Consumidores cada vez mais exigentes em relação à procedência, qualidade, praticidade e saudabilidade dos alimentos que ingerem e servem aos seus familiares estão obrigando a indústria da alimentação a rever seus processos e inovar além da busca de novos sabores e produtos. “Conquistar o consumidor hoje exige demonstrar responsabilidade do campo à mesa das pessoas”, diz Carolina Sevciuc, diretora de transformação digital e líder de inovação da Nestlé Brasil. “Para isso, é preciso inovar o modelo de negócios.”
A primeira etapa dessa mudança de paradigma, segundo Carolina, é entender o consumidor. “Só é possível antecipar a alimentação do futuro se soubermos o que o consumidor espera dos alimentos”, diz. “O que percebemos é que se quer unir nutrição com bem-estar, cuidado com a natureza e com as pessoas”, afirma.
Essa preocupação levou a Nestlé a perceber uma demanda por produtos ‘plant-based’, não só por veganos e vegetarianos, mas também por pessoas que querem reduzir o consumo de itens de origem animal.
Nos últimos três anos, a companhia investiu R$ 40 milhões nesta frente de negócios, o que gerou o lançamento de 12 itens no mercado brasileiro em 2021, como um sorvete vegano feito com aveia especialmente para a rede Bacio di Latte, e o Kitkat vegano, que chega ao mercado em outubro, feito 100% com cacau de origem sustentável e arroz.
Ao todo, a companhia investiu R$ 400 milhões nos últimos cinco anos para a pesquisa e desenvolvimento de alimentos funcionais, integrais e fortificados e na redução de ingredientes sensíveis à saúde. Nos últimos três anos, foram retirados dos produtos da companhia no Brasil 390 toneladas de sódio, 5 mil toneladas de gorduras saturadas e 8 mil toneladas de açúcar.
Uma empresa como a Nestlé, com mais de 2 mil marcas disponíveis no mercado brasileiro, entre chocolates, sorvetes, biscoitos, cafés, leites e itens de nutrição animal, que demandam a dedicação de 20 fábricas próprias e uma cadeia de fornecedores longa e díspar, que envolve parcerias diversas – de criadores de vacas leiteiras, cultivadores de café e cacau, produtores de embalagens e outros insumos –, além de contar ainda com uma base grande de varejistas capazes de disponibilizar os produtos em prateleiras em todas as cidades do país.
Para ser capaz de fomentar conceitos inovação e de sustentabilidade nesse abrangente universo, a Nestlé concluiu que não seria possível contar apenas com o trabalho de seus 160 colaboradores dedicados a pesquisas e desenvolvimento em seu Centro de Inovação Tecnológica (CIT) em São José dos Campos (SP).
A companhia optou por desenvolver dois caminhos inovativos complementares. Um é estimular a participação de seus 30 mil funcionários no Brasil. “Marcas são feitas de pessoas para pessoas. É preciso engajar todos no processo de melhorias”, diz Carolina.
Em 2018, a Nestlé criou um programa de intraempreendedorismo, o Reinvent, que abrange todas as unidades das Américas e já recebeu mais de 2 mil ideias de 1,2 mil participantes e soma 17 projetos acelerados, como o chocobot, que permite ao consumidor montar uma caixa personalizada de bombons com o apoio de um robô, e o e-commerce Empório Nestlé, que por meio de uma parceria com o marketplace Mercado Livre atende 1,8 mil municípios no país.
Em 2021, o Reinvent recebeu 1,1 mil ideias, sendo 135 projetos de 270 colaboradores brasileiros. Um projeto brasileiro escolhido para ser acelerado tem como meta reduzir e compensar as emissões de gases de efeito estufa nas atividades da empresa.
O segundo caminho é a inovação aberta realizada por meio de parcerias com diversos stakeholders, que envolvem desde instituições públicas, como a Embrapa, universidades, centros de pesquisas de fornecedores e clientes, startups e coletivos sociais, como o Gerando Falcões.
