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Leitelho: a riqueza que vem da manteiga

VÁRIOS AUTORES

LABORATÓRIO DE INOVAÇÃO E PESQUISA - CPA/ UFG

EM 23/03/2023

9 MIN DE LEITURA

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Que a manteiga é um produto lácteo maravilhoso nós já sabemos, mas de onde ela vem? Para começarmos a entender o que é essa riqueza, vamos do início.
 

Como ocorre a produção da manteiga?

A manteiga é fabricada há milhares de anos, a partir do creme de leite — ou a famosa nata —, que a partir de um processo para conservação do creme de leite, transformou-se em um dos ingredientes mais utilizados na culinária mundial, além de ser um produto consumido diretamente em pães, biscoitos e outras delícias (Deosarkar et al., 2016).

Encontramos no comércio diferentes tipos de manteiga: manteiga com e sem sal, manteiga maturada ou não maturada, manteiga extra, manteiga de primeira qualidade, manteiga comum e a tradicional manteiga de garrafa.

Atualmente, com o avanço das tecnologias e novas demandas do mercado consumidor, as indústrias têm investido em uma diversidade ainda mais ampla de opções, produzindo manteigas zero lactose, manteiga ghee e manteiga com flor de sal, que têm apresentado grande aceitabilidade, especialmente pelas características sensoriais específicas e apelo gastronômico. 

Segundo a definição oficial, a manteiga é um produto gorduroso, obtido, exclusivamente, pela bateção do creme pasteurizado obtido de leite de vaca, composta por gordura láctea, água e proteínas do leite (Brasil, 1996).

Assim, o creme de leite pasteurizado é ingrediente obrigatório e fundamental para a fabricação de manteiga. O processo de produção ocorre comumente através do método de agitação por batelada, ilustrado na Figura 1.

Figura 1. Estágios de produção de manteiga. 1) bateção do creme resfriado; 2) bateção e separação do leitelho; 3) drenagem do leitelho e 4) malaxagem.

LEITELHO MANTEIGA

Fonte: os autores.

 

Para iniciar a produção da manteiga, o creme de leite pasteurizado deve estar resfriado entre 10 e 14 °C, para proporcionar a cristalização de parte da gordura. Em seguida, durante a agitação, ocorre a incorporação de ar e assim, inicia-se o desenvolvimento de grandes bolhas que formam uma espuma tipo chantilly.

Ao continuar o processo de agitação, essa espuma fica mais densa, e o tamanho das bolhas diminuem, envolvendo a gordura em uma interface ar/água. Devido à pressão que as bolhas de ar exercem sobre os glóbulos de gordura, suas membranas se rompem levando ao extravasamento de parte da gordura líquida, que permite a coalescência parcial dos glóbulos de gordura.

À medida que a agitação continua, glóbulos ainda íntegros começam a se aglomerar, formando uma rede com gordura cristalizada, gordura líquida e ar. A gordura líquida extravasada do glóbulo para o meio, age como aderente, que permite a formação de “grãos”. Estes grãos vão aumentando de tamanho devido ao seu encontro durante a turbulência do processo. No decorrer da agitação, os pequenos grãos de manteiga se tornam visíveis e, inicia-se a separação do leitelho.

Neste momento, ocorre a inversão de fases: a emulsão de óleo em água, que anteriormente caracterizava o creme, se transforma em uma emulsão de água em óleo, que caracteriza a manteiga (Walstra et al., 2005, Fox et al., 2015).

Em seguida, o leitelho é drenado, e iniciam-se as lavagens com água potável fria, para retirar o máximo possível de leitelho.  Dependendo do mercado alvo, a manteiga pode passar por mais etapas de lavagem, e todo líquido descartado desse processo é considerado leitelho.

Após esta etapa, é feita a malaxagem (working), onde os grãos de manteiga são transformados em uma massa homogênea, e a incorporação final de água à massa e contribui para o controle do teor de umidade. Nesta etapa, podem ser adicionados ainda sal e corante, dependendo da característica do produto final. Posteriormente, a manteiga é destinada para embalagem. 

 

O que é o leitelho?

O leitelho, ou “soro da manteiga”, é o líquido esbranquiçado obtido durante a produção da manteiga, durante a etapa de bateção e inversão de fase, ilustrado na Figura 1. Como a matéria-prima para a fabricação da manteiga é o creme de leite, o leitelho contém resíduos de triglicerídeos e todos os componentes hidrossolúveis do creme de leite, como lactose, minerais como Ca, Mg e P, e o material presente na membrana do glóbulo de gordura (Corredig et al., 2003). A composição do leitelho é semelhante à do leite desnatado, com cerca de 90% de água e 1% de gordura (Tabela 1).

Tabela 1. Composição média (%) do leite cru, leite desnatado e leitelho.

