Por sugestão do leitor José Gil Júnior, após o artigo "A Pressão pelo Lado de Baixo", estão sendo apresentados os preços de alguns insumos no ano de 1999 e os preços atuais dos mesmos, em Reais nominais (valores da época) e em dólares. São realizadas as comparações das variações entre os preços destes insumos e do preço bruto do leite ao produtor.
O momento é oportuno visto que no último dia 17 de outubro, representantes e lideranças dos produtores e das indústrias se uniram em reunião para mostrar que tem sido impossível repassar o aumento dos custos de produção para os supermercados.
Vale lembrar que os preços aos consumidores subiram em setembro, porém esta alta não foi vista nem pela indústria e nem pelos produtores.
A Leite Brasil apresentou nesta reunião os dados mostrando as altas de preços entre junho e outubro corrente.
O assunto já foi abordado no artigo "Pressão pelo Lado de Baixo" e também recentemente explorado pelo engenheiro agrônomo Marcelo Pereira de Carvalho ("A Mesma Fazenda em 1999 e 2002: Comparativo de receitas e custos").
Para os produtores de leite nem é preciso provar que houve aumento nos custos de produção, pois sentem o fato nos bolsos, mas um dado ou outro a mais para fundamentar os argumentos nunca é demais.
Tabela 1: Evolução nos preços dos insumos em R$ nominais por período selecionado
Observe que em Reais as menores variações ocorreram para os produtores de leite. De todos os insumos, as únicas variações próximas às do leite foram as dos produtos veterinários. Dentro dos custos totais de produção de leite, os produtos veterinários representam de 3% a 5% no máximo. Dos produtos veterinários que variaram menos que o preço do leite, positivamente, estão apenas os que não chegam nem a 0,5% dos custos totais de produção, como os vermífugos (não listados na tabela).
Na tabela 2 estão listados os preços em dólares dos mesmos insumos, utilizados para a produção de leite e volumosos.
Tabela 2: Evolução nos preços dos insumos em dólares por período selecionado
Observe nas colunas de variações que os preços de alguns insumos não se mantiveram em dólares, como era de se esperar. Os valores em dólares dos alimentos subiram tendo em vista as cotações internacionais.
No caso dos herbicidas, por exemplo, que em Reais variaram quase três vezes mais que a média das altas nos preços do leite, em dólares a variação foi negativa.
No entanto, se tratando de um mercado indexado na moeda americana, é de se esperar pressões de alta nos preços dos herbicidas, assim como nos demais defensivos (inseticidas, acaricidas, formicidas, fungicidas, etc). Este movimento já vem ocorrendo no mercado de fertilizantes, que também é impulsionado pelo aumento da demanda nesta época do ano, quando os produtores saem às compras para os plantios e para as adubações de cobertura.
Em dólares, evidentemente o leite apresenta o maior recuo nos valores, sendo negociado hoje nos patamares de US$0,10 a US$0,11/litro.
Pois bem, por que o momento é crítico?
No dia 17 de outubro, na reunião com representantes do varejo, Jorge Rubez (Leite Brasil), Almir Meirelles (ABLV) e outros representantes das indústrias como Daniel Felippe (vice presidente da Central Leite Nilza) alertaram para o comportamento de manipulação do mercado pelas redes varejistas, que se defendem dizendo que não formam preços, apenas seguem as oscilações de safra e entressafra.
A menos que os supermercados estejam vendendo leite de "canequinha", as baixas nos preços de safra não chegaram até o momento ao varejo: basta ver os preços do leite pago aos produtores até este mês, a seca que tem colocado cidades em estado de calamidade pública e as altas nos preços dos insumos que desestimulam o aumento da produção.
Se as redes não manipulassem preços, como argumentam, como os preços subiriam no varejo sem antes subir no atacado, ou ao produtor?
Como apresentado no artigo "Cenário Atual e Alternativas de Curto Prazo", os preços do Longa Vida no varejo, mês de setembro, se distanciaram dos valores de atacado, aumentando as margens de diferença.
Levantamento preliminar da Scot Consultoria em outubro aponta para a redução dos preços mínimos do varejo, confirmando a denúncia da ABLV (Associação Brasileira das Industrias de Leite Longa Vida). O varejo reduziu os preços mais baixos do leite e, até meados de outubro, teve êxito em abaixar também os preços médios. Como havíamos alertado no início do mês, os preços no atacado também estão se reduzindo e as margens (diferenças entre preços de varejo e indústria) estão se mantendo nos níveis que tinham aumentado em setembro.
Analisando o mercado, os menores preços de leite Longa Vida no atacado estão em torno de R$0,96/litro há três meses, porém em volumes insuficientes para alterar a firmeza dos preços do Longa Vida. O varejo, que até setembro tinha os menores preços em torno de R$1,10/litro, passou a negociar em valores de R$0,99, sem que houvesse qualquer alteração nos preços de atacado. Não significa que este leite esteja sendo adquirido de indústrias que vendem a R$0,96/litro, significa que há uma estratégia baixista nos preços.
Para se defender das acusações das indústrias, os representantes das redes varejistas argumentam que não têm lucro com o Longa Vida, que é usado como chamariz para atrair clientes. De fato, o leite é um chamariz e os supermercados procuram trabalhar com preços baixos, mas daí a não ter lucro já é outra história.
Quem não gostaria de "não" estar lucrando com margens líquidas médias próximas de 17% na venda de um produto que representa mais de 70% do mercado de fluídos no Brasil?
Justamente por interessar ao varejo, como chamariz, que busca-se reduzir os preços do leite no mercado. Por que pagar a conta do chamariz se ela pode ser repassada aos elos anteriores da cadeia?
O movimento de baixa, se confirmado, teve início com as práticas do varejo e não através do aumento da oferta de leite.
Portanto, um gigante começa a se mexer contra os interesses do setor produtivo, que emprega maior número de pessoas, num momento extremamente delicado da economia.
O setor, indústrias e produtores, estão agindo no momento certo, mostrando que estão atentos às estratégias das grandes redes.
Resta saber quais serão os desfechos dos próximos dias. Hoje, os cenários são extremamente desfavoráveis às indústrias e produtores.