Para inaugurar o Especial Região Sul com o pé direito, vamos viajar até a cidade de Alecrim, no Rio Grande do Sul e contar a história da Granja Kreutz, propriedade de Ivar José Kreutz. Mas, antes de iniciarmos, precisamos entender a ligação e o amor do Ivar pela bovinocultura de leite, esta, que passou a fazer parte da sua vida desde os 11 anos de idade. Segundo ele, naquela época, surgiu a oportunidade de seus pais venderem leite para um laticínio estabelecido na região.
Entrada da propriedade
“Lembro que o leite era tirado no balde e levado até a beira da estrada principal. Algo como 7 litros diários”, lembrou. Passado algum tempo, ainda apaixonado pela atividade e já com 18 anos, Ivar foi estudar Agronomia e, após formar-se, começou a trabalhar com extensão rural, sendo técnico da Emater/RS.
“Em 1994 fiquei em uma encruzilhada e precisava definir melhor um rumo a ser seguido. Vi que era necessário ser empreendedor, então voltei para minha região, adquiri uma fração de área de 20 hectares e comecei a produção leiteira com apenas duas vacas”, contou. Ele seguiu na atividade extensionista, atendendo outros produtores, e, paralelamente, tocava a propriedade.
“Tinha a clareza de que, com as frações de área do município, seria muito difícil ser competitivo na produção de commodities. Além disso, tinha uma simpatia muito grande pela atividade leiteira e engorda de suínos”, acrescentou.
Durante quatro anos, as duas atividades foram realizadas em condições bastante precárias. No fim desse período, Ivar conseguiu construir um galpão de alimentação, uma sala de ordenha e uma pocilga para a engorda de 300 suínos em cada lote. Os suínos representavam renda e a possibilidade de utilizar os dejetos como fertilizante orgânico para as pastagens.
Durante algum tempo, Ivar teve que administrar a propriedade à distância, com a ajuda de colaboradores. Segundo ele, neste período, chegava a fazer apenas três ou quatro visitas anuais. Depois, sentiu a necessidade de cuidar da granja mais de perto e, sendo também técnico, levava o conhecimento adquirido na academia e nas demais propriedades até ela.
“A propriedade sempre foi um combustível a mais para a minha vida profissional. Ela foi meu laboratório de pesquisas sobre leite em toda a minha trajetória”, afirmou. “Além disto, a granja é um sistema e, devido às consultorias, meu olho está treinado para ver onde estão os estrangulamentos. Os problemas não costumam ser pontuais e a prática permite que se tenha uma leitura do todo para, assim, estabelecer prioridades de intervenção”.
Atualmente, a Granja Kreutz conta com 40 hectares, que abrigam um sistema de produção semi-intensivo e produção de forrageiras perenes. O volumoso - silagem e feno - vem de mais longe (3 a 5 km), de áreas em sua maioria arrendadas. A maior parte das vacas são Holandesas, havendo algumas da raça Jersey. São um total 120 em lactação, com produção de 2.600 litros de leite diários (média de 20 litros/vaca/dia). A granja possui um açude para a irrigação de 4 hectares de pastagens. O sistema de irrigação também é utilizado para fertirrigação, fazendo a ciclagem de nutrientes e transportando menos água. Existe uma arborização significativa para amenizar o calor do verão no Vale do Rio Uruguai, inclusive, esta vegetação auxilia em um microclima mais ameno para as pessoas e os animais.
Vacas na pastagens
Há cinco anos a propriedade vêm implementando as Boas Práticas de Fazenda (BPF), que têm estrita relação com a qualidade da matéria-prima produzida. O leite é entregue à empresa Lactalis, a qual concede bonificação por volume, qualidade e fidelidade. Apesar deste sistema, Ivar não acredita que o pagamento deva ser a única motivação para se fazer o que é certo. “Entendo que, como produtor, devo produzir um leite de alta qualidade em um ambiente limpo e feliz e ter um preço que me permita prosperar na atividade”.
