Dentre os diversos tópicos abordados na microbiologia do leite e derivados, um tema muito relevante e amplamente discutido são as doenças que os microrganismos, ou suas toxinas, podem causar quando contaminam o leite em alguma etapa da produção, do transporte, da estocagem ou do processamento no estabelecimento industrial.
Assim, muito se discute acerca dos microrganismos que causam infecção, principalmente as bactérias Gram-negativas, quando estas estão presentes nos alimentos ingeridos. Ocorrem também as intoxicações, nas quais as toxinas são produzidas, normalmente, pelas bactérias Gram- positivas, durante a sua multiplicação, e são ingeridas pré-formadas no alimento.
Dessa forma, as infecções caracterizam-se pela ação do microrganismo patogênico no intestino do hospedeiro (que na maioria das vezes é a porta de entrada para que as doenças ocorram), enquanto as intoxicações caracterizam-se pela ação do microrganismo no alimento o qual contamina, produzindo as toxinas que devem ser ingeridas para causarem a doença.
Há ainda as doenças nas quais o microrganismo é ingerido no alimento e, ao alcançar o intestino, pode produzir toxinas e causar a doença. Diante do que foi exposto, viemos abordar sobre uma bactéria que é Gram-positiva e que causa uma infecção grave ao contaminar leite cru, pasteurizado e também queijos— principalmente os de média e alta umidade — que é a Listeria monocytogenes.
Este microrganismo apresenta grande notoriedade por ser uma preocupação constante devido à gravidade das doenças que ela causa e à dificuldade em combatê-la na indústria laticinista. Algumas particularidades desse patógeno são relevantes: em primeiro lugar, é Gram-positiva e, diferente da maioria das bactérias Gram-positivas, precisa ser ingerida nos alimentos contaminados para causar a infecção.
Além disso, algumas características deste patógeno são importantes, tais como a sua capacidade de se multiplicar a baixas temperaturas —ou seja, é psicrotrófica — e apresenta capacidade de formar biofilmes, podendo contaminar o leite tanto na fazenda quando estocado em tanques de resfriamento quanto nas linhas de processamento nas indústrias.
Além da capacidade de formar biofilmes, outra característica que dificulta a sua eliminação é a sua resistência a condições adversas, comumente empregadas na indústria laticinista, como tratamentos de desinfecção, secagem, congelamento, além de apresentar tolerância a altas concentrações de sal. Essas características são relevantes para uma bactéria que não é capaz de formar esporos.
Devido à sua capacidade de formar biofilmes, a L.monocytogenes pode permanecer nas superfícies dos equipamentos aos quais não foram adotados protocolos adequados de higienização para, posteriormente, contaminar o leite e seus derivados.
Outra fonte potencial de contaminação na indústria são os colaboradores que podem ser reservatório desta bactéria, mesmo que não apresentem a doença. Estima-se que cerca de 1 a 10% da população seja portadora assintomática, e, por isso, eles podem contaminar os produtos quando não adotam práticas de higiene corretas. Além disso, pode ocorrer a disseminação na indústria pelas roupas e botas contaminadas por esta bactéria.
É importante salientar que este microrganismo pode permanecer nas linhas de processamento durante meses e até por anos. Assim, a frequência do protocolo de higienização reflete diretamente na qualidade do processo. A higienização correta de mãos e botas dos colaboradores também é essencial, uma vez que estão em contato direto com o produto.
Listeriose é um conjunto de doenças causadas pela ingestão de alimentos contaminados por L. monocytogenes. São doenças raras, mas muito graves e apresentam alta taxa de mortalidade, principalmente para grupos susceptíveis, como idosos, gestantes, recém-nascidos e pessoas imunocomprometidas, as quais são submetidos a tratamentos como câncer, AIDS e hemodiálise, por exemplo.
Por ser uma bactéria oportunista estes grupos específicos são mais facilmente acometidos. Em casos mais graves, pode ocorrer meningite, meningoencefalite, encefalite e septicemia. Em mulheres grávidas pode ocorrer infecção placentária, o que resulta em abortos, alta taxa de natimortos, partos prematuros ou infecções perinatais com elevado índice de mortalidade.
