O comportamento do consumidor contemporâneo reflete pessoas cada vez mais bem informadas e conscientes, que procuram compreender a proveniência dos produtos e avaliar o impacto de sua fabricação na sociedade e no meio ambiente. Nessa perspectiva, os produtos lácteos ganham destaque e se apresentam como um alvo promissor para o mercado de alimentos funcionais devido à sua variedade, versatilidade, importância na dieta cotidiana e amplo espectro de consumo, abrangendo diferentes faixas etárias e níveis socioeconômicos.
Uma grande variedade de produtos lácteos vem surgindo no mercado e muitas empresas do setor já estão criando linhas de produtos com foco exclusivo na promoção da saúde (COSME; VILELA, 2022). Dentre os derivados lácteos, destaque pode ser dado ao iogurte, um dos leites fermentados mais aceitos devido ao seu valor nutricional, propriedades funcionais e atributos sensoriais atrativos, como textura, aroma e sabor (ZHI et al., 2018).
A digestibilidade das proteínas lácteas associada ao potencial de incorporação de probióticos, prebióticos, fibras alimentares e outros suplementos torna o iogurte uma matriz adequada para a produção de alimentos funcionais (DABIJA et al., 2018).
Neste contexto, esse artigo faz uma abordagem sobre a adição de fibras alimentares em iogurtes como forma de promoção da saúde e bem-estar dos consumidores.
Adição de fibras alimentares em iogurte
As fibras alimentares podem ser extraídas de diversas fontes, como cereais, frutas e hortaliças, bem como de seus resíduos, que na maioria das vezes são destinados à alimentação animal e/ou descartados inadequadamente no meio ambiente (ZHI et al., 2018).
As fibras alimentares são resistentes à digestão e absorção no intestino delgado humano com fermentação parcial ou completa no intestino grosso. Podem ser classificadas em dois grupos principais, de acordo com a sua solubilidade: fibra alimentar solúvel (FAS) e fibra alimentar insolúvel (FAI) (Figura 1).
Figura 1. Fibra alimentar solúvel e fibra alimentar insolúvel.
Fonte: Os autores, 2023.
O teor de FAS da maioria das plantas tende a ser baixo (~20%), enquanto a FAI tende a ser alto (~80%). No entanto, sua proporção pode variar dependendo das condições de processamento durante o isolamento da fibra alimentar da respectiva matéria-prima (ZHI et al., 2018, WANG et al., 2020).
A incorporação de fibras em sistemas alimentares, como o iogurte, é uma abordagem promissora que pode trazer benefícios adicionais em termos de valor nutricional e técnico-funcional. No iogurte, a fibra alimentar pode ser empregada como agente de volume e espessante devido à sua capacidade de retenção de água, além de favorecer o aumento da viscosidade do produto (WANG et al., 2020). Consequentemente, a fibra alimentar pode afetar favoravelmente os atributos sensoriais e trazer benefícios à saúde, notadamente ao estimular o crescimento de microrganismos benéficos no intestino (ZHAO; FU; LI, 2020).
A fibra alimentar pode modular a microbiota intestinal e promover maior sensação de saciedade, sendo seu consumo associado à prevenção de doenças como câncer de cólon, doença coronariana e diabetes tipo 2 (CUI et al., 2019). Tais impactos dependem principalmente da estrutura física (tamanho das partículas) e da composição química (solubilidade em água) das fibras alimentares (SAH et al., 2016; WANG et al., 2020). Em termos de técnico-funcionalidade, comparada com a FAI, a FAS apresenta maior viscosidade, capacidade de formação de gel e emulsificante, tornando-a facilmente integrada em matrizes alimentares. Apesar disso, ambas apresentam potencial de mercado como aditivos, devido às suas propriedades técnico-funcionais e biológicas.
Segundo Kieserling et al. (2019) a hipótese que a incorporação de fibras alimentares tem influência nas propriedades do gel (Figura 2) se dá da seguinte forma:
- Com o aumento do tamanho de partículas da fibra alimentar, as propriedades do gel serão dominadas pela rede fibrilar. Espera-se uma integração melhorada para a fibra alimentar de menor tamanho de partícula com menos impedimentos estéricos da rede de caseína;
- A estabilidade do gel será melhorada com o aumento da concentração de fibra alimentar (até uma certa porcentagem). Espera-se que a fibra alimentar de menor tamanho de partícula estabilize mais os géis de iogurte do que a fibra alimentar de maior tamanho de partícula no que diz respeito à resistência do gel durante a sua deformação mecânica. Isso porque a fibra alimentar de maior tamanho impede a formação contínua da rede proteica, uma vez que ela limita a interação das caseínas.
- Um aumento de tamanho e no número de partículas de fibra alimentar aumenta a percepção de partículas em géis de iogurte enriquecidos com fibras.
Figura 2. Hipótese na qual a incorporação de fibras alimentares com tamanho de partícula diferentes tem influência direta nas propriedades do gel.
Fonte: Adapado de Kieserling et al. (2019).
