No Brasil, a crescente migração do campo para as cidades se tornou uma preocupação significativa para o setor agrícola. Esse fenômeno, presente não apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo, reflete uma tendência global que gera inquietações sobre o futuro da produção rural.
Entre 1970 e 2010, a porcentagem da população brasileira residente em áreas rurais caiu de 44,00% para 18,50% (IBGE, 2010). Essa migração foi particularmente acentuada entre os jovens com menos de 29 anos, cuja presença no meio rural reduziu-se de 46,00% para 16,00% no mesmo período (IBGE, 2010). A migração dos jovens para os centros urbanos afeta diretamente a continuidade das atividades agrícolas, criando um déficit de sucessores nas propriedades rurais.
A ausência de sucessores nas propriedades rurais, em parte explicada pela migração dos mais jovens para o meio urbano, gera apreensão para a cadeia agropecuária. No contexto da pecuária leiteira, a sucessão familiar pode ser uma das maiores incógnitas, sendo um processo crítico para a continuidade das atividades.
Para compreender melhor o cenário atual da sucessão familiar nas propriedades leiteiras brasileiras, realizamos uma pesquisa com o público do MilkPoint por meio de nossas redes sociais. A pesquisa envolveu 376 participantes, dos quais 39,63% indicaram já possuir um sucessor definido para dar continuidade às atividades na propriedade. Por outro lado, 32,45% dos entrevistados sinalizaram a possibilidade de não terem sucessores. Além disso, 14,36% afirmaram já ter iniciado o processo de preparação de um sucessor, enquanto 13,56% relataram que ainda não começaram a tomar decisões a respeito.
Fonte: Dados coletados através de pesquisas pelas redes sociais do MilkPoint.
Apesar da significativa migração de pessoas do meio rural para o urbano, conforme dados do IBGE, o levantamento revelou que uma parcela considerável dos entrevistados já conta com pelo menos um sucessor para a atividade leiteira. Quando somados os entrevistados que já possuem um sucessor e aqueles que estão em fase de preparação, essa proporção ultrapassa a metade, representando 53,99% do total.
Os desafios da sucessão familiar
A sucessão em propriedades rurais enfrenta vários desafios que podem comprometer a continuidade do negócio. Alguns dos principais obstáculos incluem:
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Conflitos familiares: divergências entre membros da família podem dificultar a sucessão, prejudicando tanto os relacionamentos quanto a operação do negócio. A resolução desses conflitos, seja por meio de comunicação eficaz, é essencial para garantir a continuidade da atividade.
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Resistência da geração anterior: a relutância dos mais velhos em ceder espaço aos sucessores, frequentemente motivada por uma falta de confiança nas capacidades dos mais novos, pode impedir o desenvolvimento dos futuros gestores.
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Diferenças geracionais: as diferenças culturais entre gerações, especialmente em relação ao uso de novas tecnologias e à incorporação de novas práticas na produção, representam um dos maiores desafios nesse processo. É necessário encontrar um equilíbrio entre essas visões.
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Despreparo e falta de interesse dos herdeiros: a falta de conhecimento e envolvimento dos herdeiros, muitas vezes causada pela ausência de compartilhamento de informações ou de interesse em continuar a atividade, pode comprometer a sucessão.
Problemas como divergências sobre o uso da terra e a busca por outras oportunidades profissionais agravam ainda mais a situação. Embora existam diversos desafios a serem superados para garantir o sucesso no processo de sucessão familiar, é necessário considerar alguns aspectos que podem contribuir significativamente para a elaboração de um plano de sucessão bem-estruturado na propriedade.
Como elaborar um plano de sucessão na atividade leiteira?
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Planejamento antecipado: iniciar o planejamento da sucessão com antecedência e garantir o envolvimento dos sucessores desde cedo na atividade é um fator determinante para uma transição organizada e auxilia a minimizar futuros desafios.
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Definição do sucessor e plano de continuidade: é importante estabelecer o papel de cada sucessor e elaborar um plano de continuidade que integre as contribuições da nova geração.
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Envolvimento familiar: a participação ativa de toda a família no processo sucessório é fundamental para evitar conflitos e atingir um consenso que beneficie os sucessores e o negócio.
