A safra brasileira de grãos indica mais um recorde para 2023, totalizando 298 milhões de toneladas, de acordo com a previsão de fevereiro do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), divulgado pelo IBGE. Em relação a janeiro, a estimativa registrou redução de 1,3% (3,9 milhões de toneladas). Os principais declínios nas previsões de produção foram da soja, do milho 1ª safra, do milho 2ª safra e do arroz.
O IBGE destaca que a queda na estimativa ocorreu devido aos fatores climáticos, afetando principalmente a região Sul. O cenário de seca castiga todas as culturas no Rio Grande Sul. Além do milho e da soja, a criação de gado de corte e a produção de leite seguem afetadas pela falta de chuvas na região.
Essa situação motivou uma manifestação pública da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro/RS). A entidade, que congrega 42 cooperativas gaúchas, representando 173 mil produtores, na sua maioria formada por pequenos agricultores, pede que o governo tome medidas urgentes para auxiliar o campo a superar a situação em que se encontra.
O MilkPoint conversou com integrantes do setor na região, com intuito de trazer um panorama dos impactos que a seca tem gerado.
Marcio Sceze Paniuk, vendedor de equipamentos de ordenha e adubos no Vale do Taquarí, ressaltou a sequência de anos secos e as consequências severas para as culturas. "Nós vamos para o quarto ano de estiagem, ano passado foram 400 municípios em situação de emergência. Aqui na região que é próxima da capital Porto Alegre, nós estamos sofrendo, mas tem outras regiões que estão sofrendo muito mais. Regiões mais agrícolas e com propriedades maiores. Essa situação foi terrível para o plantio, vimos perda de 70% do milho em algumas lavouras, animais sem água”, contou Márcio.
Paniuk relata a falta de ações efetivas do governo e destaca que o horizonte não é dos melhores. “A gente vê muito discurso do governo (independente de quem está no poder) prometendo mais ações como abrir açude, ter reservatórios de água, mas não vemos muitas ações efetivas. Eu trabalho vendendo ordenha e adubo foliar e não tenho coragem de ir em propriedade oferecer produto. O momento é muito desafiador, juros muito altos, risco muito alto e a gente fica sem ter o que fazer. As previsões indicam que vai chover menos da média e as temperaturas estarão mais altas. Ano passado nesse mesmo período a gente estava de jaqueta e esse ano ninguém aguenta de calor”, contou.
Thiago Bordin, Médico Veterinário professor do curso de agronomia da Faculdade CESURG e consultor na região Serra e Planalto médio, falou sobre as dificuldades que os pequenos produtores enfrentam, destacando a importância de se tecnificar, evitando ficar refém da falta de planejamento.
"O último relatório socioeconômico da cadeia produtiva do leite no RS demonstra que muitos dos pequenos produtores saíram da atividade, enquanto os grandes permaneceram, investiram e evoluíram. O que isso demonstra? Que em um cenário de seca e de desafios como pragas de lavouras, exemplo a cigarrinha, o pequeno produtor não usou tecnologia e acabou tendo que sair porque a conta no final do mês não fechava, não obtinha lucro. Já o grande, se adaptou ao novo desafio. Usou tecnologias de monitoramento, irrigação, fertilidade e utilizou resultado de pesquisas para escolha de híbridos de milho mais resistentes aos desafios enfrentados na lavoura para obtenção de uma melhor silagem de milho”, contou.
O Veterinário também ressaltou a importância de ter diferentes culturas para plantio no inverno e verão na alimentação dos animais. “O produtor fez uso de muitas culturas de inverno (cevada, trigo, triticale para pré secado ou silagem), e essa estratégia salvou muitas propriedades leiteiras por aqui. Observa-se também um aumento no número de ordenhas robotizadas nas propriedades desta região (hoje 206 robôs no estado) se concentrando mais na região norte. Aumentou muito o número de animais confirmados em sistema de freestall (para compost, o pessoal está tendo problema com a aquisição de materiais para a reposição da cama). Em relação à nutrição, na minha percepção, mais da metade das propriedades estão no limite de alimento conservado estocado por duas razões: baixa performance da lavoura, devido à seca e cigarrinha, e ao planejamento forrageiro ruim. Isso abriu muitas portas para subprodutos, há cerca de 3 anos a gente vê muito a casca de soja, caroço de algodão, DDG, resíduo de cervejaria e polpa cítrica pelas propriedades por aqui. Esse déficit em silagem precisou ser suprido por outros alimentos, comprados de fora. E olha, quem está usando está indo muito bem”, disse.
Thiago ainda relatou a queda nas médias de produção de leite e a situação da reprodução nas propriedades. “Em relação a produção e reprodução, ví uma queda média de 4 litros/vaca/dia por causa do estresse térmico. A média era de 32 a 34 litros nas fazendas e agora é 28 a 30. Quanto à reprodução, vimos também muito retorno ao cio e baixa taxa de concepção”
O Consultou relatou a resiliência e a força de vontade dos produtores para enfrentar a situação. “Mas é daquele jeito né, o povo aqui tem vocação para o leite, é muito trabalhador e resiliente está no sangue dos nossos produtores o que ajuda a passar por cima disso tudo”, concluiu.
As informações são da Revista Veja e Equipe MilkPoint.