Gerir qualquer empresa requer muito trabalho, dedicação e planejamento. Quando uma empresa é familiar, alguns conflitos se potencializam, por envolver emoções e relações afetivas, necessitando maior cautela na gestão de poder e dinheiro. Pequenos conflitos podem se tornar grandes problemas e abalar a confiança, comunicação e tantos outros itens cruciais para um processo fluido.
O que é sucessão familiar na produção de leite?
Patrimônios e negócios administrados por membros da família precisarão ser transferidos para a próxima geração e isso é o que chamamos de sucessão familiar.
Esse legado é um passo importante para a continuidade dos empreendimentos, pois além de toda troca de conhecimento exige maturidade e acolhimento de uma geração para com a outra.
De acordo com trabalho desenvolvido pelo produtor de leite Marcos Antônio, "Em relação à sucessão familiar tanto em pequenas quanto nas grandes propriedades, a falta de sucessores ameaça a agricultura familiar e consequentemente, a produção leiteira. Tal situação é significativa para atividade leiteira, pois é um setor que gera emprego, movimenta a economia e ajuda na distribuição de renda”.
Esse cenário condiz com os dados do IBGE, os quais relatam que 90% das empresas seguem o modelo familiar, no entanto, 70% não sobrevivem na geração do fundador e ainda, para aqueles que conseguem, apenas 5% chegam à 3ª geração.
Esse não é um problema apenas local, nos Estados Unidos, empresas familiares também têm tido problemas com a sucessão. Estudos mostram que 62% dos produtores americanos atingirão a idade de aposentadoria até 2027. Além da dificuldade em encontrar sucessores, os EUA tiveram uma valorização de quase 20% no preço do hectare em 2021, o que tem estimulado a venda das terras. Além do que, a geração mais jovem tem mostrado propensão a considerar opções como investimentos no mercado financeiro em detrimento a atividades tradicionais.
A combinação do incremento no preço da terra com os custos e dificuldades habituais da produção, fizeram com que 30% das terras agrícolas dos EUA fossem passadas para empresas ou pessoas não agricultoras. Os produtores que permanecerão nas atividades agrícolas se preocupam com os altos custos de arrendamento ou a transformação de terras em áreas que não estão correlacionadas ao agronegócio.
Além dos problemas atuais enfrentados pelas propriedades leiteiras, a busca por um sucessor que esteja disposto a seguir na atividade e encarar as dificuldades da produção de leite, tem sido desafiadora.
Como ter um legado de sucesso
A comunicação e o envolvimento familiar são aspectos cruciais para o êxito da sucessão. Todos os membros envolvidos devem ter a oportunidade de expressar suas opiniões, expectativas e preocupações. O envolvimento ativo e o apoio mútuo são fundamentais para evitar conflitos e garantir uma transição tranquila.
No contexto das propriedades rurais não é diferente, gerir uma fazenda leiteira envolve uma série de desafios diários, como manejo de animais, nutrição, saúde do rebanho, gestão financeira e administração geral. Por isso, é essencial avaliar bem as habilidades e o conhecimento dos sucessores em potencial.
Quanto mais cedo o processo de sucessão for iniciado, mais tempo haverá para identificar e envolver os sucessores nas atividades. Isso permitirá que adquiram prática na gestão da fazenda e se preparem adequadamente para assumir a responsabilidade.
O passo a passo
É muito importante pensar nesse assunto como um plano a médio prazo, obviamente a depender da idade da primeira geração e do preparo da segunda. Portanto, a sucessão familiar requer planejamento antecipado, avaliação de habilidades e conhecimentos, comunicação aberta e envolvimento familiar, elaboração de planos de negócios, consideração de questões legais e financeiras e uma transição gradual.
Inicialmente é fundamental avaliar a intenção da segunda geração, muito mais no sentido de atitude e envolvimento com o negócio. Essa avaliação pode ser recheada de expectativas, mas é necessário colocar o coração de lado e se preparar para entender que a próxima geração pode simplesmente não querer assumir o negócio, ou mesmo não querer levar o negócio da maneira idealizada pelos pais.
Havendo intenção de seguir com o negócio, é crucial que haja uma conversa franca sobre quão preparada a próxima geração está e qual o caminho a ser percorrido. Se há tempo, o processo pode ser lento e gradual, prevendo um programa similar a um trainee que passa por diversas áreas de uma empresa para enfim assumir como gestor de determinada área. Se não há tempo, talvez seja necessário que essa passagem seja mais rápida ou ainda eletiva em algumas áreas mais importantes.
Após esse período de ajuste de expectativas é necessário que haja apoio e acompanhamento dos filhos nesse “saltar do ninho”. É importante que eles se sintam seguros para perguntar e pedir ajuda com questões que um gestor mais experiente resolveria em minutos. O aprendiz além de trazer dúvidas triviais, pode trazer questionamentos profundos sobre o negócio em si.
Com a primeira geração, fica a responsabilidade e a sabedoria em ouvir, filtrar e responder não de forma condenatória, mas acolhedora, e saber que muitos desses questionamentos vão mexer com feridas profundas e que um dia precisarão de tratamento.
Conforme o tempo for passando é normal que os herdeiros busquem mais autonomia e queiram testar novas teorias, novas formas de fazer. Não é obrigatório aceitar tudo, mas ideias novas vem de mentes oxigenadas, por isso, não mate uma ideia. Muitas vezes ideias só precisam de polimento para se tornarem brilhantes. Esse polimento é feito com pensamento aberto, testes controlados e ousadia intelectual.
Feito esse caminho, é hora de deixar o herdeiro voar. Nesse momento, após a capacitação e consequente autonomia, é hora de ir deixando a corda frouxa para que as situações cotidianas naturalmente aconteçam e, portanto, a segunda geração lide com elas e vá se desenvolvendo.
No Brasil culturalmente as famílias são muito mais unidas do que em outros países, além do que somos um povo naturalmente criativo. Essa é uma combinação muito fértil para que a sucessão seja um caminho feliz entre famílias.
Sucessão se trata de relação pai e filho. Existem dados e técnicas que suportam processos mais ou menos fluídos, mas se a relação entre as gerações não é boa, infelizmente o processo se torna mais desorganizado, mais dolorido para ambas as partes. É um processo que envolve história, referências familiares, valores e expectativas. Não apenas por parte dos pais, mas por parte dos filhos também.
Cada família e fazenda são únicas, assim é importante adaptar o processo de sucessão às suas necessidades específicas, visando garantir a continuidade e o crescimento bem-sucedido do negócio ao longo do tempo.
Lembre-se que quando jovem você pensava como jovem e agora mais maduro seu pensamento mudou. Acolha, responda as dúvidas, mostre que há ganhos em levar o negócio adiante.
Uma enquete disponibilizada no MilkPoint durante a primeira quinzena de junho 2023, perguntou aos leitores se eles estão preparados para sucessão na sua fazenda.
Uma grande maioria expressou que os sucessores não se interessam pela atividade - 43%. Outros 29% informaram que os sucessores já estão iniciando a atividade, outros 14% ainda estão iniciando o planejamento e 13% dos participantes informaram que os herdeiros ainda não participam das atividades e decisões. Esses resultados evidenciam que a maioria dos sucessores não se interessam pela atividade, o que é preocupante e desafiador para o futuro da produção leiteira familiar.
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