A alimentação, aliada à prática de atividade física, desempenha um papel fundamental nas estratégias de saúde pública para promover o bem-estar ao longo da vida, prevenindo precocemente doenças crônicas como distúrbios gastrointestinais, cardiopatias, câncer e osteoporose (OLIVEIRA, 2022).
As proteínas do soro do leite exibem uma gama de atividades biológicas relacionadas às funções digestivas, respostas metabólicas aos nutrientes absorvidos, crescimento e desenvolvimento de órgãos, além de estimular a resistência a diversas doenças. A ingestão de produtos lácteos ou formulações à base de proteínas do soro do leite, por exemplo, são benéficas na regulação ou prevenção da síndrome metabólica, obesidade, doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes tipo 2.
Especificamente, as soroproteínas correspondem a cerca de 20% da proteína total do leite bovino. Dentre elas, a β-Lactoglobulina (β-Lg) e α-Lactoalbumina (α-La) estão presentes em maior concentração, constituindo aproximadamente 70% das proteínas totais do soro do leite.
As proteínas do soro possuem alto teor de aminoácidos essenciais, apresentando potenciais funções biológicas relacionadas à regeneração celular, fonte de energia e manutenção dos músculos e ossos. Além disso, elas possuem outros benefícios que estão ligados a processos metabólicos do organismo, como atividade imunoestimulante, proteção ao sistema cardiovascular e atividades antimicrobiana e antiviral (Figura 1) (HARAGUCHI et al., 2006). Sendo todas estas funções essenciais para praticantes de atividades físicas rotineiras e atletas de alta performance, principalmente.
Figura 1. Bioatividades das soroproteínas do leite.
Fonte: autores, 2023.
O excelente perfil de aminoácidos das soroproteínas as caracteriza como biomoléculas de elevada densidade nutricional. Seus peptídeos bioativos conferem a estas proteínas diferentes propriedades funcionais, assim como os aminoácidos indispensáveis, com destaque para os de cadeia ramificada, que favorecem o anabolismo e a redução do catabolismo proteico, possibilitando o ganho de força e reduzindo a perda de massa muscular durante a dieta (HARAGUCHI, 2006).
Neste contexto, o artigo tem o objetivo de apresentar uma revisão sobre as potencialidades nutricionais e bioativas das soroproteínas, destacando-se a β-Lactoglobulina (β-Lg) e α-Lactoalbumina (α-La), relacionando o seu consumo, aliado à prática de atividades físicas, com a saúde e bem estar.
Soroproteínas: β-Lactoglobulina (β-Lg) e α-Lactoalbumina (α-La)
A β-Lg (Figura 2A) é a principal soroproteínas dos leites bovino, bubalino, ovino e caprino, e devido à sua propriedade lipofílica, desempenha um importante papel na absorção e subsequente metabolismo de ácidos graxos específicos. Além disso, a β-Lg é uma excelente fonte de peptídeos, desempenhando diversas bioatividades, como ação anti-hipertensiva, antimicrobiana, antioxidante, anticarcinogênica, imunomoduladora, opioide, hipocolesterolêmica e outros efeitos metabólicos (PARK, 2009).
Segundo HERNÁNDEZ-HERNÁNDEZ et al. (2011), a glicação de β-Lg de leite de vaca com galacto-oligossacarídeos (GOS) através da reação de Maillard forma peptídeos glicados estáveis na digestão. Esses peptídeos glicados parecem expressar atividade bifidogênica semelhante em comparação com GOS não conjugados. Esse fator leva a novas aplicações para produtos da reação de Maillard como compostos prebióticos.
Já a α-La (Figura 2B) é a soroproteína que se apresenta como a de segundo maior teor no soro do leite. É sintetizada na glândula mamária, tendo como função biológica contribuir para a atuação da lactose sintetase (enzima que catalisa a etapa final da biossíntese da lactose). Logo, existe uma correlação direta entre as concentrações de α-La e lactose no leite (GOULDING; FOX; O'MAHONY, 2019; LIN et al., 2021). Ela é a principal proteína do leite humano, podendo também ser encontrada nos leites de ovelha, búfala e cabra. Por ser rica em triptofano, a α-La eleva o nível deste aminoácido no sangue, sendo o seu consumo associado a melhorias na saciedade, humor, percepção de dor e ciclo circadiano. Além do triptofano, a α-La também é rica em lisina, leucina, treonina e cistina.
Figura 2. Estruturas tridimensionais da β-Lg (2A) e α-La (2B).
Fonte: HAMMANN; SCHMID, (2014).
