Bactérias ácido-láticas (BAL) são grandes aliadas quando o assunto é a fabricação de produtos lácteos, desempenhando papel fundamental na fabricação de queijos e leites fermentados, o que tem impacto na característica final dos produtos, incluindo a produção de compostos voláteis. Esses, têm decisiva influência no sabor e aroma dos derivados.
As BAL são encontradas comercialmente como fermento lático (ou cultura lática) que podem ser compostas por diversos microrganismos de diferentes espécies, que se diferenciam uma das outras pelo seu metabolismo e produtos gerados dessa etapa.
Podemos citar como xxemplos de bactérias lácticas: Lactococcus lactis, incluindo as subespécies L. lactis ssp. lactis e L. lactis ssp. cremoris, Streptococcus thermophilus, entre outras
Dentre os grupos de bactérias lácticas, as non-starter lactic acid bacteria (NSLAB) vêm chamando a atenção contínua na indústria de leite e derivados. NSLAB não são constituintes típicas do fermento lático, tendo como origem o leite utilizado na fabricação ou o próprio ambiente onde o queijo é processado, o que em última análise quer dizer, a própria unidade industrial.
Apesar da aplicação de rigorosas técnicas de higiene durante a fabricação do queijo de modo a evitar contaminações, essas bactérias podem chegar ao queijo de diversas formas, já sendo isoladas no chão e ralo das plantas industriais, em superfície de equipamentos e também em embalagens a vácuo.
As NSLAB formam biofilmes e resistem aos tratamentos de limpeza e desinfecção e com isso, podem contaminar o leite utilizado na fabricação de queijo. Algumas espécies de NSLAB apresentam resistência ao tratamento térmico dado ao leite, podendo se recuperar e proliferar no queijo durante a maturação.
A cinética de crescimento das NSLAB é oposta às das bactérias lácticas do fermento. Logo após produção do queijo, o número de NSLAB encontra-se entre 102-103 UFC/g e alcança valores entre 7-9 log UFC/g ao final de vários meses de maturação, apresentando vantagem competitiva em relação às bactérias lácticas do fermento, que não conseguem sobreviver no queijo durante a maturação pelas condições desfavoráveis do meio como ausência de lactose residual, pH ácido, concentração salina desfavorável e baixa umidade.
Durante a formação da coalhada, as NSLAB são encontradas em concentrações baixas, não passando de 103 UFC/g. Esse número aumenta conforme o tempo de maturação avança, podendo ter um aumento de 4 a 6 ordens de grandeza (Log UFC/g) já nos primeiros meses.
Como a tendência da cultura starter é reduzir sua taxa populacional por fatores visto acima, as non-starter LAB podem dominar a microbiota do queijo durante a maturação.
As NSLAB constituem um grupo heterogêneo de bactérias lácticas sendo observado um predomínio dos lactobacilos, como Lactobacillus casei, Lactobacillus paracasei, Lactobacillus plantarum, Lactobacillus pentosus, Lactobacillus curvatus e Lactobacillus rhamnosus,: Lactobacillus fermentum e Lactobacillus brevis, entre outras. Das NSLAB que não são do grupo lactobacilli, mas são encontradas comumente durante a maturação de queijos estão os Pediococcus acidilactici, Pediococcus pentosaceus, Enterococcus durans, Enterococcus faecalis, Enterococcus faecium.
Essas variações nas espécies de NSLAB dependem do tipo de queijo, do processamento, tais como o cozimento da coalhada, filagem, prensagem e também da duração do tempo de maturação. Raramente, uma espécie de NSLAB predomina durante todo o período de maturação.
Figura 1. Evolução de SLAB (coluna vazia) e NSLAB (coluna preenchida) durante a maturação do queijo Puzzone di Moena. Fonte: Adaptado de Franciosi et al. (2008).
A capacidade de crescimento das NSLAB durante a maturação se deve à sua habilidade de utilizar fontes alternativas de nutrientes. Como a lactose já se tornou escassa, podem conseguir energia do ácido lático, ácido cítrico, ácido graxo, glicerol e também de peptídeos e aminoácidos derivados do metabolismo de culturas starter.
Com isso, possuem papel fundamental na produção de compostos aromáticos durante a maturação de queijos. Essas bactérias possuem uma ampla variedade de enzimas, que em contato com os componentes presentes na matriz alimentar, geram compostos voláteis que irão enaltecer as características sensoriais do produto.
NSLAB também apresentam benefícios para a saúde, sendo relatado em pesquisas recentes cepas com características probióticas (Lactobacillus casei, Lactobacillus plantarum e Lactobacillus rhamnosus). Segundo alguns autores, esses microrganismos com características probióticas não alteram as características sensoriais do queijo, desde que sejam mantidos em baixas temperaturas.
Outro fator favorável para a manutenção da saúde é a produção de peptídeos bioativos que inibem a enzima conversora da angiotensina (ECA), tendo assim um papel fundamental para a hipertensão.
Estudos recentes sugerem ser possível identificar a formação desses peptídeos durante a fase de maturação, ou seja, fase em que as NSLAB possuem maior domínio na microbiota do queijo, o que abre possibilidade para identificação, isolamento e purificação desses peptídeos, enquanto o mesmo pode ser adicionado como ingrediente na formulação de um produto alimentício processado, aumentando seu potencial funcional.
Estudos relatam que as NSLAB representam também um benefício contra a presença de patógenos no queijo, graças ao aumento da competição (exclusão competitiva) e também a produção de bacteriocinas, o que pode levar a uma extensão da validade comercial do produto. Também tem sido relatada a inibição de crescimento de fungos produtores de micotoxinas, como Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus em queijos frescos.
A manutenção de culturas SLAB com NSLAB na fabricação de queijos já é sugerida por autores por se mostrar uma boa alternativa para que se tenha um produto seguro e com características sensoriais diferenciadas, pois há notória diversificação dos compostos voláteis, os quais têm influência de aroma e sabor do produto. Contudo, apesar dos incontestáveis benefícios já demonstrados das NSLAB.
Sabe-se que alterações indesejáveis nas características sensoriais de alguns queijos podem ocorrer. Com isso, faz-se necessário que mais estudos sejam feitos sobre suas ações e interações na matriz alimentícia de diferentes produtos, de modo a obter uma melhor compreensão do assunto.
Autores
Ramon da Silva Rocha: Mestrando em Ciência e Tecnologia de Alimentos, IFRJ, Biólogo e Auditor HACCP - SGS Academy e Responsável técnico da Microbiologia do Núcleo Avançado em Tecnologia de Alimentos - NATA.
Adriano Gomes da Cruz: Engenheiro Químico, Doutor em Tecnologia de Alimentos (UNICAMP), Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) - Departamento de Alimentos.
Referências
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