A produção de leite de ovelha no Brasil comumente é pequena e verticalizada, sendo o processamento do leite realizado em pequenos laticínios, que muitas vezes não tem laboratório de microbiologia e técnico especializado. Atualmente não existe na legislação brasileira um regulamento técnico que estabeleça um padrão de identidade e qualidade para essa matéria-prima. Por estas razões era muito importante avaliar a eficácia de métodos físico-químicos simples (determinação de pH, acidez, estabilidade ao álcool, teste de azul de metileno e teste de fervura do leite) como indicativos da qualidade microbiológica do leite de ovelha.
Baseado nos resultados de Tribst et al. (2019a), o teste de fervura, estabilidade ao álcool e medida de pH não são bons indicativos da qualidade do leite. Por outro lado, o teste de acidez e redutase se mostraram eficientes para predizer a qualidade microbiológica do leite de ovelha, sendo o teste de acidez mais rápido e prático (Tabela 1). Ainda assim, é importante destacar que o uso do teste de acidez para avaliar indiretamente a qualidade microbiológica do leite de ovelha só é valido se for realizado de forma frequente (diária/semanal) pelos produtores, de forma a descartar oscilações naturais de acidez esperada para os rebanhos de ovelha (Tribst et al. (2019a).
Tabela 1. Faixa de resultados obtidos para os diferentes parâmetros físico-químicos de leite de ovelha em função da contagem de bactérias total
Impacto do congelamento e da refrigeração prolongada nas contagens de bactérias e parâmetros físico-químicos do leite de ovelha
Considerando os baixos volumes de leite produzido por animal, outro ponto em comum na ovinocultura leiteira é o congelamento do leite. Esse processo é utilizado como estratégia para preservação do mesmo até acumular um volume de leite compatível com o processamento. Não existe legislação brasileira que regule este processo e, dentre os estudos disponíveis, Tribst et al. (2019b) sugerem que é possível usar o congelamento para preservação do leite, resultando em pouco acréscimo na contagem de bactérias totais imediatamente após o descongelamento, mesmo para amostras congeladas em latão de 5L, desde que a contaminação inicial do leite não esteja muito próxima ao limite estabelecido.
No entanto, para garantir o sucesso do congelamento, é importante que o leite seja resfriado rapidamente, o que pode ser obtido pelo resfriamento em tanque de expansão antes do acondicionamento do leite nas embalagens para congelamento ou imersão das embalagens em banho de gelo/ água gelada agitado (Tribst et al. (2019b).
Um ponto relevante desse estudo está no fato que a margem de aceitação de acidez em amostras de leite de ovelha previamente submetidas ao congelamento devem ser maiores do que do leite não congelado (uma vez que o congelamento/ descongelamento aumentou a acidez em pelo menos 3,5 oD, mesmo para as amostras com aumento de CBT desprezível - Tribst et al. 2019b).
Além do congelamento, a manutenção do leite sob refrigeração por vários dias é outra estratégia utilizada para preservação do leite até acumular um volume compatível com o processamento. No mesmo estudo realizado por Tribst et al. (2019b), os autores verificaram que as amostras resfriadas em tanque de expansão tiveram as maiores taxas de resfriamento, dada à baixa temperatura da camisa e a agitação do leite, que aumenta a eficiência do processo. A adição de leite quente diária no sistema promoveu acréscimo de temperaturas (entre 2e 5 oC), mas o tempo de permanência nas temperaturas elevadas foi pequeno, graças à eficiência do sistema.
A tabela 2 mostra os tempos necessários para que a Contagem de Bactérias total atingisse os limites estabelecidos pela IN 77 (padrão para leite de vaca) e pela Diretiva 94/71 da comunidade europeia para leite de ovelha. Baseado nesses resultados, os autores concluíram que se o leite for resfriado de forma estática (em refrigeradores) o volume é muito importante. Volumes grandes levam muito tempo para resfriar, fazendo com que o leite fique por muitas horas em condições que favorecem o crescimento microbiano, reduzindo sua qualidade e, consequentemente, o tempo de estocagem aceitável (Tribst et al., 2019b).
Tabela 2. Tempo (dias) para amostras atingir limite de CBT* estabelecido pelos parâmetros legais do Brasil (leite de vaca) e Europa (leite de ovelha)
*CBT inicial: 25.000 a 77.500 UFC/ mL. ** Simulador de tanque de expansão
Como o congelamento e a refrigeração prolongada afeta a estabilidade de leite de ovelha?
Baseado nesses estudos é possível dizer que refrigeração do leite cru e a estocagem congelada garantem boa qualidade microbiológica ao leite de ovelha. Entretanto, esses processos de conservação podem afetar negativamente a estabilidade desta matéria prima, prejudicando posteriormente a produção de queijos e iogurtes.
Neste contexto, no estudo realizado por Tribst et al. (2019c) verificou-se que a refrigeração prolongada do leite de ovelha pode favorecer a ação de proteases (endógenas e microbianas) e aglutininas, levando ao aumento da sedimentação e da separação natural de creme.
Além disso, o processo de congelamento do leite em freezer doméstico, seguido de descongelamento a 7 ºC, causa danos aos glóbulos de gordura do leite e posterior agregação. Isso resulta em maior tamanho de partículas dispersas no leite e maior separação natural de creme (Tribst et al., 2019c). Tais alterações podem afetar as características do produto obtido a partir deste leite.
Por outro lado, o descongelamento do leite a 25ºC causa menos danos na estrutura do leite quando comparado ao descongelamento a 7 ºC (Tribst et al., 2019c). Entretanto, o descongelamento à temperatura ambiente é mais arriscado em termos microbiológicos e deve ser realizado com muito cuidado para que a temperatura do leite em contato com a superfície da embalagem não ultrapasse 8 ºC.
Este artigo foi escrito por membros das Equipes do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alimentação (NEPA), Laboratório de Inovação em Processamento de Alimentos (LIPA/DTA/UFV) e do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow (CEFET/RJ).
Referências
Tribst, A.A.L., Falcade, L.T.P., Leite Júnior, B.R.C., Oliveira, M.M. (2019a). Why are most physicochemical parameters not useful in predicting the quality of sheep milk? International Journal of Dairy Technology, 73 (1) 292-295.
Tribst, A.A.L., Falcade, L.T.P., Oliveira, M.M. (2019b). Strategies for raw sheep milk storage in smallholdings: Effect of freezing or long-term refrigerated storage on microbial growth. Journal of Dairy Science, 102 (6) 4960-4971.
Tribst, A.A.L., Falcade, L.T.P., Ribeiro, L.R., Leite Júnior, B.R.C., Oliveira, M.M. (2019c). Impact of extended refrigerated storage and freezing/thawing storage combination on physicochemical and microstructural characteristics of raw whole and skimmed sheep milk. International Dairy Journal, 94, 29-37.