O aleitamento materno é a primeira experiência alimentar do recém-nascido. O leite humano contém nutrientes em quantidades ajustadas às suas necessidades nutricionais e capacidades digestiva e metabólica.
Além disso, possui substâncias bioativas que contribuem para sua saúde, crescimento e desenvolvimento (PASSANHA et al., 2010). Entretanto, na ausência parcial ou total do leite humano, as fórmulas infantis são utilizadas como uma opção para a alimentação do bebê.
Neste sentido, destaca-se o papel crucial que as fórmulas infantis exercem no desenvolvimento saudável durante os primeiros anos de vida de uma criança. Portanto, este artigo técnico dispõe sobre os principais fatores relacionados à qualidade das fórmulas infantis (Figura 1), e os desafios e estratégias que envolvem a sua produção.
Figura 1. Principais fatores relacionados à qualidade das fórmulas infantis.
É possível encontrar diferentes tipos de fórmulas infantis, líquidas ou em pó, de seguimento (após 6 meses de vida) ou destinadas à lactentes até seis meses de vida, além de fórmulas especiais (JUNQUEIRA et al., 2019). Normalmente são baseadas em leite de vaca, e apesar do avanço no processo tecnológico, essas fórmulas ainda apresentam grandes diferenças na composição quando comparadas ao leite materno, representando um desafio para a indústria alimentícia.
Essas variações podem causar intercorrências no lactente, como, por exemplo, alterações gastrointestinais e alergia à proteína do leite de vaca (APLV) (OLIVEIRA, 2019), sendo necessário desenvolver diferentes estratégias que possam minimizar essas limitações.
A comparação entre as composições nutricionais do leite humano e de vaca (Tabela 1) demonstra que o macronutriente com maior variação centesimal é a proteína. O teor proteico do leite de vaca é cerca de 3 vezes superior ao do leite humano e isso se deve ao fato da quantidade de proteínas estar relacionada com a velocidade de crescimento do recém-nascido.
Além disso, a α-lactoalbumina, que representa 20% das proteínas do soro do leite bovino, é a proteína mais abundante no leite humano. Já a β-lactoglobulina é escassa no leite da mulher, mas representa 50% das proteínas do soro do leite de vaca (ORDÓÑEZ et al., 2005).
Tabela 1. Composição média centesimal do leite humano e de vaca.
*Os valores médios que podem variar em função de diversos fatores.
Fonte: Adaptado de Ordóñez et al. (2005).
De acordo com a legislação, RDC nº 43 de 2011 da ANVISA que dispõe sobre o regulamento técnico para fórmulas infantis para lactentes, para cada 100 mL do produto pronto para consumo, preparado conforme as instruções do fabricante, deve haver entre 60 e 70 kcal (BRASIL, 2011).
Como medida de adequação proteica, é estabelecido para as fórmulas infantis à base de proteínas hidrolisadas e não hidrolisadas do leite de vaca, o teor mínimo de 1,8 g/100 kcal e os teores máximos de 3,0 g/100 kcal para fórmulas para lactentes e 3,5 g/100 kcal para fórmulas de seguimento (BRASIL, 2011).
Somado a isso, para um mesmo valor energético, as fórmulas devem conter uma quantidade disponível de cada aminoácido essencial e semi-essencial que seja no mínimo igual à contida no leite humano (BRASIL, 2011).
Para indivíduos que possuam limitações em relação ao tipo de proteínas, como no caso da APLV ou problemas digestivos, é possível obter opções derivadas de outros mamíferos e até mesmo uma mistura destes. Além disso, o produto pode ser baseado em proteínas de origem vegetal, como a soja, ou outros ingredientes, desde que sejam comprovadamente adequados para alimentação de lactentes (BRASIL, 2011).
Vale ressaltar que os teores de outros macronutrientes, como carboidratos e lipídeos, bem como os de micronutrientes, como as vitaminas e minerais, e ingredientes opcionais também devem seguir o disposto pelo regulamento técnico que estabelece os requisitos mínimos de identidade, composição, qualidade e segurança das fórmulas infantis (BRASIL, 2011).
