Muito se fala sobre o volume de produção Brasileira de leite estar estagnado ou “andando de lado” há alguns anos. Mas, o mercado interno tem capacidade de absorver uma produção maior?
Segundo Airton Spies, sócio da consultoria SpiesAgro e ex-secretário da agricultura e pecuária de Santa Catarina, “o tamanho do negócio leite no Brasil é do tamanho do mercado nacional, do tamanho do bolso dos 212,3 milhões de brasileiros. Ainda não conseguimos exportar o nosso produto, então estamos limitados ao consumo interno”.
Os dados mostram que há uma mudança estrutural acontecendo na pecuária leiteira nacional, onde o número de produtores vem sofrendo uma redução, ao passo que o volume não vem sofrendo quedas, indicando a profissionalização do setor e evolução na eficiência produtiva.
O gráfico abaixo evidencia uma expressiva redução no número de produtores nos estados da região Sul entre 2015 e 2023. No Rio Grande do Sul, por exemplo, essa diminuição foi bastante acentuada, com uma queda de aproximadamente 61% no número de produtores em apenas oito anos.
Gráfico 1. Número de produtores (em milhares) na região Sul - 2015 e 2023.
Fonte: estimativas da Emater/RS, IDR/PR e CIDASC/SC.
Elaborado pelo MilkPoint.
Apesar da expressiva redução no número de produtores nos três estados da região Sul, a produção total na região aumentou 19,29%. Conforme ilustrado no gráfico abaixo, no Paraná e em Santa Catarina, os aumentos foram de 29,77% e 51,18%, respectivamente. Já no Rio Grande do Sul, houve uma redução de 8,76% no volume total de produção, embora essa queda seja proporcionalmente menor em comparação à redução no número de produtores de leite no estado.
Gráfico 2. Captação formal de leite na região Sul - 2014 e 2023 (bilhões de litros).
Fonte: Sidra/IBGE.
Elaborado pelo MilkPoint.
O que falta, então, para embarcar o nosso leite para fora do país?
O Brasil tem tradição exportadora em outras cadeias de proteína animal, possui permissões, certificados sanitários e acordos com outros países que possibilitam que as proteínas nacionais sejam exportadas, como já acontece com as carnes bovina, suína e frango. O que limita que o leite embarque no navio, são, de fato, os custos produtivos.
Atualmente, os preços praticados no mercado internacional não remuneram os custos de produção do Brasil, o que impede que o leite interno seja competitivo no mercado externo.
O grande desafio é reduzir esses custos a fim de criar um preço competitivo com o mercado internacional. “Acoplar o leite no mercado global significa vencer o degrau de cerca de 20% diferença de preços que nós temos com outros players internacionais exportadores, como a Nova Zelândia, EUA, União Européia, Argentina e Uruguai, por exemplo”, comentou Spies.
Além da necessidade de melhora na eficiência produtiva, a redução de custos está relacionada a outros elos do setor, como logística de captação, que tem forte poder de redução de custos do produto final. Não se trata, portanto, somente de uma tarefa do produtor.
Nesse sentido, há também a necessidade de a indústria estimular o aumento do teor de sólidos do leite. Não só nosso leite sai da vaca com menor teor de gordura e proteína do que os concorrentes, como também essa diferença está aumentando.
Conforme o gráfico apresentado por Marcelo Pereira de Carvalho, CEO da MilkPoint Ventures, em sua palestra no Interleite Brasil 2024, é possível observar a diferença no teor de sólidos do leite (somatório de gordura e proteína) entre o Brasil e a Nova Zelândia.
Fonte: elaborado pelo MilkPoint Mercado com base em dados do MAPA e do DCANZ.
Em 2023, essa diferença foi de aproximadamente 27%, com o Brasil registrando um teor de sólidos de 7,0%, enquanto na Nova Zelândia o valor é de 8,84%.
É fundamental concentrar esforços no aumento do teor de sólidos do leite, dado que, no Brasil, aproximadamente 60% da produção é destinada à fabricação de derivados que dependem desses sólidos.
Segundo Marcel de Barros, CEO da Tirolez, esse aumento é um dos fatores-chave para a competitividade do leite brasileiro. "A sustentabilidade da cadeia produtiva depende da maior produção de sólidos no leite", afirmou Marcel, destacando ainda que "a cadeia leiteira brasileira demonstra ter potencial para se tornar mais competitiva".
A parte interessante disso tudo é que existem soluções para as atuais barreiras que impossibilitam o Brasil de ser um país exportador de leite. “No momento em que conseguirmos fazer os ajustes finos, ter uma produção de maior escala, nós vamos conseguir competir com o mundo e fazer o que outras cadeias produtivas já fazem, que é ter o mercado interno e o mercado externo”, disse Spies, destacando que acredita no potencial da produção interna de atingir o mercado internacional nos próximos 10 anos: “Não vai ser todo o Brasil ao mesmo tempo que vai exportar, e nem precisa ser. Mas, fundamentalmente as regiões mais desenvolvidas no leite Brasileiro, como é o caso da região Sul do país, precisam fazer o dever de casa e andar rápido nessa direção. Acredito que nos próximos 10 anos, nós vamos sair do 0,3% da produção interna exportada (dados de 2023), para algo em torno de 10% da produção interna destinada à exportação, e isso vai abrir muitos caminhos e possibilidades para o setor”.
O Brasil tem grande potencial de “abocanhar” grande parte da exigência de consumo do mundo. Olhando os dados mundiais de demanda para o futuro, até 2050, existe uma necessidade de aumento de 51% no volume de leite que o mundo vai precisar, em relação aos quase 700 bilhões de litros de leite de vaca produzidos no ano passado (2023). Segundo Spies, essa parcela é uma oportunidade imensa para o setor brasileiro. “Mesmo diante dessas novas demandas, os principais países exportadores não têm capacidade para aumentar significativamente a sua produção. Há questões ambientais, limitação de terra, e também o acordo de Paris que limitou as emissões de gases de efeito estufa. Isso vai abrir, para o Brasil, um grande espaço para ser um player importante na cadeia produtiva do leite mundial ", destaca Spies.
Outra vantagem que favorece o aumento da competitividade do Brasil são as condições ambientais. O país possui um grande potencial de produção devido ao clima tropical e subtropical, que proporciona uma extensa janela para a produção de pastagens e volumosos. Diferentemente de muitos países onde essa oportunidade é limitada a apenas seis meses, no Brasil é possível produzir alimento durante boa parte do ano em várias regiões.
“Ao fazer o dever de casa, o Brasil se candidata a transformar o leite em mais uma cadeia produtiva de sucesso, em mais uma estrela do nosso agro, brilhando no mundo e não apenas internamente”, finalizou Airton.