LEITELHO MANTEIGA
Fonte: adaptado de Mistry et al. (1996), Sodini et al. (2006), Vanderghem et al. (2010).

 

Os lipídeos do leite são compostos por cerca de 98% de triglicerídeos, sintetizados no citoplasma da célula secretora dos alvéolos mamários, formando pequenos glóbulos que aumentam de tamanho e agregam componentes como proteínas e substâncias presentes no citoplasma da célula, ao serem transportados para a extremidade da célula secretora (Walstra et al., 2005).

No processo de excreção, os glóbulos de gordura são envolvidos por parte da membrana celular, formando o que chamamos de membrana do glóbulo de gordura do leite (MGGL), composta por cerca de 60% de proteínas e 40% de lipídeos (Fox et al., 2015). 

Essa MGGL é o que torna o leitelho tão especial. Ela apresenta uma diversidade de proteínas e frações lipídicas com características nutricionais bastante interessantes, que contribuem na redução da absorção intestinal de colesterol, protege contra infecções causadas por bactérias e vírus, e dificulta ainda a aderência de patógenos à mucosa intestinal (Pfeuffer, 2001).

Os constituintes do leitelho estão associados ainda a redução de doenças cardiovasculares e neuronais, auxiliam o organismo na proteção contra microrganismos através do estímulo à resposta imune inata e na produção de muco, além de outros efeitos, apresentados na Tabela 2.

 

Tabela 2. Principais componentes do leitelho e seus efeitos benéficos à saúde.

LEITELHO MANTEIGA

 

 

Por que não devemos jogar o leitelho fora?

O que tem acontecido nos últimos anos é uma mudança na percepção sobre a ingestão da gordura do leite, que por muitos anos foi considerada vilã na alimentação humana e que agora tem sido considerada aliada.

Isso tem levado a um aumento no consumo de creme de leite e, principalmente, manteiga, contribuindo para o aumento da sua demanda de mercado. Esse crescimento, consequentemente, gera aumento na produção de leitelho.

O leitelho apresenta uma alta Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), devido à alta concentração de matéria orgânica, sendo considerado altamente poluente e com potencial poluidor superior ao soro lácteo. Com isso, seu descarte incorreto pode alterar, significativamente, o meio ambiente, prejudicando sistemas de produção sustentáveis, que apontam para a conservação de recursos naturais.      

A utilização do leitelho como matéria-prima ou ingrediente na fabricação de outros alimentos pode ser benéfica em relação aos aspectos tecnológicos, nutritivos e funcionais do produto. Comumente, o maior uso do leitelho em alimentos está relacionado à tecnologia de produção, por ser considerado um eficiente emulsificante natural. Isto ocorre, em especial, pela presença dos fosfolipídios na MGGL, que apresentam uma parte hidrofílica, que interage com a fase aquosa, e uma parte lipofílica, que permite a interação com a fase oleosa.

Desta forma, o uso do leitelho tem sido explorado para substituir o uso de emulsificantes comerciais como a lecitina (Jukkola et al., 2019). A sua maior aplicabilidade tem sido relacionada a derivados lácteos como iogurtes e queijos, melhorando a textura, rendimento, características sensoriais e vida de prateleira (Saffon et al., 2013; Hickey et al., 2017; Skryplonek et al., 2019).

No Brasil, várias indústrias já compreenderam os benefícios nutricionais, tecnológicos e ambientais do uso do leitelho e têm adicionado, de maneira gradual, este co-produto tão valioso da indústria láctea em derivados lácteos e outros alimentos. Mas, infelizmente, muitas indústrias de laticínios ainda jogam essa riqueza ralo abaixo.

Agora que você conhece melhor o leitelho, seus benefícios e potenciais, que tal repensar o seu uso na indústria?


Agradecimentos

Os autores agradecem ao Centro de Pesquisa em Alimentos da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG pelo apoio ao ensino, extensão, pesquisa e sua divulgação.

 

Referências 

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Corredig M, Roesch RR, Dalgleish DG. Production of a Novel Ingredient from Buttermilk. J Dairy Sci. 2003; 86(9):2744–50.

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Walstra P, Wouters, JTM, Geurts TJ. Dairy science and technology. 2005, 808p.

CLARICE GEBARA

Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/CPA/EVZ/UFG)

RENATA TEIXEIRA PFRIMER

LOHANNE FRANCIELE DAMASCENO MARTINS

VALÉRIA QUINTANA CAVICCHIOLI

Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/CPA/EVZ/UFG)

FRANCINE OLIVEIRA SOUZA DUARTE

Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/CPA/ EVZ/UFG

MOACIR EVANDRO LAGE

Professor Dr. e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/CPA/ EVZ/UFG

CINTIA SILVA MINAFRA E REZENDE

Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/ CPA/EVZ/UFG)

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