É muito fácil falar que vacas leiteiras precisam de rotina e que em determinado sistema de produção as vacas ficam mais confortáveis, que tem mais ou menos estresse, demonstram mais cio, comem mais etc. Mas tratam-se de informações reais, mensuradas? Quanto as vacas comem realmente em 1 dia? Quanto tempo de fato descansam? O que elas fazem a noite?
Estas são perguntas que procuro responder durante as visitas técnicas nos produtores de leite, antes de fazer qualquer sugestão de alteração de manejo, ajuste de dieta, investimento em novas instalações. Na grande maioria das vezes, temos respostas superficiais, baseadas em observações sem metodologia não considerando as diferentes condições climáticas (ambientais) ao longo dos meses. E, por que tudo isso é importante? Vou tentar expor aqui algumas razões de meus questionamentos.
Consumo de Matéria Seca por animal / lote
Quanto cada vaca come. Este é o primeiro e talvez o mais importante item que se deve saber para um correto balanceamento de dietas! Essa informação vem sugerida nos softwares de balanceamento e considera peso vivo, número e estágio da lactação, raça, produção e composição do leite, características dos alimentos (conteúdo de fibras e carboidratos, taxa de passagem...). Contudo, a fazenda, vagão, horários de fornecimento da dieta, temperatura e umidade ambiente, horários de ordenha, manejos com os animais e diversos outros fatores vão influenciar positivamente ou negativamente o comportamento de consumo dos animais.
A vaca leiteira gosta e precisa de rotinas bem definidas. Essas são características da espécie. Portanto uma dieta bem balanceada deve considerar a mistura o mais semelhante possível em todos os tratos. Aparentemente fácil, não? Mas como garantir quantidades e mistura padronizadas dos alimentos todos os dias?
Tenho me deparado com situações em que o vagão apresenta variações constantes nas pesagens, dependendo do piso em que anda (pavimento ou terra / pedras), se o vagão está ou não misturando, se a carga é distribuída em mais lotes ou em apenas um. Erros chegam a contribuir com mais que 5% do peso previsto! Não é pouco. Em uma carga de 1000 kg, 50 kg a menos ou a mais de silagem muda toda a dieta! Por isso, antes de alterar dietas no computador, vale um grande esforço em minimizar os erros dos processos, vale conferir as análises de leite (% gordura, proteína, nitrogênio ureico), conferir escore de fezes, condição corporal dos animais em função do DEL, avaliar as oscilações diárias na produção de leite e, se possível as variações individuais de produção, principalmente nos grupos de maior produção.
Será que as vacas têm acesso a todo alimento distribuído no cocho?
Tempo de descanso das vacas
Outro item crucial para o bom desempenho das vacas é o descanso. O preconizado é dar condições para que as vacas descansem, deitadas, por 12 horas ao dia. Esse tempo total de descanso deveria ocorrer com várias sessões de descanso, sendo em média de 9 a 11 sessões de 60 a 99 minutos cada. Uma mudança no tempo total de repouso deitadas pode ocorrer como resultado de uma mudança na frequência dos períodos em decubito, uma mudança na duração da sessão, ou ambos (Ito et al., 2009; Thomsen et al., 2012; Charlton et al., 2014; Westin et al., 2016).
Em artigo sobre tempo de descanso e bem-estar de vacas leiteiras, Tucker et al escreve o seguinte: “O padrão claro é que as vacas priorizem o deitar ao invés de se alimentar, após a privação de ambos ou quando o tempo disponível é restrito de alguma forma para que tenham que escolher entre comer ou se deitar. Metz (1985) descobriu que, após 3 horas de privação tanto de deitar quanto de se alimentar, o gado optou por deitar ao invés de se alimentar quando as oportunidades para ambos os comportamentos foram apresentadas. ”
Isso deixa claro que além de tudo, o consumo das vacas será influenciado pelas ações de manejo, de cada fazenda! Não existe dieta milagrosa, mas sim um conjunto de ações que, juntamente com uma dieta bem balanceada, vão promover alto consumo e possibilitar a expressão do potencial genético das vacas.
Será que essa vaca terá dificuldade para se levantar?
Em razão de tudo isso, se observa diferenças no tempo de decanso em diferentes sistemas de criação. A pasto: as vacas gastam boa parte do tempo buscando alimento durante a noite e caso o ambiente não seja favorável durante o dia, acabam por ter um acumulado de apenas 9 horas em descanso deitadas ao longo das 24 horas. Em confinamento: neste tipo de ambiente, com acúmulo de manejos ao longo do periodo diurno, descansam em decúbito em grande parte da noite. Em ambos os casos, há um limite para que exista uma compensação do tempo total em descanso, mas o tempo total de descanso das vacas acaba sendo inferior ao de 12 horas como preconizado.
De maneira geral, os fatores que vão influenciar o tempo total de descanso em decúbito serão:
- Tempo em ordenha (incluindo sala de espera)
- Número de ordenhas e produção de leite
- Tempo em manejo
- Tempo se alimentando (presas em canzis)
- Qualidade do piso
- Dureza da cama nas áreas de descanso
- Umidade da cama
- Lotação
- Doenças
- Conforto térmico....
O motivo da grande preocupação em oferecer condições de descanso em decúbito é simples: aumento da produção. Todavia, as razões lógicas para isso seguem abaixo:
- Aumento no fluxo sanguíneo para a glândula mamaria
- Aumento da ruminação e utilização de nutrientes
- Menos patologias de cascos e laminites
- Menor fadiga
- Maior ingestão de alimentos
E a noite? O que as vacas fazem?
Finalizando o raciocínio, é preciso lembrar que o dia tem 24 horas. Assim, grande parte dos manejos ocorre durante o dia (as vezes com exceção da ordenha da noite / madrugada). Saber o que acontece à noite com elas pode nos auxiliar na escolha dos manejos ao longo do dia. Perguntas a serem feitas: Elas descansam deitadas? Há aglomeração em partes das instalações a procura de melhor ventilação? Elas têm hipertermia em decorrência de estresse térmico? Será que merecem tomar banho a noite também? E, quem vai levar até a sala de banho?
Outra preocupação é saber se as vacas tem acesso ao alimento durante toda a noite. E, há alguém que empurre a comida no cocho? A quantidade de alimento é suficiente para que a sobra pela manhã seja adequada, ou o que sobra é apenas palha, resto? O comportamento de cio e de parições é acompanhado também a noite?
Com o advento de ferramentas tecnológicas, é possível a obtenção de informações sobre alguns comportamentos das vacas ao longo das 24 horas, em tempo real, de forma a responder alguns dos questionamentos acima. Um exemplo disso está no gráfico abaixo, que mostra aumento de ofegação (indicativo de estresse térmico) dos animais em períodos noturnos, quando estão desligados os ventiladores do barracão (cortesia Cowmed).
Já no gráfico abaixo, observamos um pico no comportamento de consumo voluntario as 23:00 horas, horário de menor THI (62), sem que tenha ocorrido nova ordenha ou novo trato.
Corrigir problemas fazem parte do processo de melhoria continua. Conhecer os comportamentos dos animais, em cada propriedade, em cada estação do ano, com os manejos que ocorrem, com as pessoas que lá trabalham. A experiência acumulada é de imensa ajuda para corrigir os processos. No final, as vacas ficarão mais saudáveis, produzirão mais leite, o faturamento será maior e o conjunto da obra passa a ser uma fazenda mais eficiente.
Deixem nos comentários suas experiências sobre os comportamentos das vacas durante a noite em sua propriedade.
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Referência:
Tucker et al. 2021. LYING TIME AND DAIRY COW WELFARE