Modificações das fibras alimentares para melhorar a aplicabilidade em iogurtes
Invariavelmente, o papel das fibras alimentares no iogurte tem sido atribuído principalmente à fração solúvel, particularmente à pectina (KIESERLING et al., 2019), ou aos complexos de FAS e FAI, como fibra de cenoura, bagaço de maçã, fibra de casca de laranja, fibra de casca de abacaxi, dentro outras. De fato, a FAS pode aumentar a viscosidade do iogurte, reduzindo assim a separação do soro. Além disso, a FAS, como a pectina, pode formar complexos com moléculas de proteínas por meio de interações eletrostáticas, estabilizando ainda mais o iogurte e, consequentemente, influenciar positivamente na aceitação dos consumidores.
Por outro lado, a FAI separadamente quase não foi estudada e pouco se sabe sobre o papel desta fração. Apesar da estrutura porosa da FAI ajudar o gel a imobilizar a água livre, a adição de certas concentrações de FAI separadamente pode levar à desestabilização do iogurte, bem como influenciar em sua aceitação (DEMIRCI et al., 2017; KIESERLING et al., 2019; WANG et al., 2020). Para resolver este problema, vários métodos físicos, químicos, enzimáticos e de fermentação microbiana têm sido empregados para modificar a estrutura e melhorar as propriedades técnico-funcionais da FAI.
Considerações finais
Há interesse crescente na aplicação de fibras alimentares provenientes de diversas fontes vegetais, bem como de seus resíduos, como ingredientes alimentares nutritivos e técnico-funcionais. Em diversos estudos, as fibras alimentares solúveis e insolúveis demonstraram capacidade de melhorar a estabilidade estrutural, o comportamento reológico e as propriedades texturais do iogurte, possivelmente através de interações com micelas de caseína ou estabilização estérica.
Por outro lado, esses fatores são fortemente influenciados pela fonte da fibra alimentar, sua composição e parâmetros físicos (particularmente o tamanho das partículas). Assim, estudos envolvendo métodos de modificação estrutural das fibras têm sido realizados, alguns com resultados promissores, com o intuito de melhorar a sua aplicabilidade industrial, particularmente no segmento de leites fermentados.
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Agradecimento
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio aos projetos da EPAMIG.
Autores:
Dra. Tatiane Teixeira Tavares, Bolsista de pesquisa nível I do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-ILCT.
Flaviana Coelho Pacheco, Engenheira de Alimentos, Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.
Profa. Dra. Ana Flávia Coelho Pacheco, Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV.
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior. Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV.
Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva, Professor/pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-ILCT.
Referências
COSME, F., INÊS, A.; VILELA, A. Consumer’s acceptability and health consciousness of probiotic and prebiotic of non-dairy products. Food Research International, v. 151, 110842, 2022.
CUI, J.; LIAN, Y.; ZHAO, C.; DU, H.; HAN, Y.; GAO, W.; XIAO, H.; ZHENG, J. Dietary Fibers from Fruits and Vegetables and Their Health Benefits via Modulation of Gut Microbiota. Comprehensive Reviews in Food Science and Food Safety, v. 18:5, p. 1514-1532, 2019.
DABIJA, A.; CODINA, G. G.; GÂTLAN, A. M.; RUSU, L. Quality assessment of yogurt enriched with different types of fibers. CyTA - Journal of Food, v. 16, p. 859-867, 2018.
DEMIRCI, T.; AKTAS, K.; SOZERI, D.; OZTURK, H. I.; AKIN, N. Rice bran improve probiotic viability in yoghurt and provide added antioxidative benefits. Journal of Functional Foods, v. 36, p. 396-403, 2017.
KIESERLING, K.; VU, T. M.; DRUSCH, S.; SCHALOW, S. Impact of pectin-rich orange fibre on gel characteristics and sensory properties in lactic acid fermented yoghurt. Food Hydrocolloids, v. 94, p. 152-163, 2019.
SAH, B. N. P.; VASILJEVIC, T.; MCKECHNIE, S.; DONKOR, O.N. Physicochemical, textural and rheological properties of probiotic yogurt fortified with fibre-rich pineapple peel powder during refrigerated storage. LWT - Food Science and Technology, v. 65, p. 978-986, 2006.
WANG, X.; KRISTO, E.; LAPOINTE, G. Adding apple pomace as a functional ingredient in stirred-type yogurt and yogurt drinks. Food Hydrocolloids, v. 100, 2020.
ZHAO, Y.; FU, R.; LI, J. Effects of the β-glucan, curdlan, on the fermentation performance, microstructure, rheological and textural properties of set yogurt. LWT - Food Science and Technology, v. 128, 109449, 2020.
ZHI, N. N.; ZONG, K.; THAKUR, K.; QU, J.; SHI, J. J.; YANG, J. L.; WEI, Z. Development of a dynamic prediction model for shelf-life evaluation of yogurt by using physicochemical, microbiological and sensory parameters. CyTA - Journal of Food, v. 16, p. 42-49, 2018.