As mulheres sempre estiveram envolvidas com a arte de transformar o leite em diferentes produtos. Na Idade Média, a produção de lácteos era restrita a elas, que dominavam todas as etapas da mágica conversão do leite, um líquido branco, de sabor suave, em produtos marcantes como queijos, manteiga e iogurte. A tarefa de produzir lácteos era passada de mãe para filha, fazendo com que os produtos comercializados tivessem a identidade das mulheres daquela família ao longo de gerações.
Com a chegada do período pré-industrial, as mulheres foram essenciais para a comercialização, em larga escala, de produtos lácteos entre países, visto que elas dominavam os protocolos da produção dos derivados do leite. Portanto, as mulheres foram as primeiras funcionárias dos primeiros laticínios do mundo.
O desenvolvimento da Ciência do Leite, no século XVIII, concomitantemente com o baixo acesso ao ensino pelas mulheres da época, deu início ao afastamento do núcleo feminino das indústrias lácteas. Nesta mesma época, o processo de industrialização, com produção em grande escala (e o consequente desenvolvimento de grandes equipamentos que tornavam necessário o uso extensivo da força braçal), culminou com a quase extinção das mulheres nas indústrias de laticínios.
Mas, nem por isso, a participação feminina no universo lácteo deixou de existir... As mulheres foram indispensáveis para a introdução da cultura dos queijos artesanais no Brasil e em outros países do mundo. Afinal, a produção desses produtos (cada vez mais apreciados pelos consumidores), que garantem o sustento das famílias em várias propriedades rurais, era e ainda é feita por mãos femininas.
Atualmente, no Brasil e no mundo, as mulheres vêm ganhando cada vez mais espaço no cenário lácteo. O empreendedorismo feminino, de uma forma geral, vem crescendo a cada ano no Brasil. Segundo dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2021, o Brasil é o oitavo país com maior número de mulheres empreendedoras. Ainda segundo o GEM, o Brasil somava, até 2020, mais de 30 milhões de mulheres empreendedoras. Esse total corresponde a quase metade do mercado empreendedor (48,7%), e cresceu 40% só em 2020.
No campo e no cenário lácteo, essa realidade não é diferente. No campo, a presença das mulheres se destaca, principalmente, na pecuária leiteira. Como exemplo, no setor de produção de queijos, as mulheres já constituíam, até 2017, 50% dos produtores cadastrados, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Exemplos do sucesso de mulheres à frente da produção de queijos incluem a história de uma jovem empresária do ramo de queijarias artesanais do interior de Minas Gerais, premiada em um dos principais concursos de queijos do mundo, o Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, da França, em 2019, pela produção de seu queijo.
No ano passado, uma produtora de queijos da cidade de Caçapava-SP, recebeu 2 medalhas de ouro, 2 de prata e 1 de bronze por queijos resultantes de seu trabalho, na edição de 2021 do Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, na França. Nessa mesma edição, outra mineira, de Governador Valadares, conquistou uma medalha de ouro e três de prata com a produção de seus queijos.
De maneira geral, a produção do queijo artesanal envolve o trabalho feminino. A mulher ocupa uma parcela expressiva da produção do tão famoso e apreciado queijo artesanal de Minas. Na maior parte das vezes, a esposa divide a responsabilidade pela produção dos queijos com o esposo e, segundo eles, a mulher é mais dedicada, mais cuidadosa e mais higiênica na produção. Certamente, as mulheres são personagens essenciais para o sucesso do queijo Minas Artesanal! Este padrão é repetido em outras regiões do país, onde há mulheres parceiras e empreendedoras no mercado lácteo.
Na edição de 2019 do Índice Ideagri do Leite Brasileiro (IILB), uma pesquisa revelou que 30% das fazendas com melhor desempenho contam com mulheres em posições importantes, como na administração ou assistência técnica. Elas também exercem funções como veterinárias, zootecnistas, gestoras e trabalhos relacionados à ordenha, alimentação do rebanho etc.
