A ricota é um queijo de origem italiana, do período da Idade Média. O nome ricota significa “recozido”, devido à sua forma de processamento. É produzido a partir do soro do leite obtido durante a fabricação de queijos de coagulação enzimática. A “transformação” do soro em ricota ocorre via coagulação térmica das proteínas do soro, associada à acidificação.
A produção de ricota é estratégica do ponto de vista ambiental, econômico e de saúde humana, visto que confere destino rentável ao soro do leite. O soro do leite é rico em proteínas de alto valor nutricional, além de apresentar baixo teor de gordura. Desta forma, a ricota é considerada um produto nutritivo e que auxilia na utilização máxima dos constituintes do leite, contribuindo para a economia circular.
Neste artigo, discutiremos as alterações que ocorrem no soro para que a ricota seja produzida!
Soro do leite
Segundo o Sindicato da Indústria de Laticínios do Estado de Minas Gerais, o Silemg, em 2020 o Brasil produziu 34,5 bilhões de litros de leite, dos quais aproximadamente 12 bilhões foram transformados em 1,2 milhão de toneladas de queijo. Neste processo foram gerados aproximadamente 7 bilhões de litros de soro. Considerando esse alto volume gerado, é perceptível o grande potencial econômico do uso do soro para a produção da ricota.
As proteínas do soro: composição e nutrição
As principais proteínas do soro do leite são a alfa-lactoalbumina (ALA), beta-lactoglobulina (BLG) e albumina do soro bovino (BSA). Estas representam cerca de 20% no total de proteínas do leite.
A proteína mais abundante é a BLG, que representa 50% do total presente no soro, aproximadamente 3,2 g/L. É também o polipeptídeo com maior teor de aminoácidos de cadeia ramificada, os chamados aminoácidos essenciais, isto é, aqueles que não conseguimos sintetizar e precisamos obtê-los via dieta. Cada um deles possui funções específicas e importantes para a manutenção e regulação do nosso organismo.
Já a ALA, a segunda proteína mais presente no soro, tem característica de ser de fácil e rápida digestão. É rica em triptofano, lisina, leucina, cistina e treonina. Também é precursora da biossíntese de lactose no tecido mamário e por ter estrutura em cálice, pode-se ligar a minerais como, zinco e cálcio.
A BSA corresponde a 10% das proteínas do soro de leite, rica em cistina, precursor da cisteína. Possui certa afinidade com ácidos graxos e outros lipídios, auxiliando-os no transporte via corrente sanguínea. Para efeito comparativo de valores nutricionais, a Tabela 1 mostra alguns dados relevantes sobre macronutrientes presentes no leite, soro de leite e na ricota.
Tabela 1. Constituição de macronutrientes presentes em leite, soro de leite e ricota.
Como o soro se transforma em ricota?
A produção da ricota ocorre a partir da combinação de tratamento térmico e acidificação, resultando na precipitação das proteínas do soro, como mostrado passo a passo no fluxograma (Figura 1).
Figura 1. Fluxograma da produção de ricota.
Fonte: autores.
Para se produzir uma ricota de qualidade, o soro deve ter boa qualidade microbiológica e química. A qualidade do soro de leite está principalmente associada à origem do soro e suas características físico-químicas.
O soro precisa ser doce, isto é, resultante da produção de queijos via coagulação enzimática, pois a acidificação deve ser associada ao aumento da temperatura para a precipitação das proteínas do soro. A acidez muito elevada do soro, antes da produção da ricota, pode indicar contaminação bacteriana, levando à precipitação antecipada das proteínas, e, consequentemente, menor rendimento da ricota (CARVALHO, 2007).
A acidez do soro do leite equivale a 2/3 da acidez do leite e não deve ultrapassar 0,13% de acidez expressa em ácido lático. A diferença de acidez entre o leite e o soro deve-se à diferença de composição entre os dois produtos, já que no soro as caseínas e parte dos sais do leite não estão presentes.
Para produzir a ricota, a acidez do soro deve estar entre 0,8% e 0,13% de acidez expressa em ácido lático. Acima de 0,13% de acidez, bicarbonato de sódio deve ser adicionado para redução da acidez, evitando a precipitação antecipada das proteínas.
O aumento inicial da temperatura (até 71 °C) é importante para inativar resíduos da enzima do coalho, presentes no soro. Este aquecimento deve ser realizado lentamente (cerca de 1 °C por minuto) e sob agitação.
