A principal função dos carboidratos na dieta de vacas leiteiras é fornecer energia para os microrganismos do rúmen. Os produtos gerados a partir dessa fermentação, serão então utilizados como fonte de energia (AGVs) e proteína (proteína microbiana) pelos animais.
No entanto, os carboidratos podem também ser utilizados como fonte de energia direta para os ruminantes, quando estes escapam da fermentação ruminal e são digeridos no intestino.
Os carboidratos solúveis em detergente neutro (amido, açúcares, frutanos e pectinas) são a principal fonte responsável por fornecer energia para vacas leiteiras de alta produção. No entanto, diversos fatores podem influenciar na fermentação ruminal desses carboidratos, tais como: tipo de alimento, métodos de conservação, processamento, consumo de matéria seca (CMS) entre outras.
Um fator que ainda é muito debatido e tem grande influência na digestibilidade desses carboidratos, principalmente o amido, é a vitreosidade do endosperma dos grãos.
Cada espécie de cereal produz grânulos de amido com características próprias de tamanho, configuração ou propriedades. A elevada concentração de prolamina no endosperma confere uma característica vítrea a este grão, o que o torna mais insolúvel e resistente à digestão. Em contrapartida, quando a concentração de prolamina no endosperma é baixa, o grão apresenta uma característica mais farinácea e é rapidamente fermentável (Figuras 1 e 2).
Figura 1 - A1 e A2 Endosperma vítreo / B1 e B2 Endosperma farináceo.
Fonte: Marcos Neves Pereira.
Figura 2 – Esquematização do endosperma vítreo e endosperma farináceo de milho.
Fonte: Adaptado de Holding, 2014.
Dos cereais comumente utilizados no Brasil, em ordem decrescente de digestibilidade do amido dos grãos, tem-se: aveia > trigo > cevada > milho > sorgo.
Entretanto, vale ressaltar que essa vitreosidade pode variar de acordo com a maturidade e a genéticas das plantas que estão sendo utilizadas (Figura 1).
Por exemplo, na América do Norte o milho cultivado é quase em sua totalidade do tipo dentado (Dent - Zea mays ssp. Indentata), apresentando amido macio, poroso e com baixa densidade. Enquanto na América do Sul predomina o cultivo do milho do tipo duro (flint - Zea mays ssp. Indentura), com alta proporção de endosperma vítreo (Correa et al., 2002, Figura 2). Quanto maior a proporção de endosperma vítreo no grão menor a digestibilidade do amido.
Uma estratégia que pode melhorar a digestibilidade do conteúdo dos grãos utilizados na alimentação animal é o processamento.
As técnicas de processamento empregadas sobre cada cereal devem ser escolhidas com cautela afim de proporcionar maior capacidade de romper ou solubilizar o conteúdo da matriz proteica, e por fim otimizar a digestão do amido no trato gastrointestinal dos ruminantes (Owens e Soderlund, 2006), sem que haja efeitos negativos.
A redução do tamanho de partícula aumenta a área superficial tornando-as mais frágeis e acessíveis para a digestão, no entanto, também aumenta a densidade e gravidade específica dessas partículas. Isso causa estratificação de partículas no interior do rúmen, onde as menores afundam (maior densidade) e passam para fora do rúmen, e as partículas maiores (baixa densidade) sobem dentro dos extratos ruminais e, assim, tornam-se mais sujeitas a degradação microbiana e, possivelmente, ruminação. Com isso, o processamento dos cereais pode alterar o local de digestão do amido no trato gastrointestinal dos ruminantes, deslocando a digestão dos componentes do grão do rúmen para o abomaso e intestino.
Apesar das vantagens associadas com a redução do tamanho de partículas, o processamento excessivo dos ingredientes da dieta pode ser prejudicial, principalmente quando pensamos no conceito de FDNfe (FDN fisicamente efetiva).
