo.