A observação do comportamento animal não é algo recente, já interessava ao ser humano primitivo, uma vez que, naquela época, obter conhecimento sobre os padrões comportamentais dos animais significava, em princípio, defender-se e caçá-los, o que culminou mais tarde no início da domesticação e da criação animal em benefício humano (Figura 1).
Figura 1. Pinturas rupestres de lagartos, peixes e aves, em cavernas (GO/Brasil). Idade estimada de 10.000 anos. (foto: K. Del-Claro).
De maneira simplista, o comportamento animal pode ser entendido como o conjunto de todas as atividades que um animal apresenta ou deixa de apresentar. Assim, o conhecimento do assunto deve direcionar-se tanto aos padrões comportamentais de determinada espécie como, sobretudo, à sua utilização como ferramentas para a tomada de decisões voltadas ao melhor desempenho produtivo dentro das condições mínimas de bem-estar animal.
Para isto, existe a ciência que procura observar o comportamento animal de maneira objetiva, denominada etologia (ethos = caráter, logia= estudo), a qual fornece informações importantes para, por exemplo, determinar ações no campo da produção animal, a partir das quais os animais tenham as melhores condições para desenvolver-se.
Em bovinos, a interação com o ser humano intensificou-se com a domesticação desta espécie há cerca de 6.000 a.C. (BOIVIN et al., 1994). Em vida livre, os bovinos são animais que vivem em áreas de pasto, sem território fixo e com comportamento gregário fortemente desenvolvido (GREGORY, 2003).
Figura 2. Em vida livre, os bovinos são animais que vivem em área de pasto (Foto: arquivo pessoal)
Com a industrialização da bovinocultura leiteira, houve significativa alteração na qualidade de vida destes animais, com a modificação quase que total de suas condições naturais. Porém, não significa, necessariamente, que bovinos criados de maneira mais intensiva estejam em condições insatisfatórias de bem-estar animal, e bovinos em sistemas extensivos estejam em melhor nível de bem-estar animal.
Entretanto, muitos dos comportamentos classificados como anormais são observados em sistemas intensivos, e devem ser analisados para que alguma possível solução seja tomada.
Pode-se dar como exemplo, o caso do enrolamento da língua nas vacas em sistemas empobrecidos, que como porcos mordendo barras de ferro, ratos em laboratórios andando de um lado para o outro, galinhas praticando canibalismo, ovinos mastigando cochos, ou cavalos praticando aerofagia, apresentam estes comportamentais anormais como resposta a um ambiente artificial e empobrecido, ou seja, estão frustrados e necessitam apresentar comportamentos que os ajudem a enfrentar sua própria frustação. Estes comportamentos, denominados estereotipias, não seriam apresentados em ambientes naturais ou enriquecidos.
Figura 3. Bovino apresentando comportamento de enrolamento de língua (tongue rolling) em resposta a um ambiente empobrecido; o que também pode estar associado ao forrageamento frustrado.
Foto: Stereotypic Animal Behaviour
A origem desta estereotipia (comportamento anormal) não é totalmente esclarecida, provavelmente deve-se a vários fatores decorrentes do empobrecimento ambiental. Assim, é interessante lembrar que os bovinos evoluíram, por milênios, vivendo em liberdade e utilizando sua língua para sentir e coletar alimentos fibrosos de grande tamanho (VAN SOEST 1994). Portanto, a ausência ou o pouco tempo disponibilizado para pastejar, o fornecimento rotineiro de dieta com partículas finamente moídas, confinamento por longo período, muito tempo em ócio etc, diminuem as atividades consideradas naturais, como caminhar livremente, escolher, mastigar e ruminar o alimento, sendo, portanto, motivos geradores de frustação nos bovinos. (MALAFAIA et al., 2011)
Desta maneira, consegue-se associar estereotipia ao estresse, que por sua vez exerce sobrecarga no sistema de controle (equilíbrio) do animal, reduzindo sua capacidade de ajuste frente ao ambiente hostil (BROOM & JOHNSON, 1993). Neste cenário, ações que previnam estes comportamentos vêm ao encontro não apenas do bem-estar dos animais envolvidos na produção de alimentos, mas também na possibilidade de melhor desempenho produtivo.
Segundo Newberry (1995), o empobrecimento ambiental é caracterizado pela redução das oportunidades de realizar, de forma rotineira e natural, as diversas atividades consideradas como normais. Por outro lado, o enriquecimento ambiental é sinônimo de aumento de complexidade, que acarreta no desenvolvimento da flexibilidade comportamental em resposta a ambientes mais dinâmicos, possibilitando a melhoria da funcionalidade biológica dos animais.
Outro aspecto importante que deve estar claro para aqueles que trabalham com bovinos, a fim de garantir melhores condições de vida a estes animais, é a rotina de competição por recursos disponíveis no ambiente em que estão inseridos. Como são animais gregários, as interações agressivas entre os membros de um grupo são constantes, porém, em condições naturais, são controladas por mecanismos que definem padrões de organização social entre os indivíduos de um ou mais grupos, para isto cada animal possui um espaço individual e uma zona de fuga que possui papel importante na estrutura social do rebanho (COSTA & COSTA E SILVA, 2007).
Figura 4. Entender sobre a zona de fuga dos bovinos permite ao manejador um trabalho mais seguro, tanto para homens quanto para animais, influenciando diretamente no bem-estar de ambos. O grupo ETCO tem grande destaque nesta área e vem provando que o manejo racional é importante para o bem-estar de homens e animais
Fonte: Grandin (revisado em 2011), adaptado por Vasconcelos (2005).
Os bovinos são animais que apresentam dois padrões de ordem social: hierarquia de dominância e liderança, não necessariamente estes dois padrões apresentam-se no mesmo indivíduo. Pelo contrário, bovinos líderes, normalmente, são os mais velhos no rebanho. Bovinos dominantes são os vencedores em interações agressivas na disputa de algum recurso ambiental. Este é um exemplo simples de como o conhecimento do comportamento bovino pode auxiliar no manejo da fazenda. Espaço de cocho e manejo de lotes adequados, deslocamento dos animais, prioridade de lotes homogêneos etc, são ações que podem auxiliar no controle da agressividade e do estresse, redundando, consequentemente, em melhor desempenho individual.
Figura 5. Grupos grandes podem apresentar dificuldades em reconhecer e memorizar posições hierárquicas do rebanho, o que aumenta as possibilidades de interações agressivas (Hurnik 1982) e níveis inadequados de bem-estar animal (Foto: arquivo pessoal)
Quando definida a hierarquia social em um grupo, a ordem é relativamente estável e as posições respeitadas; disputas são raras, e as categorias são mantidas com simples ameaças de alguns animais sobre os outros; ocorrerão atritos quando animais estranhos forem introduzidos no lote, entretanto se este manejo respeitar a densidade animal, a hierarquia social logo é estabelecida.
Para finalizar, é importante que se reconheça o comportamento animal como grande ferramenta no auxílio dos diversos manejos na fazenda, bem como para o alcance de melhores condições de vida para os animais envolvidos. É importante destacar que este artigo teve a intenção de mostrar alguns itens importantes sob o ponto de vista do comportamento bovino, lembrando que o tema é complexo e requer maiores exposições para um estudo mais completo.
Referências Bibliográficas
BOIVIN, X. et al. Influence of breed and rearing management on cattle reactions during human handling. Applied Animal Behaviour Science, v. 39, p. 115-122, 1994.
BROOM, D.M.; JOHNSON, K.G. Stress and animal welfare. Chapman and Hall, London, p. 211, 1993.
COSTA, M.J.R.P.; COSTA E SILVA, E.V. Aspectos básicos do comportamento social de bovinos. Revta Bras. Reprod. Anim., v. 31, p. 172-176, 2007.
GREGORY, N.G. Animal Welfare and Meat Science. 1. ed. Cambridge: CABI Publishing, p. 298, 2003.
Hurnik J.F. Social stress; an often overlooked problem in dairy cattle. Hoard´s Dairyman, p. 127-739, 1982.
MALAFAIA, P.; BARBOSA, J. D.; TOKARNIA, C. H.; OLIVEIRA, C. M. C. Distúrbios comportamentais em ruminantes não associados a doenças: origem, significado e importância. Pesq. Vet. Bras., v. 31(9), p. 781-790, 2011.
NEWBERRY, R.C. Environmental enrichment - increasing the biological relevance of captive environments. Appl. Anim. Behav. Sci., v. 44, p. 229-243, 1995.
VAN SOEST, P.J. Nutritional Ecology of the Ruminants. 2 ed. Cornell University Press, New York, p. 476, 1994.