No artigo anterior, relembramos o conceito de fibra fisicamente efetiva e vimos como mensurar a quantidade de FDN fisicamente efetiva de forragens, além da aplicação dessas informações em formulação de dietas. Nessa segunda parte, discutiremos sobre a importância da colheita na efetividade da fibra, principalmente de silagens, e as fontes de fibra efetiva que podem ser utilizadas em fazendas.
Processamento da silagem e fibra fisicamente efetiva
A silagem de milho é a principal forragem utilizada para gado de leite confinado ou semi-confinado no Brasil. É um alimento rico em energia, encontrada no amido dos grãos de milho e na fração digestível do FDN. Os grãos de milho representam 45% da MS e mais de 50% da energia contida na silagem.
A grande maioria do milho para silagem no Brasil é colhida por colhedoras simples, tracionadas por trator, com capacidade de colher 1, 2 ou 3 linhas de milho, sem sistema de rolos para esmagar os grãos de milho durante a picagem, conhecido como cracker. Nos últimos anos, no entanto, tem crescido a utilização de colhedoras automotrizes, que podem colher de 4 a 12 linhas e são equipadas com cracker. A quebra do pericarpo dos grãos de milho é essencial para a digestão do amido, especialmente no rúmen, onde fornece energia para o crescimento microbiano. Grãos de milho que escapam inteiros na picagem e são fornecidos aos animais passam pouco digeridos pelo trato digestivo e podem ser observados nas fezes, o que representa grande perda de energia da silagem que poderia ser aproveitada para produção.
Quando a colheita é realizada por colhedoras simples, normalmente o tamanho de corte deve ser pequeno, para provocar quebra nos grãos de milho. A picagem fina pode comprometer o conteúdo de FDNfe da silagem, por reduzir muito o tamanho da parte vegetativa da planta. Em dietas formuladas exclusivamente com silagem de milho como fonte de forragem, o fornecimento da quantidade adequada de FDNfe pode ser prejudicado. Uma solução para esse problema é a utilização de colhedoras simples equipadas com quebrador de grãos, o que permite corte da silagem em tamanho maior ainda mantendo o dano aos grãos.
Esse tipo de equipamento foi testado em experimento recente realizado na Universidade Federal de Lavras, comparando dois tamanhos de corte (3 e 8,5 mm) e o efeito do quebrador sobre o processamento dos grãos. Com o tamanho de corte de 8,5 mm e o uso do quebrador foi possível aumentar o tamanho de partículas da forragem colhida sem prejuízo no processamento dos grãos. A proporção de silagem colhida com tamanho de partículas > 8 mm aumentou de 61,8% da matéria natural (MN) com corte de 3 mm para 78,4% da MN com corte de 8 mm (Dias Junior, 2016, tese de doutorado, DZO/UFLA).
Quando a silagem é colhida por automotriz, o problema da quebra de grãos é minimizado, dado que estas são equipadas com cracker. No entanto, o ajuste dos rolos deve ser ideal, sendo recomendado que a distância entre os rolos seja de 1 mm, e o estado de conservação da máquina e sua manutenção sejam bem feitos. As colhedoras automotrizes permitem picar a planta de milho em partículas de até 24 mm com esmagamento dos grãos. Assim, a quantidade de FDNfe é preservada sem prejuízo na digestibilidade do amido dos grãos.
Ainda, quando se colhe com máquina automotriz atenção especial deve ser dada à carga de peso no silo para compactação. Essas máquinas colhem grande quantidade de forragem em pouco tempo, o que exige máquinas pesadas na compactação do silo. Nesse Radar Técnico há informações sobre como calcular o peso das máquinas para compactação adequada.
Em termos práticos, para colhedoras simples é recomendado colher quando a planta tiver entre 30 e 32% de MS ou dois terços do grão leitoso. Para colhedora automotriz o ideal é de 35% a 38 % de MS ou um terço do grão leitoso.
Fontes de fibra fisicamente efetiva
Quando a silagem de milho disponível é finamente picada e não é possível atender à exigência de FDNfe, torna-se necessário adicionar outra fonte de fibra fisicamente efetiva à dieta.
Observe o exemplo:
- Silagem de milho:
- Teor de MS: 31.7%
- Teor de FDN: 49%
- Partículas acima de 8 mm: 59%
- Consumo de FDN de silagem de milho estimado: 5,39 kg/dia
- Consumo de FDN > 8mm estimado: 3,24 kg / dia
- Consumo de MS esperado: 24,46 kg / dia
- Teor de FDN > 8 mm na dieta formulada: 3,24 / 24,46 = 13,2%
Quando a dieta é formulada com essa silagem o teor de FDNfe foi de 13,2%, abaixo do mínimo de 15%. Essa é uma dieta que, dependendo da quantidade de concentrados e da velocidade de fermentação dos carboidratos, oferece grande risco de acidose.
Para torná-la mais segura, principalmente para vacas de alta produção, é necessário adicionar uma fonte de fibra longa. Agora, considere uma dieta formulada com a silagem de milho do exemplo anterior e acrescida de silagem de aveia:
- Silagem de aveia:
- Teor de MS: 36%
- Teor de FDN 53,5%
- Partículas acima de 8 mm: 83%
- Consumo de FDN vindo de silagem de milho: 3,67 kg / dia
- Consumo de FDN vindo de silagem de aveia: 2,31 kg / dia
- Consumo de FDN > 8mm vindo de silagem de milho: 2,16 kg / dia
- Consumo de FDN > 8mm vindo da silagem de aveia: 1,91 kg / dia
- Consumo de FDN > 8mm total: 1,91 + 2,16 = 4,07 kg / dia
- Consumo de MS esperado: 24,46 kg / dia
- Teor de FDN > 8 mm na dieta formulada: 4,07 / 24,46 = 16,6%
A inclusão da silagem de aveia tornou a dieta mais segura, com 16,6% de FDNfe. A fonte de fibra longa pode ser produzida na fazenda, como silagem de gramíneas, ou adquirida, como fenos e pré-secados. A opção vai depender da disponibilidade de recursos de cada propriedade. O caroço de algodão é um subproduto concentrado particular, pois sua fibra é fisicamente efetiva e deve ser considerada. No entanto, vale lembrar que a inclusão de caroço de algodão em dietas para vacas é limitada pelo alto teor de óleo desse alimento.
É importante salientar que a formulação de dietas para vacas leiteiras leva em consideração diversos aspectos dos animais, do sistema de produção e dos alimentos disponíveis. O trabalho do nutricionista é complexo e exige conhecimento que vai muito além da exigência de fibra. Contar com um nutricionista como consultor da propriedade é sempre recomendado para produzir leite com eficiência técnica e econômica.
Em resumo:
• Vacas leiteiras exigem dietas com carboidratos altamente fermentáveis e fibra de alta qualidade como principais fontes de energia.
• Fibra fisicamente efetiva é necessária para manter a função ruminal e saúde de vacas em lactação.
• O processamento da forragem na colheita é determinante para a quantidade e qualidade da fibra fisicamente efetiva que o alimento fornecerá.
• A quantidade de fibra fisicamente efetiva das forragens pode ser avaliada na fazenda, usando o separador de partículas da Penn State e essa informação aplicada à formulação da dieta.
Referências bibliográficas
Dias Junior, G. S. Processamento de silagem de milho e suplementação de vacas leiteiras com enzimas fibrolíticas. Tese de doutorado. Pós-Graduação em Zootecnia, Universidade Federal de Lavras (UFLA).