Alguns hidrolisados da α-La têm várias funções biológicas, incluindo modulação da imunidade e atividades antimicrobiana, antiviral, anti-hipertensiva, opioides e antioxidantes (LIN et al., 2021). Foram também demonstradas propriedades antimicrobianas contra microrganismos como Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Klebsiella pneumoniae (LÖNNERDAL, 2003). Peptídeos obtidos a partir da hidrólise da α-La podem ser empregados como suplementos em fórmulas infantis devido à similaridade com a α-La do leite humano, atingindo um grau de homologia de 74%, tornando-as mais compatíveis com a composição do leite materno.
A α-La também desempenha o papel de molécula transportadora de cálcio e é uma fonte significativa de diversos peptídeos bioativos. Entre esses peptídeos, destacam-se os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), conhecida por regular múltiplos processos biológicos e frequentemente relacionada a complicações cardiovasculares e renais quando produzida em excesso pelo organismo (PATEL, 2015).
Uma conformação específica de α-La presente no leite humano e também no de vaca, é capaz de induzir apoptose em células tumorais e imaturas, enquanto poupa células diferenciadas saudáveis. A conversão de α-La para a forma apoptótica requer desdobramento da α-La e ligação a ácidos graxos específicos, principalmente ácidos graxos insaturados C18 na conformação cis.
Assim, a α-La no leite pode ter efeitos preventivos contra câncer gastrointestinal, já que estudos mostraram que ela é uma das soroproteínas mais ativas contra a ulceração gástrica (PEREIRA et al.,2016).
O envelhecimento é um processo natural da vida, período em que normalmente ocorre uma diminuição de aproximadamente 25% da alimentação diária, o que resulta na ingestão inadequada de proteínas, aminoácidos indispensáveis, carotenoides, selênio, além de vitaminas. Essa redução da ingestão alimentar resulta na perda de tecido muscular, o que caracteriza a sarcopenia. Porém, o consumo adequado de proteínas do soro do leite, supre as necessidades do organismo em relação aos processos anabólicos e catabólicos sofridos, o que garante um balanço nitrogenado positivo, contribuindo para a síntese proteica muscular (MARAGON; MELO, 2004).
Outras soroproteínas importantes
A albumina do soro bovino (BSA), imunoglobulina (Ig), glicomacropeptídeo (GMP) e frações de protease-peptonas, se apresentam em pequenas concentrações no soro do leite, como a lactoferrina, lisozima, lactoperoxidase, entre outras. A Tabela 1, apresenta o teor das principais proteínas do soro do leite.
Tabela 1 - Concentração, em gramas por litro, das principais proteínas do soro lácteo, do leite bovino.
As proteínas do soro apresentam outras funções biológicas importantes. A lactoferrina, por exemplo, apresenta ação antimicrobiana e auxilia na absorção de ferro pelo organismo humano. Além disso, as proteínas do soro podem ser hidrolisadas e gerar peptídeos bioativos com propriedades de acordo com a sua proteína de origem. São diversas propriedades envolvendo o metabolismo e os sistemas do corpo humano, como atividades antioxidante, imunomoduladora, antitumoral, dentre outras.
Outra proteína do soro do leite como a BSA, se destaca devido às suas propriedades funcionais aplicadas na indústria de alimentos (p. ex. solubilidade, emulsificação, formação de gel, espuma) e nutricionais. Ela age como biopolímeros naturais utilizados para transportar moléculas bioativas, substâncias benéficas à saúde, como a luteína (PAIVA et al., 2020), o β-caroteno e a curcumina protegendo-as contra a oxidação e a degradação. Portanto, a BSA apresenta-se como uma molécula promissora para aplicação na tecnologia de alimentos nutracêuticos e de fármacos.
Conclusão
As soroproteínas do soro do leite são uma fonte rica e diversificada de nutrientes essenciais, como os aminoácidos indispensáveis, que desempenham um papel fundamental no suporte de todas as funções do organismo. Além de promover a saúde, principalmente quando relacionadas à prática de exercícios físicos, atuam como importantes protagonistas na recuperação, fortalecimento e desenvolvimento muscular e do sistema imunológico.
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Autores
Me. Luisa Cordeiro de Oliveira, Bolsista de pesquisa nível II do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-ILCT. luisa.cordeiro@estudante.ufjf.br
Dra. Tatiane Teixeira Tavares, Bolsista de pesquisa nível I do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-ILCT. tatetavares@yahoo.com.br
Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva, Professor/pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG. paulohcp@epamig.br
Prof. Dr. Sebastião Tavares Resende, Professor/Diretor do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG. sebastiao.rezende@epamig.br
Profa. Dra. Gisela Magalhães Machado, Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG. giselammachado@epamig.br
Agradecimentos
Os autores agradecem as instituições que contribuíram diretamente para a execução desse trabalho, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais - Instituto de Laticínios Cândido Tostes (EPAMIG-ILCT).
Referências
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