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Comunicação clara: a comunicação é um dos aspectos mais importantes antes e durante o processo de sucessão. Definir e comunicar claramente as atividades e processos do negócio é fundamental para evitar mal-entendidos e otimizar as práticas existentes.
A sucessão que aconteceu cedo
Durante a pesquisa realizada pelo MilkPoint, Weslei Damiani Bender, de 20 anos, residente em Saldanha Marinho/RS, relatou que a sucessão familiar em sua propriedade já está em curso. Weslei compartilhou detalhes do processo de sucessão e destacou os fatores que contribuíram para o sucesso desta transição.
“Desde pequeno estive junto na leiteria e fui criando gosto pela atividade, mas por volta de 2018, meu pai - Adilson Mentz Bender - estava um pouco desanimado com a atividade e ia abandonar. Foi então que, com um pouco de insistência, ele acabou levando a atividade por mais uns anos até que ele passou toda a parte de organização, alimentação, funcionário e financeiro para mim”, conta Weslei.
A sucessão foi relativamente simples, em parte por Weslei ser filho único. Seu pai desejava encerrar a atividade, não pela falta de lucratividade, mas devido ao cansaço acumulado após anos de trabalho com leite, além da necessidade de conciliar a atividade com a produção de grãos. A propriedade se dedica à produção de leite desde 1976.
Mesmo que tendo uma boa experiência, Weslei reconhece que o processo de sucessão não é isento de desafios. “Não é fácil por existir muita divisão de ideias. Quando você tenta implantar muita tecnologia vem aquela frase: mas sempre foi feito desse jeito. Mas sempre tem um denominador comum que vai deixar os dois contentes e tentar implantar aos poucos para os resultados serem observados e ir passando confiança”.
Uma perspectiva da nova geração sobre a atividade leiteira
O sucessor vê a produção de leite como uma atividade altamente rentável, desde que bem gerida. “Mas ela está ficando com margens cada vez mais apertadas, exigindo de nós produtores a perfeição. Não podemos mais ser amadores, independente do sistema e do número de animais. O produtor precisa ser tecnificado”.
Apesar de a produção de leite não ser a principal fonte de renda da propriedade, Weslei decidiu mantê-la, pois, segundo ele, a atividade proporciona uma renda mensal, mesmo diante das oscilações do mercado.
Entre as mudanças que Weslei pretende implementar, o melhoramento genético é uma prioridade. Ele também menciona que as adaptações são contínuas, visando resolver problemas e melhorar a produção. Devido ao excesso de chuvas na região, outra prioridade é a transição para o sistema de semiconfinamento, com a possibilidade de migrar para o sistema de confinamento free stall no futuro.
“Meus pais sempre trabalharam na agricultura dando seu máximo em prol da família e da propriedade e atualmente estão com 55 e 56 anos, em transição para aposentadoria”, destacou Weslei.
A Agropecuária Bender teve início em 1965 no município de Cruz Alta/RS, atualmente Saldanha Marinho/RS, com a produção de grãos. Em 1976, iniciou-se a produção de leite a pasto, com fornecimento de silagem e concentrado. Atualmente, a propriedade conta com um rebanho de 70 animais no total e uma produção média diária de 1.000 litros de leite.
A sucessão familiar é um desafio em sua propriedade? No Interleite Sul, você terá a oportunidade de esclarecer essa questão de forma definitiva com o painel "Os diferentes caminhos para a sucessão do negócio." O evento contará com palestras sobre o tema, além de apresentar casos de sucesso em fazendas onde a sucessão foi bem-sucedida. Não perca essa chance! O Interleite Sul acontecerá nos dias 18 e 19 de setembro, em Chapecó/SC.
Fontes:
Informações cedidas por Weslei Damiani Bender à equipe MilkPoint.
FOGUESATTO, C. R. et al. Will I have a potential successor? Factors influencing family farming succession in Brazil. Land Use Policy, v. 97, p. 104643, set. 2020.
RODRIGUEZ-LIZANO, V.; MONTERO-VEGA, M.; SIBELET, N. Which variables influence the succession process in family farms? A literature review. Cahiers Agricultures, v. 29, p. 39, 2020.