O aumento da vida de prateleira ou do prazo de validade do leite pasteurizado é um desafio a ser enfrentado por laticínios que desejam melhorar a competitividade do seu produto no mercado. Desde a década de 90, o leite UHT vem ganhando destaque no mercado e corresponde atualmente a mais de 80% de todo o leite fluido consumido no Brasil.
Grande parte desse sucesso pode ser atribuído à praticidade que este produto oferece ao consumidor. Sua vida de prateleira é, em média, de 4 meses em temperatura ambiente, contra uma média de 4 dias sob refrigeração para o leite pasteurizado. Para estimar o potencial de aumento na vida de prateleira podemos tomar como exemplo o leite pasteurizado produzido nos EUA, que apresenta validade média de 20 dias sob refrigeração.
O que limita a vida de prateleira do leite pasteurizado?
O principal fator é a contagem de microrganismos que o produto apresenta. De forma simplificada, pode-se dizer que quanto maior for a contagem bacteriana total (CBT) do leite cru, maior será a contagem de microrganismos no leite pasteurizado e, consequentemente, mais rápido ele sofrerá deterioração.
Isso porque o processo de pasteurização do leite utiliza a menor temperatura e tempo necessários para garantir a eliminação de microrganismos patogênicos sem promover alterações sensíveis na sua composição e propriedades sensoriais. Por isso, uma parte dos microrganismos presentes no leite cru, chamados de termoresistentes, não é eliminada.
Embora não sejam patogênicos, esses microrganismos são responsáveis pela deterioração microbiana que ocorre no durante o armazenamento, o que limita a vida de prateleira do leite e torna obrigatória sua refrigeração.
É evidente que o tipo de microrganismo presente no leite cru também terá influência. Se a microbiota do leite cru for composta em sua maioria por microrganismos temolábeis, por exemplo, o processo de pasteurização será capaz de atingir reduções maiores.
Estratégias para aumentar a vida de prateleira do leite pasteurizado
A primeira estratégia e que apresenta simultaneamente maior impacto e menor grau de dificuldade na implementação é a redução na CBT do leite cru. Isso pode ser conseguido em um curto espaço de tempo, desde que sejam adotadas Boas Práticas de Ordenha (BPO).
Além de prevenir a contaminação por microrganismos termoresistentes, as BPO também reduzem de forma significativa as contagens de microrganismos psicrotróficos, produtores de enzimas proteolíticas e lipolíticas. Essas enzimas, que continuam ativas após o tratamento térmico, passarão a ser importantes no leite que apresentar vida de prateleira superior a 14 dias.
A sedimentação e a gelificação são defeitos frequentes no leite UHT decorrentes da proteólise causada por essas enzimas, que continuam a agir dentro da embalagem. Defeitos nas características sensoriais como sabor amargo ou sabor rançoso também podem ser decorrentes dessa atividade enzimática.
Outro fator impactante na redução da CBT é a eficiência da refrigeração do leite e a velocidade em atingir a temperatura de refrigeração. As três horas necessárias para que o leite atinja temperaturas inferiores à 4°C permitem a continuidade da atividade microbiana e também podem facilitar a adaptação gradual dos psicrotróficos à nova temperatura.
Esse cenário piora progressivamente com o aumento da CBT. Uma solução para esse ponto seria a adoção do sistema de refrigeração por placas, que faz o leite atingir a temperatura de resfriamento de forma imediata. O intervalo entre a ordenha e a pasteurização deve ser o mais curto possível, de forma a reduzir ao máximo a produção dessas enzimas termoestáveis.
A ocorrência de recontaminação após a pasteurização também é um problema comum que deve ser controlado por meio da higienização adequada de equipamentos, tubulações e conexões. A empacotadeira, em especial, é um equipamento de difícil higienização. Por isso, é frequentemente o ponto onde ocorre a recontaminação do produto.
Um bom indicador da ocorrência de recontaminação pós-pasteurização é a presença de coliformes no leite pasteurizado e fosfatase alcalina negativa. Os coliformes são microrganismos extremamente sensíveis à temperatura e, por isso, não sobrevivem à pasteurização.
Contudo, se voltarem a contaminar o leite após a pasteurização podem causar grandes alterações, especialmente se houver variação na temperatura de armazenamento, que é outro ponto que deve ser controlado pela indústria e por distribuidores.
A contagem de células somáticas (CCS) também deve ser controlada na matéria-prima. Elevadas CCS vêm acompanhadas por alteração na composição do leite e aumento na produção de plasmina. A plasmina é uma enzima presente naturalmente no leite que também causa proteólise, levando aos mesmos defeitos descritos acima.
O emprego de alguns processos como a termização e a microfiltração também pode contribuir para o aumento da vida de prateleira do leite pasteurizado, pela redução na microbiota presente no leite cru. O processo de termização visa eliminar a microbiota termolábil do leite cru especialmente psicrotróficos e coliformes, reduzindo assim as alterações decorrentes de sua multiplicação.
De acordo com o RIISPOA, esse processo é realizado em trocador de calor por placas, no qual o leite atinge uma temperatura de até 65°C por no máximo 15 segundos. A fosfatase alcalina deve permanecer ativa. Já o processo de microfiltração é realizado por meio de tecnologia de membrana, que não envolve tratamento térmico e que promove redução de bactérias e células somáticas por meio de remoção mecânica. Embora seja bastante eficaz, a microfiltração é ainda uma tecnologia cara.
A adoção de um programa de pagamento por qualidade é, sem dúvida, uma excelente ferramenta que pode e deve ser utilizada pelos laticínios. A qualidade do leite cru é a base para a qualidade do leite pasteurizado e também de todos os derivados lácteos. É importante ter em mente que uma vez comprometida, a qualidade do leite não poderá mais ser recuperada por nenhum processo.
*Fonte da foto do artigo: Freepik