Haroldo Max de Souza, da Centroleite, fala sobre o momento do mercado em Goiás

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Max é o atual presidente da Centroleite, cooperativa virtual que reúne 13 cooperativas em Goiás e capta entre 600 e 700 mil litros diários, cerca de 10% da produção do Estado, vendidos para empresas como DPA/Nestlé, Italac e LeitBom. Mineiro, está há 14 anos em Orizona/GO, a 135 km a leste de Goiânia, onde produz 500 litros diários e é o presidente da COAPRO, cooperativa local singular associada à Centroleite. Ele falou com exclusividade sobre o atual momento de mercado em Goiás, um dos epicentros da crise da Parmalat, além dos planos da Centroleite para o futuro.

MKP: Como está hoje a situação do mercado em Goiás?

HMS: A situação ainda é complicada. Hoje (03/02), a fábrica da Parmalat em Santa Helena fechou por falta de matéria-prima. De uma captação que variava entre 900 a a 1 milhão de litros diários, caiu a zero. Perderam todos os produtores.

MKP: Quem ficou com o leite da Parmalat em Goiás?

HMS: O mercado gradativamente acomodou esse leite, porém com preços menores. Evidentemente, as empresas de maior porte ficaram com um naco maior. No nosso caso, houve realocação e o leite foi distribuído entre algumas empresas.

MKP: A Centroleite perdeu diretamente com a crise da Parmalat?

HMS: A Parmalat sempre foi o segundo maior cliente da Centroleite, mas quando a crise estourou, o fornecimento já havia caído, atingindo 1 milhão de litros/mês apenas, devido à própria estratégia da Parmalat de captar leite em outras regiões. De certa forma, tivemos sorte. Hoje, nossa produção vai para a DPA/Nestlé, que chega a comprar 70% do leite, Italac e LeitBom. O problema mais sério em Goiás, creio, é relativo aos produtores independentes, que não receberam. Quando se fala em dívidas de R$ 6 milhões [da empresa em Goiás], refere-se a dezembro; não se menciona a produção de janeiro, cujo pagamento vence em meados de fevereiro. A Centroleite parou imediatamente de fornecer à Parmalat depois que a crise veio a público, mas a maior parte dos produtores independentes continuou a abastecer a empresa. Isso preocupa. Nosso leite [da Centroleite] de janeiro, ao final de dezembro, já estava negociado, ou seja, não tivemos um efeito tão grande como os produtores independentes, que fornecem o leite e só depois vão saber quanto receberão.

MKP: E em relação ao pagamento?

HSM: Como você deve estar a par, a Centroleite não recebeu o valor total devido pela Parmalat. No dia 16 de janeiro, tivemos o pagamento de parte do valor a receber, via Bradesco, de apenas uma de nossas associadas. O restante, via Banco do Brasil, foi retido. O valor é da ordem de R$ 530.000,00 para 6 cooperativas.

MKP: E os efeitos indiretos, que ocorreram em função da queda dos preços do leite?

HMS: A Centroleite amadureceu sua atuação no mercado spot e não somos pegos tão de surpresa pelas variações do mercado. Enquanto tinha leite spot sendo comprado a R$ 0,30 o litro, nosso pior preço foi R$ 0,40, isso para um volume significativo, da ordem de 700 a 800 mil litros/dia. Estamos com uma parceria muito saudável com a DPA/Nestlé, procurando aferir o preço para frente sem cair em uma negociação marcada pela agressão mútua, como costuma acontecer no mercado spot. Muitos que vendem no mercado spot sem o enfoque de longo prazo, sendo mais oportunistas, ficaram a ver navios, sem nem ter para quem vender no momento da crise. Não tivemos nenhuma dificuldade de colocar nosso leite com mercado, apesar de não ganharmos o que queríamos. Talvez a DPA/Nestlé pudesse ter optado por comprar leite mais barato em outros lugares, mas analisando o médio e o longo prazo, entendeu que valeria a pena continuar conosco. Resumindo, o mercado está ruim, mas estamos em situação melhor do que a média, fruto da parceria com a DPA/Nestlé, Italac e LeitBom.

MKP: Você vê então a possibilidade de integração entre cooperativas como a Centroleite e laticínios não cooperativados?

HSM: Dentro do atual modelo de atuação de nossa Central, que é virtual, sem dispor de fábrica, a melhor solução é criar esse relacionamento com nossos clientes, aperfeiçoando a parceria. O sonho seria termos um contrato de, por exemplo, 12 meses de fornecimento, com quantidades e preços estabelecidos. Isso hoje não é possível.

Por outro lado, estamos participando das reuniões da OCB e CBCL, avaliando novas possibilidades para a Centroleite. Minha esperança é que nós caminhemos para a construção ou compra de uma fábrica junto com as cooperativas de Minas Gerais e São Paulo. Eu chego a sonhar com a possibilidade de termos uma grande cooperativa central no Brasil, que possa ser mais competitiva. E acho que isso ainda vai ocorrer, ou por bem, ou por mal... Acho que nós, dirigentes de cooperativas, precisamos desarmar os espíritos para conversar. Tínhamos 60% do mercado e hoje temos 40%. Faltou empreendedorismo, visão de negócios, competência. Se não mudarmos, vamos perder mais.

MKP: Como está questão da fábrica própria?