A L. monocytogenes é ubiquitária, ou seja, está presente em diversos ambientes como solo, material em decomposição, esgoto e água. Na indústria de laticínios, as principais vias de introdução desse patógeno são o leite cru, os utensílios e os equipamentos contaminados, o solo carreado pelas botas e roupas dos trabalhadores, bem como a água. Como citado anteriormente, L. monocytogenes pode permanecer no ambiente de processamento durante meses ou anos. Entre os produtos lácteos, os queijos são os mais comumente contaminados por essa bactéria, principalmente, os de alta e média umidade.
No Brasil, a listeriose humana não é uma enfermidade de notificação obrigatória. Portanto, ainda é muito difícil determinar o perfil desta doença, principalmente a sua origem, uma vez que a sua transmissão pode ocorrer pela ingestão de alimentos contaminados.
Para finalizar, destacamos as principais formas de prevenção desta bactéria na indústria laticinista; dentre elas, a adoção de boas práticas de higiene e fabricação é fator essencial para o controle da possível contaminação ambiental por essa bactéria. Por isso, deve ser sempre realizado adequadamente, além de ser necessário sempre o seu monitoramento. Além, disso, a higienização correta das mãos e botas dos colaboradores deve ser realizada, além do controle de seu fluxo correto na fábrica.
É importante que haja a conscientização dos manipuladores de alimentos para adotarem boas práticas de higiene pessoal e que exames periódicos de saúde sejam realizados para monitorar a possibilidade de contaminação por esta bactéria na indústria laticinista.
Tendo em vista que a bactéria é psicrotrófica e capaz de se multiplicar sob refrigeração, isso caracteriza um desafio para seu controle na cadeia produtiva do leite. Dessa maneira, uma forma eficiente de promover a sua eliminação é a aplicação de tratamentos térmicos corretos aos alimentos. Além disso, é necessário que haja o resfriamento rápido as menores temperaturas possíveis para a conservação do leite e de seus derivados.
É importante ressaltar que se este microrganismo estiver presente em produtos como o leite pasteurizado, por exemplo, significa monitoramento incorreto do processo ou possível contaminação pós-processamento em decorrência da capacidade de a bactéria de formar biofilmes, dificultando a sua eliminação em processos de higienização, uma vez que pode estar presente em locais inacessíveis dos equipamentos industriais. Portanto, a contaminação cruzada deve ser evitada. Por esta razão, existe a possibilidade de contaminação dos queijos elaborados a partir de leite pasteurizado.
Quanto à prevenção na indústria, é fundamental realizar o monitoramento microbiológico dos processos, superfícies e produtos para garantir a qualidade dos processos e que o produto final não esteja contaminado com esta bactéria e coloque em risco a saúde do consumidor.
A administração de antibióticos é a forma mais comum de tratar as doenças causadas por L. monocytogenes, mas pode ser ineficiente em até 70% dos casos e, por isso, é importante esclarecer às gestantes e também aos indivíduos do grupo de risco que a ingestão de alimentos crus, mal processados e queijos macios deve ser evitada.
Consideração final
É fundamental realizar o monitoramento microbiológico dos procedimentos, superfícies e produtos para garantir a qualidade dos processos, assegurando que o produto final não esteja contaminado pela Listeria monocytogenes, podendo colocar em risco a saúde do consumidor.
Referências
EMBRAPA. Listeria monocytogenes em Leite e Produtos Lácteos. 2009. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/697483/1/Doc119.pdf>. Acesso em: 5 de maio de 2022.
Listeria monocytogenes: Ocorrência em Produtos Lácteos e suas Implicações em Saúde Pública. Barancelli, G.V, SILVA-CRUZ, J.V., PORTO, E., OLIVEIRA, C.A.F. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.78, n.1, p.155-168, jan./mar., 2011
Ribeiro VB, Destro MT. Listeria monocytogenes. In: Trabulsi LR, Alterthum F (ed). Microbiologia. 6. ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2015. p.255-264