Produtores rurais de São Paulo tentaram até o início da noite de hoje reverter junto ao governo do Estado a decisão de elevar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no Estado, medida que começou a vigorar este mês com o objetivo de fortalecer as contas públicas em tempos de pandemia.
Representantes do setor se reuniram com secretários de João Doria (PSDB) para novamente mostrar os impactos que o aumento da tributação pode causar na economia paulista. O Executivo estadual pediu mais uma semana para analisar esses impactos, conforme apurou o Valor, o que desagradou às lideranças rurais.
Sem nenhum posicionamento concreto de que o aumento no imposto será revisto, o assunto pode parar na Justiça. Lideranças do agronegócio devem questionar o instrumento legal utilizado pelo Palácio dos Bandeirantes para aumentar algumas alíquotas — decretos, e não lei específica — e tentar derrubar os argumentos do governo de que a cobrança de ICMS abaixo de 18% seria um “benefício fiscal”.
O setor produtivo também está organizando um “tratoraço” para quinta-feira contra o aumento de impostos. A manifestação já está confirmada em mais de 100 cidades do interior do Estado e ganhou ontem a adesão de novos segmentos, como o de flores, e de grupos de caminhoneiros nas redes sociais.
Há ainda a previsão de que associações comerciais e supermercados possam reforçar o coro dos agricultores, já que não deverão conseguir repassar a alta nos custos dos produtos para os preços, sobretudo de hortaliças e ovos. Sindicatos, associações e cooperativas lideram a organização do protesto.
A crítica é sobre a estimativa de alta de 1% a 5% no custo de produção de algumas culturas e sobre a redução de até 30% da margem líquida dos produtores de leite, segundo cálculos da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faesp). A entidade avalia também que os preços dos alimentos poderão subir até 8% ao consumidor final. Entidades nacionais, como a Sociedade Rural Brasileira (SRB), manifestaram apoio ao pleito paulista.
O PIB de SP pode cair R$ 4 bilhões e o consumo no Sudeste recuar mais de R$ 21 bilhões com a taxação, segundo cálculos da FGV Agro. Parte do aumento do ICMS começou a valer no dia 1º de janeiro, e o restante do reajuste terá início no dia 15.
Itens até então isentos do imposto nas operações dentro do Estado serão taxadas em 4,14%, como a comercialização de adubos, sementes, milho em grão, farelo de soja, defensivos agrícolas, rações, entre outros.
Ponto particularmente sensível ao setor é o aumento do ICMS sobre a energia elétrica, cuja alíquota subirá de 0% para 12% para quem consumir mais que mil kWh por mês, patamar considerado muito baixo para atividades que demandam irrigação, tanques de resfriamento, ordenha mecânica e iluminação em granjas, entre outros.
Outras operações taxadas em 7% passam para 9,4%, e as em 12% vão para 13,3%, como o etanol hidratado, que pode perder competitividade nas bombas ou diminuir o preço recebido pelas usinas, segundo executivos e analistas ouvidos pelo Valor.
Nas contas da trading Czarnikow, o preço do etanol na usina teria que cair por volta de 3,2% para que o preço do biocombustível não tenha que subir nas bombas — o que, aos preços da última semana segundo indicador Cepea/Esalq, representaria uma redução de R$ 0,65 por litro. Em simulação feita pela trading SCA, a redução seria mais próxima de R$ 25 o metro cúbico (R$ 0,25 o litro).
levantamento da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), ficou em 71% na semana passada, já 1 ponto acima da paridade. Porém, uma possível alta da gasolina no mercado interno pode acabar interferindo nessa equação, observou Martinho Ono, diretor da SCA.
Além das reuniões com o governo e dos protestos, o setor tenta anular o aumento do imposto via Assembleia Legislativa. O deputado estadual Frederico D'Ávila (PSL) ingressou, ainda em 2020, com projetos de decretos legislativos para anular os atos de Doria que elevaram a cobrança.
“Não permitiremos que João Doria leve os produtores rurais e a população paulista à miséria e ao desemprego com seus aumentos de impostos ilegais”, disse o parlamentar em postagem nas redes sociais. Segue a íntegra de comunicado divulgado pela Faesp na noite de hoje:
"A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) realizou, nesta terça-feira, dia 5, as últimas tratativas com o governo estadual, na tentativa de reverter o aumento no ICMS de insumos e produtos agrícolas promovido pelo governo estadual.
Em reunião realizada no Palácio do Governo, representantes da Faesp reuniram-se com integrantes do governo para apresentar os impactos do aumento do ICMS para os produtores rurais e para a sociedade. Apesar das inúmeras tentativas de reverter o aumento, o governo não se sensibilizou e manteve o aumento do ICMS, a partir do dia 15 de janeiro.
Por conta disso, a Faesp está apoiando o chamado “tratoraço”, uma manifestação promovida por produtores rurais em diversas cidades paulistas, que será realizado no dia 7 de janeiro, quinta-feira. Até o momento, mais de 80 sindicatos rurais aderiram ao movimento.
A entidade esclarece que tem orientado os produtores rurais que aderirem às manifestações para que sigam os protocolos de combate à pandemia da Covid-19 e as organizem em consonância com as diretrizes da Polícia Militar, visando que os protestos sejam pacíficos, ordeiros e sem prejuízo dos demais cidadãos. Um Comitê Especial foi criado dentro da Faesp para apoiar os produtores rurais.
A entidade destaca que elevar a tributação na atual conjuntura é inoportuno e prejudicial para a sociedade, pois acarretará custos de produção crescentes e encarecimento no preço dos alimentos para o consumidor final. Os cidadãos comuns, em especial os mais necessitados, é quem pagarão essa conta."
As informações são do Valor Econômico.