“Uma empresa não deve tentar fazer tudo sozinha, existe um ecossistema rico fora, para o qual é preciso estar atento”, diz Carolina. “Muitas vezes, descobrimos que nem sabíamos que não sabíamos algo importante para o negócio. E, de um problema, surge uma oportunidade”, afirma.
Há quatro anos seguidos, a Nestlé reúne 11 empresas parceiras para uma jornada de 36 horas de debates, o ‘Innovation Challenge’, cujo objetivo é encontrar soluções conjuntas relacionadas a quatro pilares relacionados à sustentabilidade na cadeia produtiva, na logística, em embalagens e no desenvolvimento de produtos. Já são 40 projetos implementados e outros 12, entre 22 propostas da jornada de 2021, estão em análise para possível implementação a partir de 2022.
Em junho, a companhia lançou o Panela Nestlé, um hub de inovação aberta e colaborativa que conecta colaboradores internos, startups, universidades, consultorias e plataformas de inovação, como Innoscience, Distrito, Aevo, Techstart, Nexus, Endeavor e All 4 Food. “É um sistema ágil, capaz de elaborar diferentes respostas para os nossos desafios de negócios e sustentabilidade e ainda é um centro de atratividade de novos talentos”, diz Carolina.
O Panela Nestlé, na verdade, é a consolidação de um processo de busca de parcerias com startups que a companhia já desenvolve há três anos, no qual já analisou propostas de 1,8 mil startups e estabeleceu 101 projetos-pilotos, que já resultaram em 35 parcerias.
No segundo semestre de 2021, a Nestlé também lançou desafios inovativos abertos voltados para universidades. O objetivo é impulsionar projetos de pesquisas e desenvolvimento de tecnologias capazes de reduzir a pegada de carbono da empresa e de fornecedores, em atividades como cultivo de café e cacau, ou o aproveitamento do lodo das estações de tratamento de resíduos líquidos das fábricas.
Uma parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Nestlé está desenvolvendo tecnologias capazes de estimular a redução de carbono na atividade de produção de leite. Num primeiro momento, 20 fazendas vão receber apoio técnico para dar suporte à transformação da produção. Um exemplo é uma calculadora que mostrará o balanço de carbono equivalente das propriedades leiteiras em diferentes biomas e sistemas de produção, que vai possibilitar a criação de planos individualizados para a redução.
Desde 2017, a companhia estimula sua cadeia de fornecedores de leite a converter a produção para um modelo orgânico. Já são mais de 40 produtores convertidos, que fornecem 37 mil litros diários, e o bem-estar de mais de mil vacas são monitoradas por sensores, gerando maior produtividade.
Ao todo, os programas de qualidade e sustentabilidade no campo da Nestlé já estabeleceram algum tipo de parceria com 13,5 mil produtores rurais, entre fornecedores das cadeias de leite, cacau, café, cereais, frutas e vegetais. Atualmente, 75% do café adquirido pela companhia no Brasil possui certificado de origem sustentável, e a meta é chegar a 100% em 2025.
Em 2021, a empresa anunciou um investimento de R$ 900 milhões no país, sendo R$ 235 milhões em inovação de produtos e embalagens e R$ 764 milhões em automação, modernização e expansão da capacidade das fábricas.
Atualmente, toda nova linha produtiva implementada no país já nasce sob o conceito de indústria 4.0. A fábrica de leite Ninho em Ituiutaba (MG) desenvolveu uma aplicação de ‘machine learning’ capaz de prever problemas em equipamentos e gerar alertas com até seis horas de antecedência, evitando paralisações na produção. Antes de implementar o sistema, a companhia deixou de produzir em um ano 189 toneladas de leite em pó por causa de paradas não previstas. Um problema que ficou para trás.
As informações são do Valor Econômico, adaptadas pela equipe MilkPoint.