HSM: A questão da fábrica própria não é tão simples. Primeiro, a Centroleite reúne 13 cooperativas e as decisões levam em conta essa característica. Tudo precisa ser bem decidido. Muito se falou disso desde o estouro da crise, os políticos gostaram da idéia, mas aqui na Centroleite o fato é que nunca pensamos em comprar ou arrendar a fábrica da Parmalat, até porque essa possibilidade não existia antes da crise. Do dia 15 de dezembro até hoje, começou-se a trabalhar essa questão, mas não posso reunir 13 cooperativas e decidir sobre algo que nem sabemos como poderá ser feito, ou mesmo se poderá ser feito. Não sabemos se a concordata será aceita pela Justiça, se será possível arrendar ou comprar. Não se pode decidir com base da especulação. É preciso primeiro ter informações concretas, o que ninguém ainda tem.

MKP: E como está a conversa com as outras cooperativas?

HMS: Estamos com um projeto da OCB em parceria com a CBCL, através do qual já foram realizadas três reuniões muito interessantes sobre como as cooperativas poderiam se organizar de maneira mais competitiva e resolver os problemas que são comuns a todas. A última reunião foi em Brasília e eu diria que estamos caminhando bem, sendo até possível acontecerem fusões e incorporações no futuro. Também está sendo discutida a comercialização conjunta de leite no mercado spot e leite UHT, bem como um trabalho com o CEPEA/USP, de informações de mercado, que foi contratado. Sou otimista, mas é preciso ter em conta que é um processo que demanda tempo para ser colocado em prática.

MKP: Como está a perspectiva de preços para fevereiro?

HMS: Era previsto um aquecimento no preço para o leite de fevereiro, o que efetivamente não houve. Nosso preço deverá atingir R$ 0,42/litro, ao passo que se desenhava em dezembro valores entre R$ 0,45 e R$ 0,47 por litro para esse mês. Alguns de nossos clientes diminuiram as compras, outros mantiveram mas não quiseram acenar com aumento de preços. Estávamos desenhando um acordo de prazo mais longo com alguns compradores, envolvendo 60 dias com preço garantido, que não foi adiante devido ao cenário que se formou com a crise da Parmalat. Ninguém quer se comprometer com preços. Tem ainda muito leite no mercado e nosso preço de fevereiro deve repetir o verificado em janeiro.

MKP: E quando o Sr. acha que o setor "sai do buraco"?

HSM: É difícil dizer. Vai depender de vários pontos, como o destino da crise da Parmalat, a manutenção das tarifas anti-dumping e a recuperação da economia brasileira. Apesar do início muito ruim, sou otimista: 2004 pode até ser melhor do que 2003, se a economia crescer, se o governo evitar que volte a entrar leite importado em grandes quantidades e se os efeitos da crise da Parmalat forem minimizados.
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Fábio Machado Teles
FÁBIO MACHADO TELES

OUTRO - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 03/04/2004

Parabéns ao Haroldo pela visão empreendedora de médio e longo prazo e em buscar o equilíbrio com indústrias importantes na cadeia láctea com Nestlé, Italac e LeiteBom. Pela própria natureza do mercado é salutar a busca de convivência eqüanime entre as partes. Este é o caminho da segurança para que produz, a certeza da colocação de seu produto com preços se os desejados, pelo menos não aviltados.
Carlos Giacometti
CARLOS GIACOMETTI

LIMEIRA - SÃO PAULO - VAREJO

EM 20/03/2004

Realmente, na cadeia produtiva o produtor está desvalorizado, ficando em terceiro plano.

Nós supermercadistas raramente temos ganhos com o leite longa vida. Se nas duas pontas da cadeia de valor estamos perdendo...

Tem muita gente aí no meio que está se dando muito bem.

Fica a pergunta :

Até Quando ???
Jose Ronaldo Borges
JOSE RONALDO BORGES

CUIABÁ - MATO GROSSO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 10/02/2004

Muito interessante a entrevista com o Presidente da Centroleite. Recentemente fiz um comentário nesta seção, dizendo que a quebra da Parmalat seria benéfica para o setor, muito embora ocasionasse diversos transtornos a curto prazo, o que realmente aconteceu. Vemos hoje diversas lideranças e o próprio governo buscando novos caminhos para o setor. Eu acredito que o futuro do setor esteja nas mãos das cooperativas, desde que estas não fiquem refém de um único comprador para o seu produto.A situação do Rio de Janeiro onde a Parmalat era a única compradora chega a ser uma irresponsabilidade.
Roberto Jank Jr.
ROBERTO JANK JR.

DESCALVADO - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 10/02/2004

Max,

Gostei de saber que a Centroleite tem um presidente lúcido, objetivo e consciente da realidade e necessidades atuais.
Também gostei de ver a palavra "otimista" em mais de uma resposta da entrevista. É disso que precisamos. Conte comigo.
Fernando Affonso Ferreira
FERNANDO AFFONSO FERREIRA

ITABUNA - BAHIA - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 09/02/2004

Gostei muito da emtrevista do presidente Max de Souza.

Tenho apenas que comentar que ao invés de fazer uma grande cooperativa do Centro Oeste, porque não uma grande, muito grande, de todo o Brasil?

Sei que não é facil, mas é a solução para nós produtores de leite do Brasil.
carlos alberto t. zamboni
CARLOS ALBERTO T. ZAMBONI

CERQUEIRA CÉSAR - SÃO PAULO - INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS

EM 04/02/2004

Sempre muito me surpreendia a forma de comercialização da Centroleite. Em 2001 trabalhava em uma importante empresa e assisti as dificudades para se negociar com ela. Gostaria de parabenizar o Sr. Haroldo e seus parceiros DPA/Nestle, Italac, Leitbom, pela maneira bastante responsável e profissional que estão conduzindo esta importante forma de se comercializar leite e que sirva de exemplo, pois o que acontece no mercado spot da Centroleite reflete de maneira bem marcante em outras regiões do pais.
Qual a sua dúvida hoje?