Com relação à qualidade do leite, o parâmetro Contagem Bacteriana Total (CBT) não tem sido um problema na fazenda, visto que oscila entre 8 e 20 mil UFC/mL de leite, em virtude da preocupação com a higiene. Contudo, quanto se trata da Contagem de Células Somáticas (CCS), tem sido mais trabalhoso manter-se nos padrões exigidos pela lei. Segundo ele, o maior desafio foi alinhar as necessidades com os colaboradores, principalmente para que eles entendam e evitem que os animais sofram qualquer tipo de estresse, tendo em vista que isto possui grande influência sobre a imunidade e, consequentemente, sobre a mastite. Ainda assim, atualmente o valor gira em torno de 450 mil células/mL de leite e cada análise é ansiosamente esperada para nova tomada de decisões.
Atualmente, Ivar é também professor na Faculdade SETREM (Sociedade Educacional Três de Maio), no curso de Agronomia. De acordo com ele, essa característica de olhar os dados e resultados criticamente advém da academia, ou seja, este é um estímulo para querer compreender o porquê de tudo. “Ela [a academia] rompe com o vício de diagnosticar o problema e tomar medidas corretivas imediatas, fazendo uma análise mais apurada dos fatos. Permite manter em atividade a análise crítica, presente na pesquisa, fugindo da ação impulsiva”, esclareceu.
Porém, o professor contou que, mesmo com toda a reflexão antes da execução de cada projeto, alguns deles não deram certo, diante da dura realidade do campo. Ainda assim, segundo ele, a Granja Kreutz permanece na atividade, com nível de profissionalização crescente e com uma perspectiva significativa de incremento de produção, mostrando que, apesar de alguns erros, os acertos são compensadores.
Outro desafio enfrentado pela Granja Kreutz é que ela está inserida em uma bacia leiteira relativamente recente, quando comparada a outras da Região Sul. A cidade de Alecrim está situada no noroeste do estado, fazendo fronteira fluvial com a Argentina. É uma região de clima mais quente, com as quatro estações bem definidas e potencial de produção de pasto o ano todo. Como acontece na Granja Kreutz, muitas propriedades produzem também suínos e usam os desejos na pastagem.
Vacas no galpão com alimentação ao meio dia
Todavia, por ser uma região recentemente produtora de leite e com características peculiares, poucas pesquisas foram realizadas a fim de potencializar sua capacidade de produção. Unindo isso às características de pequenas produções familiares e agricultores que saíram de outras atividades e entraram na bovinocultura de leite, acabou-se por ser comum adotar estratégias e “modismos” de outras regiões do país e que não necessariamente são aplicáveis naquele contexto. Esse fato, durante um bom tempo, custou caro ao produtor, que não via resultado e se sentia desamparado. Contudo, a partir de 2010, esta realidade começou a mudar, quando cooperativas locais passaram a investir em pesquisas e assistência técnica para seus sócios, gerando um grande desenvolvimento produtivo na região.
Sobre a importância da assistência, Ivar, com sua experiência de 25 anos de produção, tem a seguinte opinião: “todos os profissionais são dignos e fazem parte da cadeia produtiva do leite com funções distintas, seja técnico, vendedor ou consultor independente. Mas as principais decisões devem acontecer com um consultor, categoria profissional que vem sendo estimulada pelas empresas e cooperativas, que tenha visão estratégica da atividade e que ajude o produtor a acionar os diferentes elos da cadeia produtiva do leite”.
Por fim, Ivar, que se aposentou da carreira extensionista no último ano, fez um resumo sobre sua relação com o leite, visto que agregou experiência como produtor, consultor e professor: “sempre achei que não poderia mostrar tudo que aprendi durante anos e hoje tenho consciência que nunca será perfeito. Acredito que tenho algumas coisas boas que a academia me ensinou e outras que só aprendi pagando o preço do acerto e do erro”.
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