A FDNfe é definida como a fibra com estrutura física capaz de estimular a ruminação e contribuir para a formação do MAT ruminal, que por sua vez auxilia no tamponamento do pH ruminal por estímulo físico à motilidade e salivação e na retenção de partículas menores da dieta, para que permaneçam no rúmen por tempo suficiente para colonização bacteriana e digestão. A formação do MAT ruminal é importante também para reduzir o risco de deslocamento de abomaso, uma vez que está envolvido com o enchimento ruminal.
Além dos fatores associados ao tamanho de partículas, o nível de inclusão de amido na dieta pode afetar fatores importantes como o CMS, impactando negativamente na digestibilidade de outras frações de carboidratos como o FDN.
Souza et al. (2018) sugerem que para cada aumento de 1% no teor de amido da dieta, a digestibilidade no trato total da FDN diminui 0,59 pontos percentuais. Isso ocorre provavelmente porque o maior teor de amido na dieta diminui o pH ruminal e, assim, cria um ambiente desfavorável para as bactérias celulolíticas (Van Soest, 1994).
Por outro lado, a digestibilidade ruminal do amido aumenta 0,19 pontos percentuais para cada aumento de 1 unidade em amido altamente fermentável. Esse efeito se deve ao fato de maiores concentrações de amido proporcionarem ambiente mais favorável para bactérias amilolíticas (Owens e Zinn, 2005). Em contrapartida, o aumento do teor de amido na dieta diminui o amido digestível no trato total em 0,12 pontos percentuais para cada 1% de amido adicionado, devido ao aumento na taxa de passagem de amido ou limitação na digestão intestinal. Ainda, a digestibilidade no trato total do amido diminui com aumentos no CMS; um aumento de 1 unidade em CMS deprime a digestibilidade do amido no trato total em 1,13 pontos percentuais.
A formulação de dietas para vacas leiteiras exige do nutricionista uma alta dedicação e preparo. Atender às exigências interligando todos os fatores que podem afetar a eficiência dos animais é complexo e requer atenção. Mas acreditamos que ter clareza quanto as recomendações e os efeitos relacionados tanto à dieta quanto aos animais facilitarão a tomada de decisões e a identificação precoce de pontos que necessitam de melhorias.
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Autores
Ariany Toledo - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Esalq/USP
Cristiane Tomaluski - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Esalq/USP
Polyana Pizzi Rotta - Universidade Federal de Viçosa - UFV
Referências
Correa, C. E. S., Shaver, R. D., Pereira, M. N., Lauer, J. G., Kohn, K. Relationship between corn vitreousness and ruminal in situ starch degradability. Journal of Dairy Science, Lancaster, v.85, n.11, p.3008-3012, 2002.
Nasem 2021. National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine. 2021. Nutrient Requirements of Dairy Cattle: Eighth Revised Edition. Washington, DC: The National Academies Press.
Owens F. N., and Soderlund S. 2007. Ruminal and post ruminal starch digestion by cattle. In: Proc. Cattle Grain Process. Symp., Tulsa, OK; p. 116–128.
Owens, F. N., and R. A. Zinn. 2005. Corn grain for cattle: Influence of processing on site and extent of digestion. Pages 86–112 in Proc. 20th Annual Southwest Nutr. Conf., Phoenix, AZ. Univ. Arizona, Tucson.
Souza, R. A., Tempelman, R. J., Allen, M. S., Weiss, Bernard, W. P., VandeHaar, M. J. Predicting nutrient digestibility in high-producing dairy cows. J. Dairy Sci. 2018.
Van Soest, P. J. 1994. Nutritional Ecology of the Ruminant, 2nd ed. Cornell University Press, Ithaca, NY.
Figura 1 - A1 e A2 Endosperma vítreo / B1 e B2 Endosperma farináceo (Fonte: Marcos Neves Pereira)
Figura 2 – Esquematização do endosperma vítreo e endosperma farináceo de milho. (Adaptado de Holding, 2014).