O leite UHT é o leite fluido com maior vida de prateleira, em média 4 meses. Entretanto, alguns fatores decorrentes da qualidade da matéria-prima utilizada e do próprio tratamento térmico podem promover alterações sensoriais indesejáveis, reduzindo a aceitação do produto pelo consumidor. Desenvolvimento de sabor amargo, rançoso e/ou de cozido, formação de gele sedimentação proteica estão entre as principais alterações nas características físicas e sensoriais do leite UHT.
A principal causa dos problemas observados no leite UHT é a má qualidade da matéria-prima. Esse problema pode ter origem em uma má interpretação do que ocorre no processamento UHT. O processo UHT promove a “esterilização comercial” do leite, o que pode levar à conclusão equivocada de que o processo seria suficiente para corrigir falhas de higiene cometidasdurante a obtenção e transporte da matéria-prima.
De fato, o processo elimina quase a totalidade da microbiota presente, no entanto, muitas enzimas proteolíticas e lipolíticas endógenas (secretadas pela glândula mamária) e exógenas (produzidas por micro-organismos psicrotróficos) permanecem estáveis ao tratamento térmico e continuam causando alterações durante o armazenamento do leite UHT.
Dessa forma, a qualidade microbiológica do leite cru é fundamental para a obtenção de leite UHT de boa qualidade e estável durante o armazenamento. Boas práticas de higiene devem ser aplicadas visando à prevenção da contaminação do leite.
Longos períodos de armazenamento do leite cru refrigerado devem ser evitados, para minimizar a produção dessas enzimas durante o resfriamento do leite. Altas contagens de células somáticas e leite oriundo de vacas com período de lactação estendido estão relacionados ao aumento nas concentrações da enzima proteolítica plasmina no leite cru e por isso devem ser controladas. Essa enzima é igualmente estável ao tratamento UHT e é responsável pelo mesmo tipo de alteração nas proteínas do leite.
A proteólise promovida por essas enzimas termoresistentes secretadas por psicrotróficos e pela glândula mamária libera peptídeos de baixo peso molecular que podem levar à sensação de sabor amargo. Além da alteração no sabor, a proteólise é responsável pelos dois defeitos que mais limitam a vida de prateleira do leite UHT, a gelificação e a sedimentação.
A gelificação é o aumento na viscosidade do leite que ocorre pela desestabilização da caseína e formação de novas interações entre as proteínas quebradas por essas enzimas, e pode afetar parte ou a totalidade do leite contido na embalagem.
A sedimentação, também decorrente da quebra e desestabilização das proteínas do leite. Pode ocorrer na embalagem, prejudicando a imagem da empresa perante os consumidores. Entretanto, pode também ocorrer nos equipamentos da indústria, promovendo incrustações que prejudicam a higienização dos equipamentos e reduzem a eficiência dos trocadores de calor.
A ação de enzimas lipolíticas igualmente produzidas por microrganismos psicrotróficos degrada a gordura do leite, resultando na liberação de ácidos graxos de cadeia curta, capazes de causar sabor e odordescritos como de “ranço”, de “velho” ou de “sabão”. No leite cru a gordura se apresenta envolta por uma membrana e, nessa conformação, apresenta melhor proteção contra a ação de lipases.
A homogeneização, que é realizada durante o beneficiamento do leite tem por objetivo reduzir o tamanho dos glóbulos de gordura de forma a evitar a formação de linha de nata. De forma simplificada, durante a homogeneização a membrana dos glóbulos de gordura é rompida e, com o aumento no número de glóbulos de gordura, não existe mais membrana em quantidade suficiente para recobrir completamente todos.
Assim, os glóbulos recém-formados apresentam maior suscetibilidade à lipólise. O rompimento da membrana do glóbulo pode ocorrer ainda no leite cru, se este for submetido à pressão, bombeamento e homogeneização muito vigorosos devendo, por isso, ser evitados.
O tipo de equipamento utilizado para o tratamento UHT também influencia de forma significativa a qualidade do produto final, especialmente a qualidade sensorial. Existem basicamente dois tipos de sistemas: um emprega o aquecimento direto, por meio da injeção direta de vapor ao leite e o outro, indireto, aquece o leite por meio de trocadores de calor.
O sistema direto, por atingir a temperatura máxima desejada de forma quase imediata, promove menores alterações pelo calor. Além disso, após a etapa de injeção de vapor o leite passa por uma da câmara de vácuo, com a finalidade de remover a água adicionada na forma de vapor. Essa etapa contribui para a redução do sabor e odor sulfuroso de “cozido”, resultante da desnaturação de proteínas do soro e formação de grupos - SH livres. Além disso, a aplicação de vácuo ajuda a reduzir a concentração final de O2 para valores próximos a 1 mg/L na embalagem.
No sistema indireto, o leite demora mais para atingir a temperatura desejada, sendo exposto a temperaturas intermediárias até atingir a temperatura final. Isso leva à maior desnaturação proteica e intensificação do escurecimento causado pela reação de Maillard. Adicionalmente, a concentração final de O2 na embalagem tende a ser maior, de 8 a 9 mg/L,o que pode favorecer a oxidação lipídica e, portanto, a rancificação.
A intensidade do tratamento térmico é outro ponto importante a ser questionado. A legislação brasileira vigente determina que o leite UHT é “o leite homogeneizado submetido, durante 2 a 4 segundos, a uma temperatura entre 130°C e 150°C, imediatamente resfriado a uma temperatura inferior a 32°C e envasado sob condições assépticas”. As temperaturas praticadas pela indústria estão diretamente relacionadas às alterações sensoriais.
Quanto maior a temperatura utilizada, maiores serão as alterações. Por isso, é preciso estudar qual é a menor temperatura necessária para garantir a estabilidade microbiológica do produto com o objetivo de reduzir as alterações decorrentes do aquecimento.