Conforme a Instrução Normativa n° 65, para a fabricação da ricota deve-se adicionar até 20% de leite em relação ao volume total de ingredientes (soro + leite) (MAPA, IN N° 65/2020). A vantagem da adição de leite desnatado como ingrediente da ricota é que aumenta o rendimento do produto, além de contribuir para melhor aceitação sensorial (especialmente em relação à textura e ao sabor) e maior valor nutricional da ricota.
O aquecimento até 85 °C é necessário para a segurança microbiológica do produto e também para que se inicie a desnaturação das proteínas do soro. Uma vez que as proteínas do soro são desnaturadas, ocorre a exposição de grupos hidrofóbicos (que estavam anteriormente confinados no interior da estrutura globular das proteínas) e inicia-se o processo de coagulação via interações hidrofóbicas.
Após atingir 85 °C, procede-se à acidificação do sistema (soro + leite), normalmente com adição de ácido lático diluído em água (ex.: 100 mL de ácido lático a 85% para cada 100 L de soro). Em seguida, aquece-se a 90 °C até que os primeiros coágulos sejam observados. A acidificação contribui para a desnaturação das proteínas do soro e, consequentemente, para a sua coagulação. A Figura 2 mostra esse processo.
Figura 2. Representação esquemática da coagulação das proteínas do soro via interações hidrofóbicas.
Fonte: autores.
Após a floculação dos agregados proteicos, procede-se a coleta e enformagem da ricota em formas características do produto. Por fim, o produto é estocado em câmara fria por um dia para completar o processo de dessoragem.
A salga da ricota é um processo opcional. Pode ser feita antes ou depois do processo de floculação da massa, já que não afeta o processo final da obtenção da ricota. Outros tipos de especiarias podem ser adicionados a critério do mercado consumidor.
Como pode ser observado, o processo produtivo da ricota é consideravelmente diferente daquele realizado para queijos fabricados via coagulação enzimática e ácida. Entretanto, estas diferenças fazem da ricota um queijo de alto valor nutricional apreciado por diversas pessoas!
Referências
BRASIL. Instrução normativa nº65, de 21 de julho de 2020. Dispõe sobre a identidade e os requisitos de qualidade que deve apresentar o produto denominado ricota. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Brasília, DF. 21 set. 2020.
CARVALHO, J.D.G.; KUAYE, A.Y.; BRUNO, L.M. Caracterização da microbiota lática isolada de queijo coalho artesanal produzido no Ceará e de suas propriedades tecnológicas. Tese (Doutorado) - Faculdade de Engenharia de Alimentos. Departamento de Tecnologia de Alimentos. Universidade Estadual de Campinas, 2007. Disponível em: CarvalhoJulianeDoeringGasparinD.pdf (embrapa.br). Acesso em: 30 set. 2022.
FOX, P. F.; MCSWEENEY, P. L. H. Dairy Chemistry and Biochemistry. Springer: 2ª ed., 478p.,1998.
HARAGUCHI, F.K.; ABREU, W.C.; PAULA, H. Proteínas do soro do leite: composição, propriedades nutricionais, aplicações no esporte e benefícios para a saúde humana. Revista de Nutrição, v.19, n.4, p. 479-488, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-52732006000400007. Acesso em: 30 set. 2022.
MILKPOINT. Ricota: o queijo do soro de leite, 2022. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/colunas/lipaufv/ricota-o-queijo-do-soro-de-leite-230000/. Acesso em: 25 jul de 2022.
Moneiro, A.A., Pires, A.C.S., Araújo, E.A. Tecnologia de Produção de Derivados do Leite. Editora UFV: 2ª ed., 85p., 2011.
SILEMG (Sindicato da Indústria de Laticínios do Estado de Minas gerais). Dia Mundial do queijo é celebrado dia 20 de janeiro. 2022. Disponível em: https://www.silemg.com.br/post/dia-mundial-do-queijo-e-celebrado-dia-20-de-janeiro. Acesso em: 30 set. 2022.
SILVA, F.T. Recomendações práticas para a produção de ricota. EMBRAPA, 11p., 1997.
SOUZA, M.Y.M. Análise de creme de ricota: caracterização físico-química e classificação quanto ao teor de gordura no extrato seco. Orientador: Profª. Dr.ª Eliane Rolim Florentino. 2014. 32f. TCC (Graduação) - Curso de Química Industrial, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, Paraíba, 2014. Disponível em: https://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/6626/1/PDF%20-%20Mykaell%20Yan%20Muniz%20de%20Souza.pdf. Acesso em: 25 jul de 2022.
Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA). Universidade de São Paulo (USP). Food Research Center (FoRC). Versão 7.2. São Paulo, 2022. Disponível em: https://www.fcf.usp.br/tbca. Acesso em: 30 set. 2022.