Outro grande desafio relacionado à produção de fórmulas infantis é o risco associado à contaminação microbiológica, especialmente por bactérias da família Enterobacteriaceae. Durante o processamento industrial, as áreas de suplementação (adição de ingredientes), desidratação e embalagem oferecem o maior risco de contaminação.
Outro ponto crucial está no preparo caseiro do alimento para o consumo, devido ao uso de água contaminada para reconstituição do produto ou manipulação em condições higiênicas inadequadas (OLIVEIRA, 2019).
Desta forma, a adoção de boas práticas de fabricação é fundamental para a produção de um alimento de qualidade e se baseia na higiene dos manipuladores, ambiente, equipamentos, utensílios e instalações. Os cuidados se estendem à manipulação caseira do produto, e com o intuito de minimizar a contaminação, é indicada a preparação com água fervida e, posteriormente, resfriada à temperatura não inferior a 70°C para realização da reconstituição do produto.
Apenas após esse procedimento o alimento deve ser resfriado à temperatura de consumo e ingerido quanto antes. Os cenários com maiores riscos estão associados quando a fórmula infantil é reconstituída em água não fervida em temperaturas de reconstituição entre 40 e 50° C (BRASIL, 2018).
Neste momento, pode surgir o receio em relação à perda de nutrientes termossensíveis ao utilizar água de reconstituição em alta temperatura (~70°C). Entretanto, em estudo realizado com fórmulas infantis diluídas a 70°C, a vitamina C foi a única que apresentou redução significativa de conteúdo. Porém, mesmo com a redução, seus níveis permaneceram dentro dos limites estabelecidos (BRASIL, 2018).
Considerações finais
Diante do exposto, verifica-se que é imprescindível a adequação das fórmulas infantis aos requisitos mínimos de identidade, composição, qualidade e segurança estabelecidos pela legislação, a fim de se obter um produto adequado ao desenvolvimento humano em diferentes estágios da lactação e com diferentes necessidades e limitações.
Além disso, por se tratar de um grupo vulnerável, a adoção das boas práticas de fabricação, manipulação e armazenamento de fórmulas infantis deve ser seguida rigorosamente, incluindo a diluição a 70°C, tendo em vista a possibilidade de contaminação durante o preparo.
Autores
Isabela Soares Magalhães (Nutricionista, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Jeferson Silva Cunha (Bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios, Mestrando em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Flaviana Coelho Pacheco (Engenheira de Alimentos, Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Fabio Ribeiro dos Santos (Engenheiro de Alimentos, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Agradecimentos
Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).
Referências:
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Fórmulas infantis: perguntas e respostas. Gerência-Geral de Alimentos. 2ª edição. Brasília, 2018.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução. Resolução- RDC nº 43, de 19 de setembro de 2011. Dispõe sobre o regulamento técnico para fórmulas infantis para lactentes. Diário oficial da união, 2011.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução. Resolução- RDC nº 44, de 19 de setembro de 2011. Dispõe sobre o regulamento técnico para fórmulas infantis de seguimento para lactentes e crianças de primeira infância. Diário oficial da união, 2011.
JUNQUEIRA, G. P. et al. Análise e comparação da composição nutricional de fórmulas infantis comercializas no município de Campos dos Goytacazes – RJ. Revista Conhecendo Online: Ciências da Saúde e biológicas, v.5, n. 1 ISSN: 2359-5256, 2019.
OLIVEIRA, B. L. C. T. Comparação de microbiota intestinal de crianças em aleitamento materno exclusivo e em uso de fórmulas infantis. Centro Universitário de Brasília, 2019.
ORDÓÑEZ, J. A. et al. Características gerais do leite e componentes fundamentais. Tecnologia de Alimentos, v. 2, p. 13-37, 2005.
PASSANHA, A. et al. Elementos protetores do leite materno na prevenção de doenças gastrointestinais e respiratórias. Rev. Bras. Crescimento Desenvolvimento Humano. v. 20, n. 2, p. 351-360, 2010.