Apesar de um crescimento significativo da presença de mulheres nesse setor, ainda há desafios que são enfrentados por haver dificuldades para serem ouvidas ou uma certa resistência à liderança feminina. Contudo, há por parte delas, uma visão positiva do futuro como pensamentos de se aprimorar tecnicamente.
Podemos ressaltar outras áreas em que as mulheres empreendedoras são sucesso absoluto: a confeitaria e a sorveteria, que utilizam muitas vezes leite e derivados (como leite condensado, doce de leite, leite em pó, dentre outros) como ingredientes para o sucesso. Este mercado movimenta globalmente mais de US $2 bilhões.
O empreendedorismo feminino, que nasce muitas vezes de uma necessidade, como uma saída de obter renda ou para aproveitar uma oportunidade de mercado, vem destacando mulheres fortes e capazes, que reconhecem o seu protagonismo.
Por exemplo, uma empresária de 22 anos criou uma marca em que picolés são recheados na hora de acordo com a escolha do cliente. A jovem empreendedora, mesmo durante a pandemia, conseguiu faturar, em 2020, R$ 6 milhões com suas franquias difundidas em vários estados do país. Vale ressaltar que tanto na base quanto nos recheios, leite e derivados fazem parte dos ingredientes e opções disponíveis!
A academia também vem contribuindo para aumentar a “constelação feminina” na indústria de laticínios mundialmente. Nos Estados Unidos, na década de 1980, apenas 25% dos graduados em Ciência do Leite eram mulheres. Hoje, a cada ano, mais da metade dos formandos corresponde às mulheres. No Brasil, este cenário não é diferente!
Dos estudantes matriculados atualmente no curso de Ciência e Tecnologia de Laticínios, da Universidade Federal de Viçosa, 63% são mulheres. As mulheres também representam 58% dos docentes na pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, área que abrange e forma profissionais em Ciência e Tecnologia do Leite.
É notório que as mulheres vêm ganhando destaque e conquistando um espaço importante nas diversas vertentes do setor lácteo! Não poderíamos deixar de mencionar que nós, autoras desse artigo, temos orgulho de atuar neste universo lácteo. É uma honra contribuir para a divulgação do trabalho feminino na ciência, tecnologia e mercado que envolvem o leite e seus derivados.
Parabéns a todas as “estrelas do leite”!
Referências
A Gender Shift in Dairy Science. 2015. Disponível em: <https://www.progressivedairy.com/news/industry-news/a-gender-shift-in-dairy-science>. Acesso em 28 de fev de 2022.
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Mulheres na atividade queijeira em Minas Gerais. 2017. Disponível em: <https://www.cnabrasil.org.br/noticias/mulheres-na-atividade-queijeira-em-minas-gerais>. Acesso em 24 de fev de 2022.
Global Entrepreneurship Monitor. Women’s entrepreneurship report 2020/21: thriving through crisis. 2021. Disponível em: <https://www.gemconsortium.org/report/gem-202021-womens-entrepreneurship-report-thriving-through-crisis>. Acesso em 24 de fev de 2022.
GRATÃO, Paulo. Jovem cria picolé que o cliente recheia na hora e fatura R$ 6 milhões com franquias. PEGN, [S. l.], p. 1-1, 12 mar. 2021. Disponível em: <https://revistapegn.globo.com/Franquias/noticia/2021/03/jovem-cria-picole-que-o-cliente-recheia-na-hora-e-fatura-r-6-milhoes-com-franquias.html>. Acesso em: 2 mar. 2022.
KHOSROVA, E. Butter: A Rich History. Chapel Hill, 344p.
PIQUINI COMUNICAÇÃO INTEGRADA. Mulheres se destacam em 30% das fazendas com melhor desempenho pelo Índice Ideagri do Leite Brasileiro. Ideagri, [S. l.], p. 1-1, 21 maio 2021. Disponível em: <https://ideagri.com.br/posts/mulheres-se-destacam-em-30-das-fazendas-com-melhor-desempenho-pelo-indice-ideagri-do-leite-brasileiro>. Acesso em: 2 mar. 2022.